Estou distante, não diria que equidistante, dos três partidos da esquerda convencional, seja lá o que for o que eu entenda por verdadeira esquerda. No entanto, distante não é desinteressado. O meu principal lema, que parafraseei como título desta entrada, é o célebre verso de Terêncio, “Humani nihil a me alienum puto” (nada do que é humano me é alheio).
Com o PCP tenho uma relação muito extremada, ambivalente. Durante alguns anos, meus tempos de estudante universitário, foi a minha referência, a minha casa ideológica, o meu lugar de me sentir lutador. Até que a Checoslováquia me deu volta à cabeça. Depois, o 25 de abril, a revolução, fizeram-me pactuar com o compromisso prático. Até já não ser possível, até à saída silenciosa e precoce, em nenhuma cisão grupal.
Conheço muitos comunistas. Posso considerar que muitos estão presos por um esquema dogmático, que estão acossados, à defesa. Mas são gente da melhor qualidade, generosos, solidários, com sentido social, íntegros, não aceitando que o seu partido, apesar de muitos erros, entre em joguinhos do parlamentarismo eleitoral mesquinho. O problema é que o PCP, para a opinião do eleitorado, é um fóssil.
E cada vez mais se não rediscutir de cima a baixo a sua base matricial de “partido da classe operária”, uma classe hoje claramente em regressão e sem o papel económico e social que tinha nos tempos leninistas (embora não, à época, no império russo). Também fazer uma grande ação de esclarecimento sobre todas as calúnias de que foi vítima, mas o que implica reconhecer erros que foram eficazmente usados para essas calúnias.
Com a osmose social, com o “aburguesamento” dos padrões de vida e de ambições sociais dos proletários de hoje, com a hegemonia da democracia formal, com a falta de bases teóricas e de experiências bem sucedidas (vamos ver a América latina) de uma revolução dos tempos de hoje, com a redução objetiva dos setores primário e secundário da economia, as análises e as formulações de Marx (não gosto de chamar marxismo, acho que Marx também não gostaria) ainda me influenciam muito, mas acho Lénine totalmente ultrapassado. Mesmo aquilo que teve de inovador, a sua análise do imperialismo, não se ajusta à globalização e às “hegemonias benévolas” de hoje.
O BE também merece todo o meu interesse, como observador independente. Aproximando-se a sua convenção (ai, o tique de se diferenciar pela linguagem!), até penso escrever alguns comentários sobre o que nela me parece, de fora, estar em jogo. Aprecio a evolução do BE, certamente por hoje ter muitos mais militantes pós-fundação do que os herdados dos minúsculos partidos fundadores. Talvez haja desses partidecos vestígios no funcionamento interno, em algum espírito de fração, mas isto não me diz respeito.
O que é verdade é que, concorde-se com o que propõe o BE – e eu discordo frequentemente – o BE não aparece ao eleitorado como uma espécie de seita presa a um esquema ideológico rígido, como o PCP. Posso até criticar o BE, muitas vezes, é pelo contrário, por uma certa tendência para o oportunismo, para sobrepor coisas na moda a políticas essenciais, por ser propositadamente ambíguo, depois flutuante em relação a propostas que devem ser absolutamente claras, como aconteceu, desde 2011, com o percurso do BE na questão da reestruturação da dívida. Para Louçã, “renegociação”, o que, como aqui escrevi, me pareceu bem diferente, coisa ambígua e habilidosa para eleitor do centrão.
O PS é o caso mais complicado. Em relação ao magno problema político de hoje, o acordo com a troika, a submissão a maior velocidade ainda do governo, à austeridade, apesar das críticas palavrosas mas sem consequências. Pode-se admitir que o PS oficial tem evoluído, mas a ritmo lento e sem uma imagem clara de decisão. De qualquer forma, rejeita a denúncia do memorando com a troika, rejeita a possibilidade de suspensão do serviço da dívida, então a hipótese sequer de saída do euro é um tabu. E estas são as posições firmes dos outros partidos e de largos setores independentes, como se viu no Congresso Democrático das Alternativas. Mesmo socialistas marginais, como Ana Gomes, João Galamba ou Paulo Pedroso, se têm manifestado em discordância com o congresso.
Repare-se que disse “PS oficial”. Este é o problema desde há muito. Eu conheci vários PS, convém recordar. Lidei, no movimento associativo, em Medicina e não só, com os entusiastas da então Ação Socialista Portuguesa. A meu ver, eram anti-unitários, era difícil debater com eles, só queriam era ganhar influência.
As eleições de 1969 cavaram uma grande divisão, com a candidatura soarista da CEUD, embrulhada em negociações com a “ala renovadora” (?) do regime, e comprometeram o enorme impacto do movimento unitário das CDE.
Depois do Congresso de Aveiro de 1973, chegamos à unidade, com o MDP-CDE. Coabitavam, fraternalmente, comunistas e socialistas, muitos outros sem partido. Tudo se destruiu depois do 25 de abril com a vontade de ambos os partidos, PCP e PS, de se afirmarem, empurrando o MDP-CDE para um pequeno canto, de partido para que não tinha vocação. A chamada aliança povo-MFA teria sido outra coisa se, em termos de superestrutura política, tivesse sido a aliança MFA-MDP (claro que estou a falar do MDP de 1973). Depois, em relação ao verão quente, nem vale a pena falar, todos sabem como esta clivagem brutal na unidade se acentuou, sem remédio.
