Tem sido notícia o caso da freira espanhola expulsa/demitida/saneada do convento, por ter usado do seu direito de liberdade de expressão, neste caso no Facebook, para criticar a sua vida conventual e as maldades a que está obrigada. Tem despertado grande solidariedade, há sempre quem reaja emotivamente (não digo que não seja saudável, em princípio) e, com a net, é só clicar no “send”, lá se amplifica um brado como no meu tempo de criança se amplificavam as cadeias de santinhos de S. Judas Tadeu - parece que caiu em esquecimento, mas era muito popular, juntamente com S. Maria Goretti.
Não dou para este peditório, porque a freira não o merece. Quanto à liberdade de expressão, como em relação a todas as liberdades essenciais, aos direitos do homem, toda a minha solidariedade para com aqueles que dela estão privados, como eu e a minha e anteriores gerações estiveram, por opressão ditatorial. Como estavam até agora (espero que vão deixar de estar) os corajosos tunisinos, egípcios, agora líbios e o mais que se verá. Não é este o caso da freira.
A freira entrou por sua livre vontade numa ordem religiosa que obriga a clausura, ao corte de relações com o exterior. Parece-me coisa horrorosa, mas devo aceitar que é coisa privada, entre Igreja, ordem e freiras. Há uma regra e não é a mim nem aos apoiantes da freira que protestam na net que compete emitir opinião, “not my business”. Ela tem todo o direito a estar arrependida de ter professado, o direito de ter inegáveis críticas àquele mundo medieval, mas só tem legitimidade para isto no dia em que sair, fizer pela vida, deixar de comer a sopa do convento.
Com a grande riqueza dos nossos provérbios na sabedoria popular, sempre estranhei que não se use em Portugal um dos mais vulgares provérbios ingleses e americanos (como as culturas são diferentes): “you can’t have the cake and eat it”, não se pode ter o bolo e comê-lo.
Este “fait divers” só justifica escrito porque me parece ter analogia óbvia com a política, e em particular com as sucessivas dissidências do PCP (que não vou defender, nada hoje me liga a ele). Vou servir-me de um exemplo muito conhecido, mas há muitos casos. Zita Seabra foi expulsa, foi uma vítima, escreveu um livro e vendeu-o, recolheu imensas solidariedades. Foi expulsa porque violou as regras de honra com que se comprometeu. Não está em causa eu pensar que as regras são más, conta é que ela estava comprometida com elas (e muito se teria que dizer sobre como ela as seguiu!). Conta é que pessoa honrada só deixa de cumprir um contrato depois de o ter denunciado, com os riscos que possa correr. Tivesse saído pelo seu pé e merecia-me mais consideração.
O mesmo para os que fizeram jogos políticos mediáticos, a coberto da “perestroika”, de tal forma ofensivos da honra política que parece que foram propositados para conquistar posições igualmente “aparatchiks” noutro partido.
Entretanto ou bastante antes, e ao longo de anos, houve muita gente que rompeu silenciosamente com o que estava a ser um “contrato” espartilhante. Fizeram-no com todo o direito, por convicção, saldando contas passadas com a sua consciência, fizeram-no com o silêncio humilde do vulgar soldado anónimo de infantaria, ninguém sabe deles. Estou convencido de que a maioria agradece que ninguém saiba deles.
Quer isto dizer que as regras partidárias, a que os militantes aderem e que enquanto lá estiverem é coisa de gente honrada cumprirem, são mero assunto interno? Claro que não, mas com bom senso. Não creio que devam ser matéria de legislação, muito menos, como por vezes se vê, mormente em casos de tricas internas e aparelhísticas dos dois amigalhaços do centrão, matéria para queixa ao Tribunal Constitucional. Os partidos obviamente que são de interesse público mas daí a terem honras de discussão de constitucionalidade vai grande distância. A penalização deve ser política, pelo voto.
Isto quer dizer que eu, como votante, tenho presente que, tendo estado a falar no PCP, não quero dar a esse partido responsabilidades de poder, porque receio que, uma vez lá, reproduza na sociedade a sua conceção particular da democracia, da liberdade de opinião, da “abertura mental” fora de quadros ideológicos rígidos. Nunca me esqueço de, no dia 26 de Novembro de 1975, desgostoso, vencido, ao mesmo tempo me ter vindo frequentemente à cabeça "será que nesta onda 'revolucionária' do verão quente eu não iria preso um dia qualquer, como reacionário?". Sabem quem foi Danton?
No entanto, faça-se justiça, o PCP é transparente, toda a gente sabe o que a casa gasta, toda a gente com um mínimo de informação e reflexão ideológica sabe o que é aquele bolorento “marxismo-leninismo” (declaração de interesses: tenho e mantenho profunda influência de Marx, nem me importo que me apodem do que ele nunca falou, o marxismo, mas nada tenho a ver com o leninismo, invocado por todos os dissidentes perestroikos).
Muito diferente é o Bloco. Na sua génese, esquecendo o caso mais aceitável da Plataforma, que ao menos foi de gente que não se vendeu logo às prebendas do PS, depois aos conselhos de administração, estão dois partidos de referência ideológica execrável, se não fosse apenas pateta: trotskista e maoísta. Os dois principais dirigentes atuais do BE foram (ou parece que ainda o são, parece que PSR e UDP formalmente ainda existem) fervorosos adeptos dessas correntes sectárias. O que são hoje? São o que foram ou mudaram, o que é ótimo, mas deve ser claramente "anunciado"? Alguém os ouve hoje dizer “mea culpa”? É o mínimo que lhes devemos exigir.
(Editado, 21.2.1011)
P. S. - Lembra-me um leitor amavelmente crítico que não estou a ter em conta, em relação à freira, que muitas vezes as seitas tornam difícil, doloroso, penalizador, qualquer processo de rotura. Isto aplica-se a partidos sectários, à maçonaria, ao Opus dei, sei lá mais ao quê. É verdade. Eu tenho boas razões para o saber. Também é verdade que alguns acham que "se deve lutar lá dentro, porque só aí se pode fazer alguma coisa", mas isto já me parece tonteria.