segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A maioria tem sempre razão? (V)

Fiquei de acabar hoje esta série, "A maioria tem sempre razão?", mas confesso que com desgosto, com algum enjoo, porque não me apetece pensar que os tais 80% de eleitores que têm razão não têm percebido tudo o que se passou na Europa depois de terem ido lá deitar o voto.
Lembremos o que era a situação nessa altura. Todo o poder europeu, mediocremente simbolizado pela parelha dançante Merkel-Sarkosy (quem é hoje o Metternich que encena este congresso valsante?) definia como dogma a austeridade, os resgates, os planos da troika. "Eurobonds", nem pensar (mas Barroso, à revelia da sargenta prussiana, vai mandando fazer estudos). Compra de dívida pelo BCE, nem pensar (mas Trichet lá vai comprando). Penalização dos bancos privados nos resgates, nem pensar. Reestruturação das dívidas, a tal coisa diabólica de caloteiro, não só nem pensar, era nem imaginar, nem fantasiar. 
"E pur si muove", está tudo isto hoje em cima da mesa, contra o que a troika interna disse aos portugueses na últimas eleições, de braço dado com a troika externa (que finaço que é ser-se governado pelos homens dos olhos azuis…)
Foi isto, esta irredutibilidade estúpida (porque em política, "nunca digas nunca!") que me levou à tal série de escritos, sempre com o tema central de que há alternativa. Nessa altura, a alternativa era já a reestruturação da dívida, no contexto de uma luta forte no campo europeu para revisão da política germano-hegemónica, desejavelmente com a construção de uma frente europeia meridional. Hoje, quando toda a gente diz que a reestruturação da dívida grega está às portas, cairam os tabus, só o ministro "nerd" ainda faz cara de convicto.
É pena que isso a que eu chamei a "frente do não" tenha sido frágil em Portugal, com um PCP mais coerente nas suas propostas mas menos credível como partido, por tudo o que sabemos, e com um BE ambíguo, a meu ver raiando a desonestidade inteletual e política na conversa entre Louçã político e Louçã professor de economia, apresentando como "renegociação" uma coisa mixuruca que os eleitores não puderam compreender.
Esta coisa da reestruturação da dívida, na altura heterodoxa, virou inevitabilidade em relação à Grécia. Nem me dou ao trabalho de consolidar esta afirmação com referências, que seriam aos milhares. Não há dia em que os jornais não falem nisto, não lembrem que a Grécia vai fazer um "corte de cabelo" de 50% no valor da sua dívida, que os bancos vão pagar, a começar pelos bancos alemães e franceses que disseram aos gregos (e aos nossos bancos que depois ecoaram para o Zé) "compra, compra, compra". Tanto é culpado quem se endivida tontamente como quem empresta agiotamente.
Em 21 de julho, pareceu que os zombies dos governos europeus tinham acordado. Afinal, o que se viu? Há dias, o Ecofin, que devia ter pensado em salvar o euro, concluiu por não haver conclusões. Entretanto, os gregos com o nó cada vez mais apertado no pescoço, sem dinheiro para os salários de outubro, veem os cinzentos da troika irem e virem sem desbloquearem a pequena fatia do empréstimo, porque são amanuenses de um manual de instruções para burocratas, porque a sua cabecinha formatada pelos MBA não permite ir mais longe. Mesmo que ainda hoje o gélido comissário finlandês tenha vindo dizer que o FEEF devia ser aumentado para quatro vezes mais!
Mas nós não somos os gregos! Não somos? Vejamos o que era a Grécia antes do pedido de resgate, em 2010, e Portugal na mesma situação, em 2011. PIB, respetivamente Grécia e Portugal: 321,7 mM US$,  247 mM US$. Défice orçamental, em percentagem do PIB: 12,7%,  9,1%. Dívida pública (/PIB): 130,2%, 93,0%. Dívida externa total (/PIB): 174%, 217%. Juros (maturidades a 10 anos) 10,7%, 9,63%. Nós não somos a Grécia? Claro que os números não são idênticos, mas é preciso vê-los "na estrutura". E olhe-se, principalmente, para a dívida externa total. Sinal de que isto é que é crítico é a atitude dos mercados, atirando-se mais à Itália grande devedora do que à Espanha, apesar de esta ser economicamente menos forte.
É verdade que não somos gregos, num aspeto, de calendário. A Grécia teve de pedir resgate e sujeitar-se ao colonialismo da troika um ano antes de nós. Nesse ano, sofreu a maior brutalidade de uma política de austeridade. Ainda há dias se sujeitou a coisa louca, politicamente suicida para o seu governo, para tentar cumprir as regras surrealistas que condicionam uma fatia devida do empréstimo ou um novo plano de resgate: novo plano de austeridade no valor total de 78 mM € (curiosamente, o mesmo valor do nosso empréstimo, e depois de um ano de "ajuda"), 50 mM € de privatizações. 
Isto depois de este ano de resgate troikiano ter custado à Grécia uma média de 30% na redução de salários, subidas de 50-100% dos preços de combustíveis, eletricidade, transportes, falência de 165000 empresas, e, surrealisticamente, 97% de retorno dessa "ajuda" para os países ricos da UE, como juros e amortização da dívida.
E sabendo-se muito bem, toda a gente o diz por todo o mundo político, financeiro, jornalístico, que nada disto vai evitar o inevitável, amanhã ou depois, a reestruturação da dívida grega.
Creio que não é preciso ser-se economista para se perceber a espiral da recessão. Ou só os 20% que não votaram com razão é que são dotados de um pouco de capacidade de raciocínio? A previsão da própria troika é de recessão à volta de 2% em cada um dos próximos dois anos (P. S., 27.6.2011 - O governo acaba de dizer que talvez sejam -2,5%). É outro tanto de diminuição do denominador de todos os índices referidos ao PIB, portanto, simples aritmética, nem sequer economia, é aumento do valor desses índices - défice, dívida - em termos de percentagem do PIB. É falência de empresas e desemprego, com recurso por isto e por outras razões a subsídios estatais, a agravar a despesa. Também menor cobrança de impostos. Menos receita e mais despesa, maior défice em valores absolutos, muito mais, como disse, em percentagem do PIB. Etc. 
Foi o que aconteceu com a Grécia e, ao fim de um ano, vão, forçados, para a reestruturação da dívida. Pagaram pelo inevitável um ano de miséria. Vítor Gaspar também diz, preto no branco, que as nossas maiores dificuldades ainda estão por vir. Nós vamos ter de pagar o mesmo preço Grécia pelo nosso inevitável incumprimento, só por haver aí uns robôs do sistema que ainda matraqueiam a tal maioria de 80% que "é preciso obedecer à troika"? "Que não somos a Grécia" - já ouviram algum argumento a provar isto? Vamos mas é aprender, vamos fazer por nossa iniciativa e sob nosso controlo uma política soberana a aprender a lição dos outros. E aproveitar já o "reboque" da Grécia, que vai forçar a zona euro a concessões para uma reestruturação "ordenada" que não sabemos se podemos conseguir daqui a um ano ou dois, quando chegar a nossa vez.