Lembremos também que foram importantes os vira-casaca. O PCP também os teve nos seus milhares de inscritos pós-revolução, mas sei, por experiência própria, que se tentou controlar isso, identificar declarações curriculares fraudulentas. O PS não quis ou não pôde controlar isso. No meu local de trabalho, uma grande organização, a Gulbenkian, a sofreguidão do PS (só não gritava “assim se vê a força do PS”) fez entrar no partido a maior canalha oportunista, até – garanto – legionários e homens de mão da administração.
Tudo isto, mais as boas relações com Carlucci, mais o jogo duplo entre a reação dos nove (discutível mas honesta) e a gente do norte, na Corteçaça, com Pires Veloso e oficiais da Força Aérea, apoiada por serviços secretos estrangeiros; depois a coligação espúria do 2º governo, com o CDS; mais o “socialismo na gaveta”; mais o FMI, desgastaram a imagem do PS junto de um grande setor social, eleitoralmente minoritário porque vencido no 25 de novembro, mas ainda com grande convicção ideológica e presença na rua, nos movimentos sociais, nos sindicatos, na reforma agrária em fim de vida.
Há muitos socialistas, muitos dos quais meu bons amigos, que estão contra o PS oficial. Também a JS parece promissora como geradora de quadros com outra visão. Infelizmente, a meu ver, todos esses contam pouco. Muitos estarão disponíveis para uma alternativa partidária, a criar, mas não lhe trazem nada a não ser o seu prestígio pessoal. É difícil, organizativamente e financeiramente, criar um partido. O caso recente melhor conseguido foi o do Parti de Gauche em França, mas feito de uma dissidência de socialistas que nunca tinham desistido da luta interna, que tinham boas posições no aparelho e no quadro dos apoios oficiais a deputados (como cá), que as usaram para lançar o novo partido. Nada disto acontece no PS. Também não com eurodeputados, com boa base financeira e estrutural para lançamento de um novo partido.
Veja-se também o caso grego. A cisão que gerou um novo partido foi ao contrário, uma cisão de direita da Syriza, a dar a Esquerda democrática, que acabou por se coligar com o PASOK e a ND. Do lado do PASOK, nada, só o apodrecimento consentido pelos seus militantes, sem uma revolta, sem uma iniciativa alternativa.
Como já escrevi aqui, tenho bem o palpite de que vamos para semi-Grécia. O BE não vai ser a Syriza (escreverei depois sobre isto). Mas o PS vai-se PASOKizar. O que ficará por meio, o que resultará de ambas as coisas, não sei, mas temo que seja um reforço do arco troikiano, PS-PSD-CDS, a atrair um PS diminuído, embora, paradoxalmente, com um bom resultado eleitoral contra PSD-CDS, mas insuficiente para uma solução própria. Só em eleições seguintes é que o PS aparecerá tão castigado que então pode haver uma alternativa de esquerda, a oferecer urgentemente.
E como veem os eleitores o PS? Palpita-me que a ideia geral dos eleitores é que o PS é hoje um partido incoerente, que quando muito só os pode atrair como castigo ao atual governo. A liderança de António José Seguro é fraca, porque ele próprio é um homem com uma imagem (até fisionómica – e como isto conta, em tempos de TV!) de inseguro, contra o seu nome. Ganhou a liderança contra Assis, mas toda a gente sabe que quem espreita é homem muito mais capaz, António Costa. O PS está naquilo que se chama, medicamente, estado de estupor, uma espécie de zombie, vagueia mas sem capacidade de decisão. Os eleitores têm intuição para saberem reconhecer isto e não perdoam. O último exemplo foi o do governo Santana Lopes.
Tudo isto dito, é preciso ter-se em conta que os partidos, isto é, o seu aparelho, estão blindados em relação à mudança. O que talvez signifique pensar numa alternativa à democracia representativa – essencial – até agora baseado no sistema partidário.
No caso do PCP, é principalmente uma blindagem ideológica, da psicologia do militante muito dedicado, humanamente de grande qualidade, que necessita de um suporte ético que o partido lhe dá e a que ele se devota sem discussão. No PS é muito mais complicado, é muito a rede de favores, influências, nomeações para cargos públicos, etc. No BE? Não sei, mas direi a seguir alguma coisa que me palpita – estando de fora, não tenho certezas – a propósito da sua próxima convenção.
No caso do PCP, é principalmente uma blindagem ideológica, da psicologia do militante muito dedicado, humanamente de grande qualidade, que necessita de um suporte ético que o partido lhe dá e a que ele se devota sem discussão. No PS é muito mais complicado, é muito a rede de favores, influências, nomeações para cargos públicos, etc. No BE? Não sei, mas direi a seguir alguma coisa que me palpita – estando de fora, não tenho certezas – a propósito da sua próxima convenção.