A princípio, fiquei confuso com a comunicação de hoje de Sócrates (JS). Onde é que ele quer ir? Qual é o trunfo que tem na mão? Está a fazer “bluff””? Só depois caí em mim, a pensar que não se pode analisar JS como se fosse uma pessoa normalmente previsível, porque bem dotada. É um jogador sem escrúpulos, mas mesmo como jogador de poker, é uma desgraça, os seus “bluffs” são pateticamente transparentes.
Houve dois capítulos, não muito coerentes entre si, na comunicação. O primeiro é o do ataque ao PSD, indiretamente a Cavaco, sobre o qual não há nada que mereça ser dito. Simples guerrilha, antecipação ao efeito mediático que o outro senhorito pode tirar da ida reverencial ao paço.
Mais importante é o tal “bluff”: este governo vai ficar como o governo que evitou a ajuda externa! Isto quer dizer que, se não evitar, põe baraço ao pescoço, como Egas Moniz. Que vai à vida. Mas por si, por coerência e dignidade? Não, aqui é que está o “bluff” de quem só tem uma mão de par de duques.
Ou todos os economistas, analistas, especuladores no mercado, até “fontes anónimas” europeias, estão loucos, ou quase 8% de juro são de facto 4%, ou Portugal, nos próximos tempos (pelo menos no grande pagamento de dívida, creio que em abril) vai mesmo recorrer à ajuda externa. Ou a possibilidade de o FEEF comprar a nossa dívida no mercado primário vai ser suficiente? Tudo o que li nestes dois últimos dias vai em sentido contrário.
A notícia de hoje no Público é transparente. “As modalidades da assistência a Portugal do fundo de estabilidade do euro (EFSF) já estão praticamente acordadas, faltando pouco mais do que o acordo final dos Governos europeus sobre uma resposta global para a crise da dívida soberana e a formalização do pedido de ajuda por parte do Governo.“
Mas então JS, jurando que não vai haver ajuda, comprometendo-se solenemente, pondo a corda ao pescoço, é suicida? Não, joga é na aldrabice.
Primeira aldrabice, para que já aqui alertei. Vai tentar jogar com a relativa ignorância da opinião pública e com os seus fantasmas. Vai tentar identificar ajuda externa com o diabólico FMI, como se o FEEF fosse menos malévolo. “Vêem, consegui que viesse o FEEF, mas não o FMI!” Quanto apostam?
Segunda aldrabice. Sabe que a ajuda externa causará uma convergência de ações contra ele, provavelmente fatal. Moção de censura, recusa do PSD em se comprometer mais, com apoio tóxico às contrapartidas da “ajuda”, possivelmente mesmo a dissolução da AR. Então, começa desde já com a cena do grande resistente à ajuda e depois arranjará maneira de a baralhar com a “crise” desencadeada por outros, como se essa crise não tivesse nada a ver com a aceitação por JS da tal ajuda. Até vai mostrar que a necessidade da ajuda foi consequência da crise. Mas, ah!, é que nessa altura, a aceitação da ajuda será, repentinamente, um grande gesto patriótico, largo e magnânimo. Talvez até impedido pela crise. O descaramento não tem limites.
Terceira aldrabice. Joga hoje com coisa que ainda dará muito que falar, a incerteza sobre o que foi o resultado das discussões europeias deste fim de semana. Procurei ao máximo informar-me, mas estou perplexo. Sem dúvida, uma imposição alemã, mais uma, ao conseguir que fosse aprovado o pacto de competitividade antes de qualquer outra discussão sobre a flexibilização do fundo. Primeiro, a vénia. Legislação ou até constitucionalização dos limites do défice e da dívida, generalização da idade de reforma nos 67 anos à alemã, não indexação de salários, nivelação das taxas de IRC. Para além de coisa mais antiga, a que hoje JS aludiu, a necessidade do "visto prévio" europeu (europeu?...) ao orçamento de Estado (Estado, isto existe?...)
O resto logo se vê, e só vi de certeza o aumento da disponibilidade do fundo. Quanto a tudo o que poderia justificar o otimismo de JS em relação a uma ajuda diferente da que foi dada à Grécia e à Irlanda, pouco ou duvidoso. Linhas de crédito? Não li. Juros mais baixos, talvez. Compra de dívida? Parece que sim, o que será bom mas não sei se suficiente. Então o que ganha JS com nada de radicalmente novo no FEEF? Ganha muito para quem vive só ligado a uma garrafa de oxigénio: ganha duas semanas, até à cimeira de 24-25. Triste país, cuja política já só se mede por semanas! E duas semanas que custam o enorme preço da promessa de um PEC 4, mesmo que só para 2012.
Quando é que haverá um Wikileaks que nos revele, preto no branco, o que foi a conversa de Berlim e o que foram as juras de lacaio nesta reunião de Bruxelas?
“E pur, si muove”. A notícia de hoje que mais me surpreendeu, também vinda no Público, limito-me a transcrevê-la. Não sei se devo acreditar.
“Os apelos para a demissão de Sócrates alastraram-se também ao PS, ainda que com propósitos diferentes daqueles que são defendidos pelo PSD. Na última reunião da bancada parlamentar do PS, um dia depois da tomada de posse do Presidente da República, essa solução foi patrocinada por vários deputados, que, sabe o PÚBLICO, acreditam ainda que essa será a decisão mais adequada à actual situação. Vários dirigentes entendem que o Governo e o PS vivem num impasse - os motivos vão desde a certeza de que o Orçamento para 2012 não será viabilizado até à ausência de diálogo parlamentar, passando ainda pelo discurso de Cavaco e pelo descontentamento geral do país, traduzido nas manifestações de sábado. "O PS não pode governar o país durante seis meses com medidas duras, sabendo de antemão que vai cair. Isto é um cenário de insanidade política", assumiu um dirigente nacional do PS.
Francisco Assis, líder parlamentar do PS, não falou em "insanidade política", mas não esteve muito longe disso. Ontem, alertou para a provável crise política que se adivinha: "A estabilidade política está posta em causa" devido à posição do PSD de não aprovar o novo PEC. E defendeu que o partido e o Governo devem proceder a uma "grande reflexão": "O Governo, o grupo parlamentar e os órgãos do partido têm que, nos próximos dias, ponderar seriamente esta nova situação criada na vida política portuguesa."
A latere - sobre o PEC 4, escreverei mais tarde, mas hoje há coisa que me toca fundo, como golfista empenhado que sou. Este governo está a cuidar dos meus interesses. Não vou ter de pagar os “green fees” a 23% de IVA, porque, no quadro do PEC 4, o governo entendeu que era de interesse nacional fomentar esta grande fonte de receita turística. Como se os abastados golfistas estrangeiros que vêm para os hotéis estrelados do Algarve com campos de golfe dessem pela diferença do IVA entre 6 e 23%! Entre o buñueliano charme discreto da burguesia e a boçalidade berrante da sabujo-burguesia desta gente vai um abismo de distância.
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