Não podemos dizer, à fatalista e bem à portuguesa, "agora a Grécia, depois chegará a nossa vez". Não temos de esperar, não devemos esperar.

E não temos força, nós coitados portugueses? Lembro só o que escreveu há dias, no Expresso, o ex-comissário António Vitorino, certamente que não suspeito de simpatias pelas reestruturações das dívidas, coisa revolucionária (e soberana!). "Se a Grécia cai, há um tsunami na Europa"! Bem à plebeia, e só desadequadamente por a a frau usar saia, diria que "os temos pelos t...".
E com isto termino esta série de entradas. Sou pela reestruturação da dívida, desejavelmente no quadro de uma luta europeia que reponha o projeto estragado por estes vergonhosos e medíocres políticos que nos governam, de Lisboa a Berlim, passando por Bruxelas.

Humor em tempos de crise

domingo, 25 de setembro de 2011

A maioria tem sempre razão? (IV)

Numa série de entradas anteriores, escrevi (I), escrevi (II), escrevi (III) que a tese de que a votação esmagadora (80%) na troika interna vassala da troika externa justificava, como “razão”, a obediência aos memorandos, à política de austeridade, ao “temos de obedecer”, “não há alternativa”. Mostrei que mesmo esse dogma a que nos tínhamos de sujeitar estava em mudança, ocultada pelo nosso grande irmão governo-banca-media-academia. Mostrei que esse irmão se sujeitava a um poder hegemónico norte-europeu ignorante, que envergonha os pais europeus. Acusei, camonianamente, que “também dos Portugueses / Alguns traidores houve algumas vezes”. 
De nada disto me retrato. Apenas me ficou a dificuldade de concluir como prometido a série de reflexões, porque os acontecimentos, os sinais de desnorte dos dirigentes europeus, os sinais de primarismo político dos nossos governantes, me iam dificultando uma síntese que não me envergonhasse inteletualmente, por esquematismo.
Há dias, na senda da tal razão da maioria, ouvi o ministro Álvaro dizer que “não se devem discutir as medidas do governo, foram aprovadas por 80% dos eleitores”. É uma enormidade política, deturpação da democracia, desculpável a quem apenas se notabilizou por uns livros engraçados, politicamente fracos (falo, por exemplo, do que ele gosta de discutir e que eu conheço bem, a política da educação superior) e que estão em contradição flagrante com o que é hoje a sua posição política. A cada um o seu sentido de coerência e integridade.
Essa afirmação fez-me saltar, "agora é que vou escrever", contra o tal adiamento de escrita. Também entrou na decisão, como ponto crítico, a questão da dívida da Madeira, afinal um aspeto muito visível, na prática, da questão que tenho posto: “a maioria tem sempre razão?”
E o que podemos aprender com o caso vergonhoso da dívida madeirense e da sua ocultação? Os alemães não protestam com a ocultação da dívida grega? Mas nós não somos gregos! E agora não somos madeirenses, ou os madeirenses não são portugeses, ou os açorianos não são madeirenses, ou os algarvios não são minhotos, que confusão! E de egoísmo em egoísmo eu acabo por dizer que não sou o meu vizinho do lado direito. E não há hoje eleitor dos 80% que não esteja a reclamar que os eleitores madeirenses paguem pelo seu governante. 
Não é questão menor de filosofia política. O que é a responsabilidade dos eleitos e dos eleitores? Afinal, qual é a responsabilidade dos milhões de alemães que vemos, em filmes oficiais, em relatos jornalísticos, em registos sérios, em crónicas de historiadores, fanatizados no apoio ao nazismo? E quem melhor pode falar disto são os meus amigos alemães que, crianças ou ainda não nascidos nessa época, transportam hoje à Atlas a culpa dos seus pais. E muitos transportam com sofrimento que nós não imaginamos, porque não temos o mesmo sentido luterano da culpa, em relação aos nossos pecados de salazarismo e colonialismo.
Esses pais nazis “passivos” vieram dizer depois que nunca tinham ouvido falar de Auschwitz, que nunca tinham ouvido falar da Gestapo, que nem imaginavam que comunistas, socialistas, ciganos, homossexuais, deficientes mentais, seus vizinhos desaparecidos de um momento para o outro, não só os judeus, eram massacrados. Nunca tinham ouvido discursos do seu deus na terra em que defendia claramente o que fez (honra aos tudescos, são linearmente transparentes, sem subtilezas; o “Mein Kampf” é brutalmente eloquente, tanto como, hélas, as críticas da razão de Kant, porque não há como os alemães para poderem ser ao mesmo tempo geniais e monstruosos).
E os madeirenses também não sabiam? Não têm tido acesso a milhentas informações sobre o que faz e diz a figura trágico-cómica de Jardim? E porque se calam e se acomodam e o elegem? E não aceitámos todos, portugueses, a vergonha madeirense? A maioria tem sempre razão? Claro que não, é o que tenho estado a dizer nesta série de entradas. Todavia, nada disto se pode transferir, a meu ver, para reações primárias, “votaram, que paguem”. Tudo isto põe em discussão a filosofia da democracia representativa.
Aquilo que escrevi, de cada vez que os acontecimentos me faziam adiar a conclusão, era esta coisa primariamente simples: “a esmagadora maioria, 80%, votou pela austeridade, pelas troikas, interna e externa, a maioria em democracia tem razão? Não é verdade, não há nenhum voto que faça uma pessoa mais inteligente, mais informada, mais esclarecida”. Mais, que democracia é esta que contradiz o rigor inteletual, a informação cientificamente fundamentada? Não vivemos hoje numa nova sociedade, a sociedade do conhecimento?
Claro que se está meter pelos olhos dentro que os dogmas troikianos que alimentam a tranquilidade de consciência dos eleitores (continentais, não madeirenses!…) que permitem ao ministro Álvaro escudar-se neles, esses tais dogmas de “tem de ser”, são hoje visivelmente tudo menos indiscutível, mesmo para as autoridades que estão por detrás dos boys de serviço. Mas como isto já vai longo, passo para nova entrada, amanhã, espero que a concluir, se não houver mais notícias surpreendentes de última hora, numa Europa em que só está tranquilo nas suas certezas, sem notícias, quem é da maioria que tem sempre razão (ou, à Otelo, “o povo tem sempre razão” - os extremos tocam-se!).
Provavelmente, só escreverei amanhã sobre coisas objetivas, de economia. Por isto, fica aqui uma questão política. Os madeirenses, como por aí se diz, são uns egoistas que se aproveitam do betão do Jardim e dos seus negócios com amigos? Ou então, como por aí se diz, são "uns patetas manipulados"? E os 80% de eleitores portugueses que votaram na troika o que são? 

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O prazer perverso dos economistas

A satisfação profissional é um grande prazer de vida. Gostar de se exercer a profissão que se escolheu é ótimo, só sendo pena que não seja coisa mais vulgar. O que complica as coisas é que, para quem observa de fora, pode ser difícil definir o que é que determina esse prazer profissional. Num médico é simples. Curar doentes, prevenir doenças, melhorar a saúde. Num professor, idealmente, formar gente que, depois, vai ser mais sabedora e mais competente do que o professor. Mas isto é linear, não tem muito de idealismo? No curso da vida, com o vir à tona de cada vez mais frustração e cinismo, não será também muito o sucesso, o bem estar, a riqueza?

E também a felicidade profissional tida como cumprimento/satisfação dos objetivos pretendidos não tem muito a ver com aquilo que em muito influencia a determinação desses objetivos, isto é os valores pessoais, as conceções de vida, a ética, afinal a ideologia?

Esta deambulação talvez pernóstica tem a ver com o caso particular dos economistas. Claro que da “massa dominante” dos economistas, com muito respeito por tantas e tão excelentes exceções. Falo dos “economistas de serviço”. Descontando a política, que não quero (“hélas”!) considerar como profissão, não há hoje profissão mais determinada ideologicamente do que a dos economistas e/ou gestores (já foi o Direito, hoje muito menos).

Dê-se o benefício da dúvida de que Gaspares, Álvaros, Duques, Cantigas, acima deles Trichet e Constâncio, mais as eminências pardas de Merkel, os homens da “troika”, e todos os cinzentos economistas robôs de Wall Street até Frankfurt, são honestos, tecnicamente motivados e informados e até felizes no seu trabalho, no cumprimento dos objetivos profissionais para que foram preparados. Mas este é que é o problema: para que foram preparados!

É inegável que hoje a política mudou radicalmente de discurso. Curiosamente, foi este o tema do primeiro “post” deste blogue. O discurso político tradicional é hoje irrelevante sem fundamentação na economia política. Com isto, foi-se ao exagero de bastante apropriação do debate político pelos economistas. O que obriga os não especialistas, como eu, a um grande esforço de estudo, mas sempre com a dúvida do amador inseguro.

