segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Hoje sabe-me a pouco!

Estou velho, mas tenho tido conversas com grandes amigos políticos que me fazem pensar se afinal sou mesmo eu que estou velho. As coisas estão difíceis, a malta está vulnerável e pode ser despedida, vamos com calma.

E eu, pateta/patético, nestes meus 67, a pensar que já não há calma que me valha para me ajustar contas comigo mesmo, homem político (e não só).

Exemplo de vamos com calma. Aqui atrás vai a minha adesão à iniciativa cidadã de auditoria da dívida. Espero que se sigam muitas outras manifestações minhas de adesão e apoio a iniciativas deste género. Mas isto obriga-me a alguma clarificação. Os tempos que correm são do martelo-pilão da compressão das opiniões, da manipulação orwelliana à 1984 dos tais 80% de eleitores que têm razão. Nunca, nem nos tempos da maior demagogia à SNI, só para falar em Portugal, assistimos a tão horrorosa manipulação das mentes.
Até a um dos mais exemplares opinadores consensuais, João Duque, que me envergonha dizer que é meu colega académico, vir dizer o que acha que é a “boa” manipulação fascista da informação, “a bem da nação” (ver o selo que colecionei em miúdo, criação de Almada Negreiros - que confusão, a dos futuristas, cá e na Itália fascista). E não será que João Duque é o padrão dos formadores da estrutura mental dos nossos jovens economistas? É que conheço muitos jovens licenciados que nem percebem como foram formatados.
O que se diz por aí? Somos culpados; temos pecados a pagar perante o altar germânico; vamos passar ajoelhados debaixo da porta de Brandenburgo, para esquecer os passos de ganso a passar na Étoile em 1940; tudo isto que nos está a acontecer é inevitável; somos gente séria e vamos a Toledo/Berlim de baraço ao pescoço, ninguém nos acusará de caloteiros; Gaspar e outros “nerds” ou economopatas levam-nos ao caminho da probidade. É isto que lemos.
Infelizmente, leio amigos do peito, incapazes de pensar hoje em termos de economia política - o marxismo era uma treta! - a fazerem discussão política arcaica, quem do partido X fez asneira, quem do partido Y fez mais. É verdade, mas é ver a curta distância. Hoje não há X ou Y, não há partidos na liça democrática tradicional, há o novo império da finança, dos políticos serventuários, Merkozy, que ditam quem deve ser o governo grego ou italiano. Passos Coelho que se cuide!
Voltando atrás, o que me leva hoje à escrita é a tal coisa das iniciativas e da minha adesão. O que por aí vai, desde partidos de esquerda (PCP e BE) que muito me desgostam, até a movimentos mais ou menos incoerentes mas importantes na prática, nada me pode ser estranho. Nihil humanum est a me alienum puto (nada do que é humano me é estranho), dizia Marx, citando Terêncio. Marx, esse horroroso proto-fascista... porque nazismo e comunismo foram a mesma coisa, há quem diga.
Qualquer coisa que seja contra o martelo-pilão - mesmo que, nas recondezas deste meu diálogo com o computador, me faça pensar que “isto é patetice” - tem o meu apoio. Mas quero deixar as águas limpas. Apoiar não é subscrever por inteiro.
Por exemplo, isto da auditoria cidadã, que apoiei. Temos um plano troikiano a três anos. Temos a expetativa de miséria a três anos. Temos entretanto 80% de eleitores a apoiar o plano de austeridade, que afinal é de recessão, de espiral descendente para o empobrecimento. A cada dia que passa, a miséria agrava-se. Conta-se por dias. Entretanto, vamos passar não sei quanto tempo a analisar se uns tantos milhões de dívida foram ou não legítimos? Se vamos pagar o quê e a quem? É indignação virtuosa, a mais inútil das atitudes políticas.
Neste momento, é pura e simplesmente dizer que vamos reestruturar a dívida, o resto a explicar vem depois. Mais, talvez, que vamos sair do euro

