quinta-feira, 31 de março de 2011

Governo de gestão, responsabilidade e eleitoralismo

Não me interessa chover no molhado, discutir se é da responsabilidade do governo, se do PSD e dos outros que votaram contra o PEC 4, que hoje estejamos com a corda mesmo apertada na garganta em relação à pressão para recorrermos à ajuda FEEF/FMI. Claro que a crise política não deve ajudar nada ao alívio dessa pressão, mas factos são factos: afinal, o défice de 2010 não é de 7,3%, é de 8,6%; a dívida já ultrapassou 92% do PIB; as agências de “rating” estão a baixar a nossa classificação; os juros da dívida já estão a 9,5% (a 5 anos) e, pior, a 8% a um ano, o que significa que o mercado já imagina que Portugal pode ir à falência a este prazo. E temos de pagar mais de 9 mil milhões de euros de dívida até Junho.
Ora Junho é que é o mês das eleições, com um governo em funções plenas lá para o fim do mês. E eu, que não simpatizo nada com a ideia da ajuda externa mas que tenho de a considerar - possivelmente, não digo que certamente, não sei - como imposição irremediável (já que outras possibilidades, como a reestruturação da dívida, nos estão cortadas - para já!), pergunto-me como pode ser, se, em Abril, Maio ou até Junho, antes do novo governo, for absolutamente necessário pedi-la. Absolutamente necessário, entenda-se, nos termos da visão político-económica dominante, a nível nacional e europeu.
O assunto é agora a principal arma de arremesso mútuo para a campanha eleitoral, que já começou, a um nível de berreiro partidário insuportável, que começou logo com a chamada de jornalistas a S. Bento e de que o maior exemplo foi o discurso de Lacão (como é possível não se ter vergonha intelectual?). E ainda está para vir o buldogue Santos Silva, alternando com o boquinha de suspiro Silva Pereira. Isto ameaça que a campanha vai ser tudo menos um debate sério da crise e muito menos da crise vista para além do quadro convencional.

Entretanto, a retórica demagógica vai impedir ações consequentes. Nomeadamente, nunca este governo vai assumir a responsabilidade de pedir a ajuda, no caso - repito, no caso - de ela ser mesmo absolutamente necessária. A única possibilidade, inverosímil, seria a de um acordo de cavalheiros entre o PS e o PSD para não usarem eleitoralmente esse facto. Não estou a ver isto possível e, de qualquer forma, o preço eleitoral para o PS seria sempre enorme. E não haja dúvidas de que, desde o seu derrube, o PS só pensa em termos eleitoralistas, de propaganda, de campanha, de demagogia. Até está a bater o PSD aos pontos e não é garantido que não ganhe o jogo. O que isto significaria já o discuti.
Um dos principais argumentos - ainda há pouco o ouvi ao ministro das Finanças - é que o governo, em gestão, não pode assumir o compromisso do pedido de ajuda externaQueira é o governo ter essa competência, o que é coisa que levaria longe esta conversa. Ainda ontem o PR afirmou pensar que o governo a tem. Afinal, os que defendem um “governo de salvação nacional”, que é coisa a ir muito mais longe em responsabilidade política, não podem defender uma mais concreta responsabilização do governo, no que respeita à crise da dívida?

P. S. - Está a falar o inefável "Doutor Assis" (quem é que me empresta o delicioso livro coimbrão? Que, curiosamente, era de Alberto Costa, outro, mais conhecido como Pad'Zé). Sobre a competência de gestão, uma no cravo e outra na ferradura. Mais veementemente, o discurso partidário, já de campanha, massacrante, de cassete (afinal, lembram-se de 1975, quem é que era acusado de usar cassete?). Ó dr., quantas vezes ainda vai dizer que a oposição irresponsável derrubou este magnífico governo e nos levou à desgraça? Até quando, Catilina...? Estes dirigentes partidários estão tão dominados pelos seus esquemas de truques políticos que não percebem que, até Junho, o povo que está zangado vai vomitá-los, ao seu discurso, ao seu massacre demagógico, à sua aldrabice e à sua desonestidade intelectual.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Obrigado pelo seu comentário. Os comentários de leitores não identificáveis não serão publicados.