No entanto, esta apropriação da política, manifesta na comunicação social, esconde-se na falácia da competência técnica, da informação especializada, do raciocínio “científico”, quando essa apropriação resulta de facto, essencialmente, de um pensamento ideológico, no caso enquadrável no que podemos chamar de “neoliberalismo”.
“O peso do Estado deve ser mínimo. O funcionalismo público é uma cambada de privilegiados, com emprego para a vida, incompetentes, sugador dos nossos impostos. A escola privada é muito melhor do que a pública. Nada deve ficar fora da privatização, água, energia, indústrias de defesa, até prisões, um dia destes a polícia e as forças armadas. A competição é muito maior fator de enriquecimento do que a solidariedade e a motivação social. Deve haver uma grande flexibilidade para coisas tidas tradicionalmente como imorais (por exemplo, a agiotagem, juros de 130%! a um ano, à grega; pecado de usura que nem é do cristianismo, já vem no Velho Testamento); flexibilidade aceitadora porque são coisas que se enquadram no “sistema”. E este “sistema” é indiscutível, principalmente depois do fim do pseudo-comunismo. O estado social contribui para a preguiça, para o parasitismo. A economia deve favorecer os audazes, num novo circo romano. As empresas e principalmente os bancos são intocáveis, porque sem elas e eles vai-se a “economia nacional” e, com ela, a “economia doméstica” de nós todos, que devemos ajoelharmo-nos aos benfeitores do futuro dos nossos filhos, ainda por cima bons exemplos de virtudes, os banqueiros, gente fina.”
Descontando a caricatura, não é isto que os “economistas” apresentam como indiscutível, como se houvesse alguma coisa "indiscutível" para além de axiomas e postulados? E isso tem alguma sustentação racional, é economia “científica” ou é pura e simples ideologia? E, transmitindo-se pela máquina de produzir opinião, não é isto que faz a tal “razão” da maioria dos 80% de votantes na “troika” interna marioneta da “troika” externa? Isto chama-se, pura e simplesmente, ideologia neo-liberal, estado hoje mais avançado do capitalismo. Não é um sistema económico racional, cientificamente estruturado (“porque não?”), é simples ideologia, “porque sim”.

Uma visão porventura um pouco redutora faria dizer que boa parte dos economistas que por aí vemos, a todos os níveis, com exceções gratificantes, mas minoritárias e com influência reduzida (por agora!), são os homens de mão do capital, ou mesmo, pessoalizando, dos grandes capitalistas. Não é bem assim, é mais complicado. São produtos de uma formatação ideológica que não conseguem criticar, são criaturas de um sistema que não se aguenta só a nível infra e estrutural (seria visão esquemática do marxismo), mas hoje, cada vez mais, também a nível superestrutural, do pensamento, dos valores incutidos, da ideologia. Isto é a hegemonia.

Só assim compreendo que os economistas “chapa-um” possam ser felizes, com a felicidade que se lhes vê na cara quando defendem coisas que a qualquer pessoa bem formada fazem pensar “estes homens são sádicos”. Como é que se pode sentir profissionalmente útil e feliz alguém que está a propor e a levar à prática a miséria de muita gente, o desemprego, a redução da proteção social, o corte de salários da função pública, a diminuição do rendimento dos mais vulneráveis - os reformados? Pode-se dizer que o fazem por obrigação, até para evitar males maiores. Mas a impressão que deixam, por todas as formas de expressão, até facial, é que também o fazem com algum prazer. Talvez isto seja exagero, mas ao menos parece inegável que, não sendo porventura prazer, é pelo menos insensibilidade  e frieza desumana e tecnocrática.

Admito que esta nota seja um bom exemplo de “economia moral”, pelo lado esquerdo, talvez tão criticável como a “economia moral” hoje dominante, do tipo “não podemos ser caloteiros”. Admito, mas não me arrependo de a escrever. Há uma dimensão ética na política sem a qual ela fica exercício cínico e desgostante.

Finalmente, uma nota de professor. Se esta atitude da “classe económica” tem muito a ver com o “para que foram preparados”, escrito acima, então há que olhar bem a sério para as escolas de economia. Já houve tempos em que foram ambiente fértil de debate, de confronto de escolas de pensamento económico - e, inevitavelmente, político. O confronto era estimulante para os estudantes, favorecia-lhes o gosto pela reflexão e pela análise.

Hoje, parecem cada vez mais padronizadas e são sem dúvida um aval do pensamento único ou hegemónico que está a fazer uma opinião pública (com reflexos eleitorais) também padronizada. Como universitário que contata bastante com jovens, noto muito mais variedade de opiniões, de mundivivências, entre universitários de outras áreas do que entre os mais “formatados” estudantes de economia e gestão. Pode-se recear que se esteja perante um mecanismo formatador auto-alimentado e permanente: os professores de hoje preparam os estudantes que serão os professores seus sucessores.

NOTA - Um pouco a despropósito, ou talvez não. Vejam-se os “sites” das mais celebradas escolas de economia portuguesa e as suas designações oficiais, embora não estatutárias. Já foram Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa e Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade Católica Portuguesa. Hoje são NOVA School of Business and Economics e Catolica-Lisbon School of Business & Economics. Repare-se que não são traduções para uso em documentos redigidos em inglês; são as designações agora oficiais, em documentos em português! Não é ridículo, pretensioso, novo-rico? Não consigo encontrar coisa equivalente em universidades espanholas, francesas, alemãs. “Esta é a ditosa pátria minha amada”, mas é pena que lhe falte coluna vertebral.

domingo, 18 de setembro de 2011

Trichet ou coronel Jessep?