Mais, coisas que ouço. Que isto de partidos é tudo uma porcaria, bonito é acampar, ouvir gurus que falam pelo lado contrário daquele pelo qual recebem as benesses do sistema. Mas quando daqui a quatro anos tivermos de votar em sei lá o quê que for de diferente, hoje ainda ninguém pensou em abrir caminho, muito pelo contrário, ó meu que partidos são todos uma merda. E não há gente séria, da minha vetusta idade, a não se render a este império dos "rasta"?
Estou a ser radical? Isto faz-me lembrar o grande sucesso mediático de Yanis Varoufakis e da sua “proposta modesta”. É natural que queiramos confortarmo-nos com coisas que não são luta  radical, que se calhar são sensatas, mas que afinal se baseiam em fadas.
Então as propostas modestas, à portuguesa? Vou subscrevê-las, claro, mas sabem-me a pouco.



sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A Espanha aqui tão perto

Talvez não adiante muito, prevendo-se que o PSOE vai perder as eleições. Mas é significativo que tenha ouvido há pouco, ao vivo, as declarações convergentes de Zapatero e do seu sucessor, Rubalcaba. Mesmo que sejamos cínicos, significam pelo menos que eles as considerem boa bandeira eleitoral para domingo. Mas afinal o que disseram?
Que o Banco Central Europeu (BCE) foi constituído com transferência de funções dos bancos centrais dos países do euro e que não está a assegurar aquilo que competia, bem, a esses bancos. Que o BCE não se pode preocupar só com a inflação, tem de agir para a solução da crise da dívida dos países periféricos.
É verdade que este BCE foi aprovado por um governo PSOE. Em todo o caso, isto é hoje dizer muito, contra o dogma merkosyano, nada que o nosso governo diga. E mostra que, se houvesse um mínimo de coluna vertebral política nos países pequenos (e a Espanha não é nada pequena), podia constituir-se uma frente política a bater o pé ao domínio euro-imperial dos grandes. E até que a Inglaterra (já deu sinais hoje) caia em si a pensar que este novo eixo continental é coisa que os afeta, mesmo sem estarem na eurolândia.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Auditoria cidadã à dívida


Foi apresentada em conferência de imprensa a Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida. Sendo um dos promotores, não podia deixar de registar notícia aqui e de apelar para a participação no que se segue, a Convenção de Lisboa para formalizar essa iniciativa, nos dias 16 e 17 de Dezembro, no cinema S. Jorge, em Lisboa. Podem visitar o bom sítio da iniciativa, ler muito mais informação e ver o vídeo da conferência de imprensa:

