terça-feira, 22 de março de 2011

Mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo

Se isto fosse escrito científico, como tantos que escrevi, teria de incluir referências bibliográficas exatas. Não tenho agora tempo, mas creio que não irei contra a informação segura que os meus leitores acumularam nas últimas semanas, mesmo que não tenhamos na ponta da língua datas e horas.
Recorde-se. De surpresa, na véspera da reunião europeia de 10.3, Sócrates (JS), pela voz do ministro das Finanças, anuncia o PEC 4, que vai apresentar em Bruxelas no dia seguinte. A presidência da República diz não ter sido informada, os partidos da oposição idem. O PSD, que estava vinculado ao seu compromisso infantil com o PEC 3, sente-se traído. E tudo isto parece inegável, porque é o próprio JS que vem explicar o secretismo, por questões de calendário - posse do PR, moção de censura do BE.
Vendo que tudo isto resultava na crise política - e agora nem discuto se desejada ou não pelo PS/JS - ele tem de antecipar o que vai ser a sua campanha eleitoral, de vitimização, de quem não teve nada a ver com a crise, muito menos com a sua consequência - que seria inevitável mesmo sem a crise - a intervenção externa. Põe a cereja neste bolo desonesto, que afinal não eram nada medidas decididas, eram linhas orientadoras, sempre abertas à discussão parlamentar.
Entretanto, sábado, já o Expresso tinha divulgado cartas para Bruxelas que deixavam muitas dúvidas sobre tudo isto. Também se noticiava por toda a parte que, nos dias anteriores, uma missão a Portugal da CE e do BCE tinha fechado negociações com o governo, nos termos anunciados logo a seguir como PEC 4. E ainda, com boa razão, se pensava já antes que tudo tinha começado por imposições da Sra. Merkel, na ida vassálica de JS a berlim.
Hoje, com a brutalidade arrogante de quem verdadeiramente manda na UE, e a negar a possibilidade de JS tentar reapresentar modificações ao PEC 4, veio Juncker afirmar, inequivocamente, que houve mesmo um compromisso definitivo de JS. Aprovámos o programa de ajustamento tal como nos foi proposto pelo governo português [e] que foi avalizado tanto pela Comissão Europeia como pelo Banco Central Europeu”. Claríssimo: “aprovámos”, foi uma proposta para aprovação pelo conselho, não linhas de orientação; tinha sido avalizada previamente, às escondidas. Vinte e cinco poucas palavras para arrumar definitivamente JS como aquilo que hoje todo Portugal lhe chama: aldrabão, desonesto, mentiroso. Nunca, desde Costa Cabral e um pouco João Franco, alguém tinha sido tão visceralmente detestado pela enorme maioria dos portugueses, independentemente da sua simpatia partidária. Porque já não só está em causa a política, já é o carácter e a moral.
Vai haver eleições e terei muita dificuldade em decidir do meu voto. Depois aqui escreverei, a despertar debate com os meus amigos. Julgo ter suficientemente discernimento político para nunca ir votar no mano jota da outra etiqueta. Mas o voto não é só racional, também é ético. Eu teria vergonha de dizer aos filhos que eduquei que tinha votado num mentiroso e aldrabão.
Nota final - Tão amigos que nós somos, “porreiro, pá”, afinal um porta-voz de Barroso vem dizer que as declarações de Juncker não são bem assim. Também os parceiros sociais (claro que sem a CGTP) se preparam para grande encenação, com Sócrates, assinando um acordo na linha do PEC 4. Nada disto me parece que seja encomendado por JS para ainda tentar evitar o chumbo do PEC 4, é tudo já campanha eleitoral, da pobre vítima.


P. S. (21:08) - Acabei de ouvir Fernando Rosas a dizer que o que se vai passar agora é o normal funcionamento das instituições. Posso estar a ser baço, mas não vislumbrei sombra de ironia. Ouço mais, "dar lugar ao voto é a democracia, aliás vem provar a razão do BE e da sua moção de censura". Neste momento, com o povo aos berros e a encher a rua, o BE, pela voz de um dos seus principais dirigentes, tem este discurso estritamente institucional? E eu ainda a pensar que era uma hipótese minha de voto...

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