Reporter: What is your answer to German people and economists who want the return of the DM?
Trichet: You want answers?
Reporter: I think the Germans are entitled.
Trichet: You want answers? (SHOUTING)
Reporter: Germans want the truth! (SHOUTING)
Trichet: *You can’t handle the truth!*  (SHOUTING)
[pauses]…
Trichet: Son, we live in a world that has prices, and those prices have to be guarded by men with bonds. Who’s gonna do it? You? You, Sylvia Wadhwa? I have a greater responsibility than you could possibly fathom. You weep for Lehman Brothers, and you curse Ben Bernanke. You have that luxury. You have the luxury of not knowing what I know. That Lehman’s collapse, while tragic, probably saved banks. And my existence, while grotesque and incomprehensible to you, saves banks. You don’t want the truth because deep down in places you don’t talk about at parties, you want me on that committee, you need me on that committee. We use words like rate, target, expectation. We use these words as the backbone of a life spent defending something. You use them as a profitline. I have neither the time nor the inclination to explain myself to a man who rises and sleeps under the blanket of price stability that I provide, and then questions the manner in which I provide it. I would rather you just said congratulations and went on your way. Otherwise I suggest you pick up a Greek bond, and suffer a haircut. Either way, I don’t give a damn what you think you are entitled to!

(extraído de Finantial Times/Alphaville, mas veja-se o verdadeiro vídeo da entrevista de Trichet)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Em tempo de crise, os polos afastam-se

Um amigo meu enviou hoje para a Time este comentário sobre um artigo arrogante de um finlandês:
Sirs, 
I think that you will probably consider my comment (on a comment…) outdated at this moment and, thus, I understand if you discard it, simply. However, on my view it may have some relevance.
In fact, when Mr. Leif Lukander uses the term 'selfishness' he recalls the very core of the issue, which has nothing to do with a certain moral. If any common territory inside borders is worth the name of 'country', nobody talks about 'help' when referring to the co-natural solidarity that term implies. It's constitutional solidarity, it's matter of governance, paragraph. 
With Europe there are a few equivocal things and that is the biggest problem. The contradiction between national sovereign powers and convergence without the institutional tools will lead to the end of Europe and rebirth of dangerous nationalisms, unless the so-called 'better-run' countries have memory and the intelligence to understand that their well-succeeded market is fed in a large measure by the near insolvent member States of a just monetary union. 
Thank you. 
Subscrevo este comentário. Mas, entretanto, não há muita gente a dizer coisas opostas: mas o que nos impede de exportarmos para o norte, não sabemos é produzir riqueza? E os países ricos, disciplinados, trabalhadores, têm de pagar os nossos erros? E haviam de deixar de exportar para nós? E os cidadãos pagantes desses países o que hão-de pensar? Não chega já de dizer que na Europa há os mauzões do centro e norte que produzem mas à custa dos do sul, e os pobres inocentes e vítimas do sul que são explorados pelos outros?
É o discurso hegemónico (ah, Gramsci!). Mais o da diabolização de qualquer défice, da maldade inata do Estado, da virtude do “mercado eficaz”, da veneração das figuras inacessivelmente aristocráticas dos banqueiros ("gente fina é outra coisa": viram o “Inside Job”?), da menorização da soberania (nunca o poder de reestruturação da dívida, mesmo da odiosa), da sujeição sabuja aos credores/exploradores, da aceitação da primazia do capital financeiro sobre o industrial - o fundiário há muito que se foi à vida -, da caricatura dos trabalhadores como preguiçosos e exploradores do Estado social, da aceitação acrítica do sistema económico considerado como dogma ou o "fim da história", muito mais. É em decorrência o discurso “big brother” dos economistas e ideólogos de serviço, “não podemos ser caloteiros”, “a economia política é como a economia doméstica de gente honrada”, “não há remédio senão a austeridade”, “quem nos ajuda é que manda”, “se não cumprirmos os memorandos, os mercados destroem-nos”, “cuidado com o nervosismo dos mercados”. Viva a troika! Mais, à ministro “nerd”, bom é ser mais troikista do que a troika. E tudo isto são os tais 80% de eleitores manipulados que, democraticamente, indiscutivelmente que têm razão.