domingo, 13 de novembro de 2011

Há vinte anos

Em tempo de tarefa detestável de arrumação e limpeza da tralha que nos enche poeirentamente o computador, dei por coisa que talvez valha a pena propor aos meus leitores como motivo de reflexão, embora muito datada. É um texto creio que de 1991, mas que só pode ser entendido com alguma rememoração da conjuntura. E também, desculpem-me, com alguma evocação pessoal.
Fui seguindo com interesse a grande mudança que se passou na esquerda europeia na década de 80. Entre nós, em 1987, rebentou na cisão da APU, em que boa parte, a meu ver a mais genuina, sincera e politicamente generosa, do MDP/CDE tentou marcar a diferença. Destaque, em homenagem muito sentida, ao José Manuel Tengarrinha, que sofreu o inimaginável por ter sido um homem de cabeça livre e de coluna vertebral erguida.
Alinhei de alma e coração com este esforço de construção de uma nova esquerda, um quarto de século antes do que agora muitos procuram, sem memória do que muitos tentaram antes. O esforço foi inglório, tinha passado o tempo, o processo histórico não tem contemplações. Mas também com coisas simples, boas, as que nos enchem a alma. Era um punhado de gente boa, não havia gurus em bicos de pé a patronizar jovens e massas, horrorizavam a demagogia, liam-se e reliam-se os comunicados à cata de qualquer falha de rigor, todos detestavam a ideia de sinecuras políticas. Foram anos frustrantes da minha vida política, mas foram anos de gratificação intelectual e de convívio com gente excelente.
Na altura, estava em foco o sucesso dos verdes alemães. Nós não nos revíamos numa “ideologia” estreitamente ambientalista, mas havia algum fundo comum que prometia coisas interessantes. Falávamos então em “movimento ecologista e alternativo”, colocando-nos nós, MDP, no lado alternativo. Éramos bem vistos neste movimento europeu, íamos a todas as reuniões, embora sempre incomodados pela construção pelo PCP do “partido” dos verdes portugueses.
Creio que em 1991, houve em Lisboa, no Tivoli, um bem sucedido Forum Ecologista e Alternativo. A título pessoal mas obviamente com muito trabalho por detrás de discussão com caros amigos, como o José Tengarrinha, o já falecido Mário Casquilho, a Helena Cidade Moura, o Fernando Silveira Ramos, a Alfreda Cruz, o Amaro Espírito Santo, o Orlando Almeida (desculpem-me aqueles que me são traídos pela memória). Foi aí que apresentei dois textos que reproduzo sem alterações, mau grado o estarem datados (1991!). São “O modelo alternativo do desenvolvimento” e “Uma nova concepção de partido”. 
O primeiro é o de conjuntura, a enquadrar o outro, e hoje muito mais haveria a dizer. Mesmo diminuindo-o eu próprio, creio que foi a primeira vez que em Portugal se falou na “sociedade dos dois terços”, coisa hoje levada ao extremo (apelativo, mas pouco científico) dos 99%. O segundo parece-me que talvez valha a pena ler ainda hoje, quando o quadro partidário é o de fazer votar sim à desgraça 80% dos eleitores.
Repito: não são coisa minha. Tive um papel importante na sua conceção e redação, mas a verdadeira autoria foi coletiva.
O que ficou de tudo isto? Talvez não se lembrem, a OPA pela Política XXI, que era a fração dos dissidentes do PCP depois do golpe de Agosto que, com Miguel Portas e contra Pina Moura, recusaram, bem, a absorção pelo PS. Depois, com os trotskistas e os albaneses, fizeram o Bloco de esquerda, coisa que alguns anos antes o MDP também tinha tentado. Na altura, com responsabilidade minha, voluntarista e prematuramente tonta para a época, tentamos fazer aquela figura dos escuteiros que tiveram de ser três a ajudar a velhinha a atravessar a rua, porque ela não queria. Ainda me lembro das minhas reuniões com Louçã e Fazenda.
E agora a esquerda quer ajuda para atravessar a rua?

NOTA - Brincando com a mais que tudo, pedi-lhe comentários como se os dois textos que refiro fossem escritos agora. Uma sua nota agradou-me muito. "Porque não escreves que o que desejas é "socialismo humanista"?" Afinal, ela estava a fazer-me lembrar os tais tempos de Dubcek, do "socialismo de rosto humano" 

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

"Tu quoque, Italia?"