Responderia com alguns factos básicos. Tão básicos que, não sendo eu economista, penso não andar muito longe da verdade ao enumerá-los. Isto quanto aos pontos 1-6. Os seguintes são de teor político, e aí eu cidadão não preciso de ter especialização académica em ciência política.
1. Na criação do euro, foram logo enviesadas as condições de concorrência. O marco e o franco foram desvalorizados, o escudo, a peseta, o dracma, a lira menos, foram sobrevalorizados. Foi o preço que a Alemanha exigiu, entre outros, para o negócio de aceitação pela França e outros da reunificação alemã (a meter algum medo, pensando no passado) e de aceitação pela Alemanha do fim do marco. Mas a Alemanha ganhou ainda mais. Um BCE à medida do Deutsche Bank, o triunfo das regras monetaristas de Maastricht aplicadas ao euro e ao BCE, de forma arbitrária (porquê o défice máximo de 3% do PIB e não 4%, como acabou por ter a própria Alemanha? E que também falsificou contas, como a Grécia, quando foi da reunificação). Também, nos dogmas neoliberais que impôs, a desregulação dos mercados financeiros, o pavor da inflação, a recusa de qualquer perspetiva keynesiana, a impossibilidade de monetarização da dívida (embora na prática o BCE tenha tido agora de comprar dívida dos PIGS no mercado secundário), etc.
2. Com isto, a pergunta sobre o porquê dos sulistas não exportarem para o norte fica em boa parte respondida. Além disso, grande parte da riqueza do sul foi destruída pela imposição política dos ricos, com a PAC e a política de pescas, inclusive o desmantelamento de frotas pesqueiras (porque é que a Noruega nunca quis entrar na CEE e depois UE? Para além de ter petróleo) e, por consequência, de boa parte do nosso setor secundário, com forte componente agro-alimentar. Lembram-se do que era a importância da nossa exportação de polpa de tomate? E os laticínios açorianos, hoje a jogar às escondidas com as quotas europeias?
3. A maior parte das exportações alemães são de indústria pesada e aí a Alemanha tem fatores históricos favoráveis. Um capitalismo industrial antigo e sólido (ou “O Capital” não tivesse sido escrito por um alemão, que nem sonhava que o “socialismo” nasceria aberrantemente num país de economia de “modo asiático”), mão de obra com mentalidade de exército, acima de tudo matérias primas, carvão e aço. Não se esqueça de que Jean Monet e os seus pares começaram por tentar equilibrar as coisas na Europa foi com a CECA, do carvão e do aço, antes da CEE.
4. Mais recentemente, a produtividade alemã e a competitividade nas exportações têm dependido fortemente de desvalorizações internas. Como não podem desvalorizar a moeda comum, desvalorizam o preço do trabalho, com os sindicatos a irem nisso. Aumento da idade de reforma, maior horário de trabalho, prestações e serviços sociais menos acessíveis. Os trabalhadores do sul, a meu ver, têm razão em não querer alimentar os seus tipos do Inside Job com esses sacrifícios. Pelo menos a resistirem enquanto podem.
5. A Finlândia é simplesmente a Nokia. A Holanda nem isso, um dia destes acorda atrelada à Alemanha, a viver só de outro tipo de competição com que a Irlanda se lixou, a desvalorização fiscal, em relação às empresas. Sabem quantas empresas portuguesas, a começar pelos bancos, Sonae, etc., têm sucursais na Holanda para circulação taxfree de capitais? Vamos ver como é, daqui a poucos anos.
6. Depois, todas as bocas sobre um euro do norte e um euro do sul, sobre a pressão para a Grécia (para já) sair do euro, etc., são mesmo só isso, bocas. Ou então ignorância crassa de políticos economicamente primários que desconhecem o que é a globalização, desde logo a nível europeu. Todo o sistema do euro está interligado, mesmo que com fios muito fracos, a ameaçar rotura. Mas se os PIGS romperem, vai-se à vida a estabilidade económica e financeira dos AAA. Cada vez mais economistas até agora servis ao sistema, gente do BCE ou dos bancos centrais, articulistas de jornal tão ortodoxo como é o Finantial Times, começa a dizer isto, como forma de protegerem o seu bom nome profissional e académico da burrice dos políticos.
7. E não vale só a economia. Também a política, talvez mais. O que se está a ver dos nortenhos, com sulistas a ajudarem de baraço ao pescoço, é um perigosíssimo nacionalismo, xenofobia, que se até agora era, já detestavelmente, contra o não-europeu, agora divide a Europa e abre portas sei lá a que aventuras neo-nazis (não digo que a Sra Merkel seja nazi, claro que não, mas da forma como isto vai… primeiro foram os comunistas, dizia Brecht, um dia serão os CDUs).  O que têm sido os resultados eleitorais nos últimos anos, nos países AAA? Eu tenho uns primos alemães que andam aterrados.

8. E também vale a ética, a gratidão, o reconhecimento. É certo que por interesse, lembrando-se das consequências de Versalhes, mas afinal os aliados é que reconstruiram a Alemanha do pós-guerra. Os malfadados gregos nunca conseguiram indemnizações de guerra, nem sequer a devolução do seu ouro confiscado (e em boa parte mandado para Salazar, para pagamento de volfrâmio). O mito do esforço alemão é isso, mito. Depois 1953 e a ponte de Berlim, uma fortuna. Depois, a reunificação, que desviou para a Alemanha rica uma parte muito considerável dos fundos estruturais de que tanto precisava a coesão europeia.
9. Finalmente, não aceito bem que pessoas de nível favorecido, como o meu, vivendo confortavelmente, desconhecendo o que são os sacrifícios dos milhões que estão agora a sofrer duramente a austeridade (eu ainda só minimamente, nada que já me tenha feito mudar os padrões de vida) venham lançar culpas sobre “os portugueses” que vivem acima das suas posses, ao contrário dos exemplares AAA. É injusto e é submisso. 
Injusto porque se toda essa gente se endividou, endividando o país, foi com crédito publicitariamente quase imposto dado pela banca com dinheiro que ela foi buscar a crédito mais barato aos AAA e conseguindo os lucros escandalosos de que nos lembramos, na década até à crise. Porque, entre muitos fatores de projeção psicológica ou de “standing” que não nego, esses portugueses (e esses gregos, e esses irlandeses, e esses espanhóis, e a coisa não ficará por aqui) tiveram que comprar a crédito a casa por não haver mercado de arrendamento ou o carro por a rede de transportes públicos ser terceiromundista. Claro que também compraram a TV gigante e as férias em Cancun, mas isto levava-nos longe, para uma discussão sobre os motins de Londres (que não desculpo de todo, mas que quero perceber, “cientificamente”).
E é submisso porque o cosmopolitismo, a vivência internacional, de uma certa camada  intelectual, académica e de quadros bem colocados está a levar para a tal projeção psicológica, agora a nível do padrão de “desenvolvimento e civilização”, do que não é "vergonhosamente" o provincianismo português. De certa forma, queirozianamente; porque os "vencidos" eram bastante snobs e não sei se, nesta crise, não alinhariam pelo "estrangeiro civilizado", que não é "esta choldra". Mas, ao menos o meu co-ilhéu Fradique tinha nível, bom gosto e boas maneiras. Todavia, no momento da verdade, os meninos tentarão apanhar o elétrico, enquanto a choldra vai sair à rua. Dito isto, há muita coisa que detesto no meu povo e não vou agora repentinamente virar "tuga". Não vou em patrioteirismos ao estilo anti-Moody’s, mas algum brio de identidade como povo não nos faz nada mal.