Passamos toda a hora a ouvir que não somos gregos. No entanto, trataram-nos à grega. Claro que os italianos também devem dizer que não são portugueses, e acabam de os tratar pior ainda do que à portuguesa. É hoje já banalidade ler que os três países partilham uma característica comum que está no centro da sua crise económica e financeira: enorme dívida externa (pública mais privada) coincidindo com reduzido crescimento económico e dificuldades de competitividade. Creio, ao que se lê, que de facto é diferente a situação irlandesa e espanhola, em que o problema é principalmente de risco de insolvência do sistema bancário, tendo rebentado a enorme bolha imobiliária.
Juncker veio hoje a Portugal contar outra vez essa fábula de que não somos gregos. "Na Grécia é o desastre, em Portugal são dificuldades passageiras, a vencer até 2012". É um discurso político sem consistência racional e objetiva. Segundo esta mistura de política arrogante centro-europeia e de economia moral, "o desastre grego não vem da austeridade que lhes foi imposta mas sim dos seus erros de governo, de não cumprirem, de serem maus alunos. Nós não, temos um governo tão respeitador que até duplica a austeridade que nos foi imposta". Não se esqueçam de que o “desastre grego” está a acontecer ano e meio depois do seu plano troikiano, enquanto nós ainda só vamos com menos de seis meses. Quem garante que, daqui a um ano, não estamos a ouvir Juncker a falar do “desastre português”?
A dívida excessiva, com risco de insolvência a prazo, parece ser a principal razão de desconfiança por parte dos mercados financeiros. Desde há dias que a situação italiana vinha a agudizar este risco visível de desconfiança. Ontem, quando pensava publicar esta entrada, tinha ao meu lado uma nota: 6,74% de juros nos mercados secundários, para maturidades de 10 anos (13,3% para Portugal, 30,5% para a Grécia). Hoje já são 7,414%.
Lembram-se de Teixeira dos Santos alertar para esta espécie de número mágico, 7% de juros? Sócrates desmentiu-o, teimando, por razões político-eleitoralistas, que nunca recorreríamos ao resgate.  Colocando-me na pele de quem concorda com este tipo de “ajuda”, e não é a minha pele!, o que se pode dizer é que Sócrates teimou irresponsavelmente e acabou por ter de ceder pouco mais de um mês depois - em boa parte por pressão da banca (hoje tão zangada com o plano, por causa da recapitalização forçada que abre a caixa dos segredos ao Estado).
Dizem os economistas que este limiar dos 7% não é um valor arbitrário. Significa um nível de serviço da dívida que obriga a uma espiral de mais dívida para pagar os juros da dívida, fora a amortização. Foi aqui que chegou agora a Itália. No entanto, claro que, mesmo para um leigo, são patentes as diferenças entre nós e a Itália, do ponto de vista quantitativo. 
À época do resgate português, a nossa dívida externa era de cerca de 217% do PIB, sendo a dívida pública de 93% do PIB (agora 102%). Atualmente, os valores equivalentes no caso da Itália são de 126% e 120,2% (ver dados). Vê-se que o endividamento externo privado é reduzido, muito menor do que o português (percentualmente). Simplesmente, percentagem do PIB não é uma moeda, é um indicador. Moeda é o euro. Assim, para falar só da dívida pública, os 93% portugueses são cerca de 170 mil milhões de euros. Os 120% italianos são 1,9 biliões (milhões de milhões) de euros, 11 vezes mais.
Chegamos a uma questão central. Os empréstimos de resgate, ou “ajudas”, aos três atuais são coisa de nada para o Fundo Europeu de Estabilização Financeira. Se extrapolarmos para a Itália a tal relação de 11 vezes os nossos 78 mil milhões, são 865 mil milhões. Há quem diga que, de facto, seriam necessários cerca de 1,4 biliões (1400 mil milhões). Não há dinheiro, nem mesmo depois do plano do Conselho europeu de Outubro, que afinal não concretizou, para efeitos práticos imediatos, o aumento da capacidade do FEEF, atualmente de 440 mil milhões (sem descontar o já comprometido com a Grécia, Irlanda e Portugal).
O que significa, a concluir, que a Itália ficou na pior situação possível. Ao contrário da Grécia, Irlanda e Portugal, não vai receber um euro de “ajuda”, mas, como esses três, já teve de adotar um plano severo de austeridade (com medidas “muito fortes”), que já está a ser analisado in loco pela Comissão europeia. Pior, sujeitou-se, por sua própria iniciativa, baraço ao pescoço, àquilo que está a ser preço político dos memorandos com que nos comprometemos: vai ver as suas contas e a execução orçamental observadas, fiscalizadas, controladas por uma nova troika. Tudo para “dar confiança aos mercados”; é mesmo a fada da confiança, como costuma escrever Paul Krugman.
Ao que está a chegar a Europa! Já é a Itália, o terceiro país em importância na zona euro. É isto que vai ser o tão falado “governo económico” europeu?
NOTA - Repito que não sou economista e cabe aos meus leitores economistas corrigirem-me se errei neste texto - o que há boa probabilidade de ter acontecido. Quis principalmente desafiar outros leitores como eu não economistas a um esforço de informação elementar sobre o que se vai passando nesta eurolândia. Sem isso, receio que não faça muito sentido discutir só politicamente.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Regresso à educação superior

Durante cerca de dez anos, mantive escrita regular sobre a educação superior, creio que com sucesso e audiência fiel. Saindo de uma experiência desafiadora, afinal gratificante em termos estritamente pessoais, de gosto de obra feita, mas na prática penalizadora, até a nível ofensivo por parte de “superiores” medíocres, passei a livro anos e anos de reflexão sobre a universidade, mesmo quando era investigador e não professor. Depois, muitos artigos e um blogue.
A certa altura, achei que podia ter conflito de interesses e suspendi essa escrita. Fui contratado pela Universidade Lusófona (ULHT) para lançar um projeto novo de educação médica, o que se defrontava com interesses poderosíssimos. Depois, fui nomeado pró-reitor, com o pelouro muito sensível da estratégia institucional. Escrever, mesmo que a título pessoal podia causar dano, no nosso mundo mesquinho, à confiança que me estava a ser dada.
As coisas hoje, no pseudo-sistema de governação, regulação, avaliação, acreditação, etc., da educação superior chegaram a ponto de eu achar que é mais útil à minha instituição, e com maior satisfação minha pessoal, epicuriana, eu ser manifestamente o que sou, com a minha frontalidade conhecida, com o que julgo ser a minha autoridade de informação, reflexão e crítica. Há coisas que chegaram a tal ponto, e começo logo por apontar a A3ES - de que falarei depois - que não há que se “ter maneiras”. É atirar tudo para a mesa, “les jeux sont faits”.
Recomeçando esta minha velha lide, nada melhor, simbolicamente, do que chamar a atenção para uma excelente intervenção de quem considero o melhor reitor português, estratega e homem de visão, António Sampaio da Nóvoa. Aqui fica a ligação. Imperdível!

Dentro de dias, voltarei a dizer da educação superior. Como costumava escrever antes, sempre a dizer que o rei vai nu. E o rei, neste momento, nem é o ministro, muito menos o eterno ministro anterior que já estava triste e caduco. É quem tem um mandato limitado mas o exorbita. Escreverei sobre isto.

sábado, 5 de novembro de 2011

Oliveira de Figueira, até na literatura

Há poucas semanas, a Pastoral da Cultura, pela pena de Tolentino de Mendonça, sacerdote católico e bom poeta, criticou o último “romance” do nosso “guy des gares” (ainda se lembram do que isto significa?) José Rodrigues dos Santos (JRS), “O Último Segredo”. Voltam hoje à estacada, na revista P2 do Público, dois meus estimados autores (para mim, incréu!), Carreira das Neves e Anselmo Borges, ambos sacerdotes católicos.
Acho que estão a dar um tiro no pé. O “autor” não merece e, reconhecendo os seus oponentes que a Igreja, na sua ação catequística de rotina, não discute estes problemas de exegese difícil, remetendo-os, como é compreensível, para o terreno académico e da investigação, reforçam a tese de JRS de que ele é que está a esclarecer com verdades absolutas e definitivas os milhões de crentes que da sua religião só conhecem a tradição básica consagrada e os ensinamentos do aparelho eclesiástico.
Mas não é disto que quero fazer esta entrada. É de, com tudo isto, se estar a sobrevalorizar o próprio valor literário do “romance”. Começo por dizer, honestamente, que não o li e não o vou ler, mas tudo o que sobre ele li e, principalmente, as declarações do próprio autor, me permitem escrever alguma coisa.
JRS é um imitador, eventualmente com talento, mas é um simples imitador, sem génio criativo, sem uma ideia própria. Nada do que escreve mostra um projeto literário novo, uma nova abordagem da escrita, da conceção de um romance, mesmo que sem romper com uma linha de sucesso, a dos romances “históricos” temperados com ação à argumento cinematográfico e com alguma erudição questionante. O suprassumo é o "Nome da Rosa", e outros de Umberto Eco. Mais rudimentares, mas eficazes, embora muito repetitivos, são os de Dan Brown.
E é aqui que quero chegar. Pelo que tenho lido e por muito que folheei na livraria - sem pagar! que não dou para todos os peditórios - os “best sellers” de JRS parecem-me uma escandalosa, desavergonhada cópia do estilo e da estrutura narrativa de Dan Brown. Tudo é toscamente desenhado com base num padrão elementar. Veja-se:
Um académico perito numa área que em si é científica mas que descamba facilmente para o esotérico. Uma senhora que mistura intelecto e físico e que obviamente demonstra na cama tudo isto, no final (já vem das “Bond girls”, embora estas não tivessem massa cinzenta). Poderes ocultos como os que o novo Messias anuncia no “Avante”. Teses “sérias” postas na boca do tal académico, afinal mistura de fantasias do autor com coisas velhas e revelhas lidas apressadamente em publicações sensacionalistas, como no meu tempo já havia numa série de publicações francesas de pseudo-ciência cujo nome esqueci (alguém me recorda, coisas sobre OVNI, segredos das pirâmides, alquimia, etc.?). Cultura elementar a “épater le bourgeois” sobre museus franceses, obras de arte e arquitetura religiosa medieval. Mesmo que aproveitando a incapacidade do leitor médio para desmontar o ridículo absurdo de coisas "científicas" como uma bomba de antimatéria.
Até certa altura, achei graça a ler isto em Dan Brown, até me irritar com a repetição e a ideia de que eu estava a contribuir, na caixa da livraria, para uma bem engenhada operação de sucesso. Mas, afinal, era o que se tinha passado comigo na infância, com Salgari e coisas do género. Até Dumas!
Agora JRS é coisa diferente. É a indigência à portuguesa, é a diferença entre o produto de qualidade americano e o pechisbeque do Sr. Oliveira de Figueira. Afinal, Dan Brown nunca se lembrou de  descrever uma sopa de peixe regada “in loco et in hora” com leite de mulher mamudamente notável. Mas, afinal, tendo criticado os estimáveis padres, não estou eu também a gastar cera com tão ruim defunto?