NOTA - E nunca um novaiorquino ou um californiano se atreve a falar de um arkansiano, seu "american fellow", como hoje fala um alemão de um grego. Aí está uma grande diferença, muito para além da diferença entre o dólar e o euro. É que, ao contrário do célebre dito de Clinton, não é verdade que "it's the economy, stupid!"

P. S. (13.9.2011, 00:25) - Descuidadamente, fui injusto para com Leif Lukander, o finlandês a quem o meu amigo JL respondeu. Faltou-me ler a sua última frase, essencial. Afinal, num comentário a um artigo da Time, "It’s Time to Admit the Euro Has Failed "ele estava a defender, sob a forma de uma pergunta, exatamente o que nós dizemos: “What is now being tested is the solidarity among member states. How far will the better-run countries be willing to go to help their weaker brethen nations? Let’s hope that selfishness does not get the upper hand”. Let’s hope, dear Leif! 

domingo, 11 de setembro de 2011

Subscrevo!


José Correia Pinto, Politeia, “A confirmação de um falhanço”.
“(…) Entretanto, a Grécia parece recusar-se a cumprir o estúpido programa de austeridade que a Troika lhe impôs…por já ter chegado à conclusão que ele apenas acrescenta recessão à recessão. As ameaças logo se fizeram sentir, por parte a Alemanha e da Holanda, a ponto de pela primeira vez se ter falado, oficialmente, na saída da Grécia do euro. 
Espera-se que a Grécia resista, que não ceda, deixando levar as coisas à beira do precipício, por haver a antecipada certeza de que o “tombo” não será igual para todos: os mais fortes cairão de mais alto… 
De facto, ninguém na UE pode impor a expulsão do euro. O que poderia acontecer, se à Grécia não for emprestado dinheiro, é que ela entre em bancarrota. Só que se tal acontecesse, o euro teria também os seus dias contados. 
Oxalá a Grécia resista e dê uma lição aos lacaios da alta finança e aos servis “bons alunos” que já tudo perderam. Até o respeito por eles próprios…”
Viva a Grécia!

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

15 de outubro, na rua

Novamente, grupos sócio-políticos (parece-me mais correto do que chamar-lhes movimentos sociais) convocam uma manifestação apartidária, espero que com tanto ou mais sucesso do que a de 12 de março. Os lemas não precisam de grande discussão:
- Pela democracia participativa.
- Pela transparência nas decisões políticas.
- Pelo fim da precariedade de vida.
É pena que fique de fora a luta contra a política de austeridade e contra o neocolonialismo troikista.
Os subscritores são bem conhecidos pela sua intervenção social e política, nos últimos tempos: Acampada Lisboa – Democracia Verdadeira Já 19M; Alvorada Ribatejo; Attac Portugal; Casa do Brasil Lisboa - CBL; Democracia Verdadeira,Já! - 15M; F.E.R.V.E.; Indignados Lisboa; M12M – Movimento 12 de Março; Movimento de Professores e Educadores 3R’s; Portugal Uncut; Precários Inflexiveis; S.O.S. Racismo; Umar.
Não me identifico com todas as suas atitudes e propostas, mas sou solidário com o seu manifesto, mesmo que um pouco generalista, com o seu protesto e com esta manifestação. Trôpego na minha idade, lá estarei.

Coisas de que não gosto

Não gosto de fazer críticas pessoais, mas às vezes impõem-se quando as pessoas têm projeção mediática e podem influenciar pessoas honestas desprevenidas. Santana Castilho é professor do Instituto Politécnico de Santarém, escreve regularmente no Público e ainda ontem o vi na SIC. Sendo professor do ensino superior politécnico, coisa tão digna como professor universitário como eu, parece que lida mal com isto, assinando sempre, cripticamente, como “professor do ensino superior”.
Pessoalmente, conheço-o superficialmente, numa relação familiar interrompida há largos anos. Em termos pessoais, só digo que aquele penteado é piroso, mas são questões de gosto. Politicamente, só o que é público: foi secretário de estado num governo Cavaco. Da sua muita escrita, contra tudo e todos, ao estilo do padre Malagrida, não me vem nada da sua posição política. Foi violentamente anti-Sócrates, daí deduzo afinidades com a então oposição, PSD.
Isto condiz com a sua história recente. Ao que leio, foi convidado por Passos Coelho para elaborar um texto sobre política educativa a integrar eventualmente o programa do PSD. Nessa altura, pôs o homem de Massamá nos píncaros e provavelmente sonhou vir a ser ministro. Afinal, o presidente do PSD resolveu dar-lhe a volta às propostas e fazer programa diferente. O homem ficou furioso, passou a berrar contra o anterior endeusado, a proclamar traição (?!).
Agora escreve furiosamente contra o governo e o ministro Crato. Claro que lhe dou razão nas críticas, mas nunca escondi as minhas discordâncias antigas com Nuno Crato, nada a ver com ministrices, ao contrário de Santana Castilho. Tudo isto é mesquinho, coisas de invejas e ressentimentos paroquiais. É pena que gente desta possa ter influência, como membros do quarto poder. 