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Malefícios da net?

De vez em quando, há um tsunami na net que nos invade o computador. São dezenas de mensagens ou referências a uma mesma mensagem, amplificada porque parece bem, mesmo que sem confirmação da sua veracidade. Aconteceu hoje, mesmo em blogues ou facebooks sérios e rigorosos, com a “carta aberta aos povos europeus”, de Mikis Theodorakis. 
Talvez por dedicar algum tempo, com os meus alunos, a exercitar o rigor de crítica da informação, tenho algum cheiro para fraudes da net. Neste caso, cheirou-me mal. Toda a gente copiava o mesmo texto. Todos referiam a mesma origem. Ninguém referia o original, só o texto em português. O texto era truncado, pobrezinho, tosco. Pareceu-me claramente uma daquelas coisas típicas em que alguém se esconde atrás de um nome respeitável, como já houve textos célebres da “autoria” de Pessoa, Drummond, João Ubaldo, Mia Couto.
Da forma mais elementar nestas coisas, googlei. Sempre a mesma coisa, sempre a mesma origem. Passei para inglês, nome do MT, “letter”, mais algumas palavras chave do texto, passadas para inglês em várias versões, nada! Finalmente, fui ao sítio de MT. Nada!
Estou enganado? Admito sempre esta hipótese, mas peço que me mostrem que estou. Entrem nos comentários.

P. S. (7.11.2011) - Como se vê no comentário de hoje, de José Carlos dos Santos, estava enganado. Obrigado pela correção.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Renego esta "esquerda"!

Se alguém tem dúvidas sobre a raiz do mal, sobre o reino de trevas que a besta apocalíptica está a construir, sobre toda a sabedoria oculta que dos templários às sociedades secretas manda hoje em Davos, sobre tudo o que ignoramos de ensinamentos de Dan Brown e de José Rodrigues dos Santos (hélas, também de Fernando Pessoa), leia-se isto.
“Todos os antecedentes desta Nova Era estão lançados ou funcionam já. Há políticas altamente complexas, como as que intervêm na crise financeira internacional, no terrorismo, nas área do gás e do petróleo, etc., que necessariamente estão a ser já coordenadas por um único governo oculto. As grandes disputas financeiras que convergem nos benefícios das grandes fortunas e nas mega fusões, nas troikas ou nas guerrilhas entre os mercados denunciam a existência actual de gigantescas centrais capitalistas articuladas entre si.”
E mais:
“A rede conspirativa que se vai instalando na terra tem claramente origem em formações capitalistas proclamadamente religiosas. Basta olhar-se para o esquema organizativo que vai chegando ao conhecimento público para nele se reconhecer a mãozinha sinuosa dos jesuítas e dos illuminati maçónicos.”
E ainda:
“Dá-se como certo que na base deste tenebroso programa final figuram os sionistas, o Vaticano e a Maçonaria. Nada custa a crer que assim seja: o plano actual da Nova Era tem as marcas do «Apocalipse», das ambições planetárias ilimitadas dos grandes estados ocidentais, das alfurjas das caves do Vaticano e da Maçonaria e das tenebrosas ordens secretas, laicas ou religiosas.”
O artigo começa por uma epígrafe misturando, em monstruosidade intelectual, três citações, uma de Engels (ao menos não foi de Marx, muito mais meu querido),  outra dos “Protocolos dos Sábios de Sião”, outra de Bento XVI.
Sabem certamente o que é o tal “protocolo”:  uma coisa indigente, rupestre, que foi um dos pilares do anti-semitismo nazi. Datava de bastante antes, coisa forjada pela polícia secreta do czar, a justificar os pogroms. Depois, o holocausto. E depois, segundo este articulista?
Mas onde é que este vómito, de um tal Jorge Messias, foi escrito? Quero crer que não vos passa pela cabeça: no número 1978, de 27 de outubro de 2011, do Avanteo órgão oficial do PCP.

P. S. - Há poucas pessoas, e sempre de grande nível, que me despertam "mixed feelings". Cunhal, que só conheci distantemente (como quase todos os membros do PCP da minha geração), é uma delas. Talvez esteja a ser ingénuo mas parece-me que, com ele vivo e atuante, um artigo destes nunca teria passado. Sinais dos tempos. Não é que todo o estilo e esquema cunhalista não devesse ter sido substituído, mas o problema é que a substituição deixou quase tudo na mesma sem alguns aspetos de grandeza que havia.

Democracia sim, mas há limites!

Toda a “Europa” está à beira de um ataque de nervos com o anúncio do referendo grego. Depois de dois anos de economia moral, a castigar os malandros, de tergiversações sobre o resgate atempado, se é que mesmo então resultaria, depois de uma solução a 21 de Julho postergada até agora e uma solução coxa, depois de tempos e tempos de tolerância - senão verdadeiro estímulo - a atitudes xenófobas e nacionalistas dos cidadãos de triplo-A, eis que agora são os gregos que devem pensar e atuar de acordo com coisa tão evidente (!) como “estamos todos no mesmo barco, nenhum país pode decidir sem os outros, não podem por em risco o euro, etc.”
Como acabei de ouvir Fernando Santos, correspondente da SIC, “como é que os gregos podem querer fazer um referendo quando estão dependentes da “ajuda” europeia? Provavelmente não haverá referendo porque a “Europa” vai fechar-lhes a torneira e eles nem salários poderão pagar”. Gente como este jornalista não faz ideia do que é ter-se coluna vertebral.
Como já tinha acontecido com Sócrates chamado a Berlim, como um embaixador de um pseudo-estado é chamado às Necessidades, agora lá foi Papandreou convocado a Cannes pela hoje indiscutivelmente única autoridade europeia, o casal Mer-k-osy.
Toda esta gente enche a boca com a palavra democracia. A democracia serve para tudo. Serviu para bipolarizar o mundo, serviu para derrubar libertadores como Mosaddegh, Sukarno ou Lumumba, serve para guerras de agressão. Mas, se levada longe, já se tenta fugir a ela ou torneá-la, como tentando evitar referendos sobre os tratados europeus. Agora, sem dúvida, para o que a democracia não pode servir de forma alguma, seja como vontade popular no berço da democracia, é para abalar minimamente os alicerces ou por em questão os dogmas do sistema económico.
NOTA 1 - Deixo de lado alguns outros aspetos, como o de me parecer, embora leigo, que, ganhando no referendo a recusa do plano da semana passada ou mesmo perdendo por pouco, o euro tem os dias contados e a incapacidade importadora dos periféricos europeus vai fazer-se sentir no bolso dos bons alunos do norte e centro.
NOTA 2 - Politicamente, Papandreou jogou uma grande cartada. Mesmo que, cinicamente, se possa pensar que ele apenas quis salvar a face, despachando para o eleitorado a responsabilidade do que inevitavelmente se prepara como desgraça, fosse coimo fosse, teve razão. Mais razão ainda se é verdade que, como afirma, avisou disso os seus colegas europeus, antes de eles anunciarem o plano da semana passada.