sábado, 3 de setembro de 2011

Eu, português, envergonhado

Segundo o Público: “O Governo português é contra as eurobonds. Esta é a posição oficial, garantiu ontem ao PÚBLICO Rui Baptista, assessor do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho: ‘A posição oficial do Governo é a que o primeiro-ministro disse ontem [quinta-feira].‘ (…) Passos Coelho declarou: ‘Acompanho em grande medida aquilo que disse a senhora Merkel. Não podemos olhar para um princípio de obrigações europeias como uma forma de resolvermos os problemas, que temos agora, de excesso de dívida.’ "
Isto é inacreditável. Já não bastava que o governo fosse mais troikista do que a troika, que esteja a carregar-nos com mais 6000 milhões de euros de impostos e cortes orçamentais (em sáude, educação e segurança social) do que está nos memorandos, que o inefável ministro Gaspar (essa figura psicologicamente estranha que fala com uma linguagem gestual bizarra e que anuncia aos “alunos”, em estilo “nerd”, as suas técnicas pedagógicas) afirme que a confiança dos mercados depende de sermos (nós quem?) mais papistas do que o papa.
Diga-se que nem o CDS vai tão longe, tendo Portas já manifestado simpatia por um instrumento como os “eurobonds”. Do outro lado, infelizmente para um PS agora em dificuldade de marcar diferença, Sócrates deu o exemplo de submissão à patroa prussiana, mas não a este ponto de Passos Coelho.
Recordemos o que são os “eurobonds”: mutualização da dívida, até certo limite que seja um compromisso entre a solidariedade europeia e o respeito pelos interesses razoáveis dos mais disciplinados em termos de dívida externa. Os “eurobonds” são emitidos centralmente, garantidos por toda a zona euro e, portanto, assegurados, em taxa de juro, pela confiança no conjunto, não no país isolado que emite dívida.
Não conseguiria indicar aqui um resumo legível de referências à defesa destes títulos, centenas que são, nos últimos tempos, de grandes economistas, incluindo prémios Nobel, ultimamente também dos países em situação de resgate e até da Espanha e da Itália. Também Juncker, o presidente do Eurogrupo, alguns dirigentes do BCE e até Durão Barroso têm mostrado alguma abertura subtil a esta solução, embora sem compromisso. Cá, ainda há minutos, ouvi Mário Soares defendê-los vigorosamente.
Em oposição irredutível mantém-se a senhora Merkel. Não porque tenha motivos técnicos e económicos contra os “eurobonds”, porque ela não dá mostras de ter alguma base sólida de pensamento económico, muito menos de pensamento estratégico em relação à defesa do euro e, afinal, do projeto europeu, que ela conduz para uma evolução suicidária acelerada. Pura e simplesmente, a senhora está apenas motivada pelo seu eleitoralismo, sabendo que passa hoje por toda a Europa rica do norte uma onda de egoísmo e sobranceria quase xenófoba em relação a outros parceiros europeus de que eles extraem, em boa parte, a sua riqueza. Eles estão a lutar na 3ª guerra, agora económica e, infelizmente, palpita-me que a vão ganhar.
Entre a solidariedade com os europeus periféricos, em dificuldades comuns, e a vergonhosa vassalagem ao governo alemão, Passos Coelho escolheu a segunda. Fê-lo, é verdade que se diga, com a autoridade que lhe deram os tais eleitores que, como aqui discuti, sendo maioria têm sempre razão.
Passos Coelho fez vergonhosamente o jogo do outro lado (apetecia-me dizer inimigo e acho que não estaria a exagerar). Se isto fosse mesmo guerra a sério, em termos militares convencionais, toda a gente sabe o que lhe aconteceria.

(Foto de Público)

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Khadafi, segundo o PCP

Vem no Avante: “Ao fim de seis meses de insurreição, cinco dos quais apoiados por persistentes bombardeamentos da NATO, os contra-revolucionários tomaram a capital da Líbia.
Que a intervenção da Nato tem muito que se lhe diga, é indiscutível, tentativa de controlo ocidental da revolução norte-africana, depois da falência desse controlo na Tunísia e (relativamente) no Egito. Que os insurretos têm tido responsabilidades em muitas coisas noticiadas a raiar a barbaridade, também. Mas contra-revolucionários?!
Contra-revolucionários entendem-se por oposição a revolucionários, logo Khadafi. Khadafi revolucionário? As coisas rupestres (idiotamente machistas entre muitas outras coisas) do Livro verde? Lockerbie? O apoio pateta à FLA açoriana e à FLAMA madeirense? As contas no estrangeiro e o luxo asiático a receber convidados embasbacados? O tribalismo, o nepotismo, o seu “filho da espada”?
O PCP tem o seu maior calcanhar de Aquiles na sua política de relações internacionais interpartidárias e num aparelho que sempre foi dos mais sectários no partido. São ainda hoje os que fazem o estimável Bernardino Soares entender que a Coreia do Norte é uma verdadeira democracia, que faz a Festa do Avante convidar as FARC colombianas, que fazem com que o PCP nenhuma vez tenha dito, que eu saiba, que a China é o maior exemplo mundial do capitalismo selvagem e da exploração dos trabalhadores.