terça-feira, 15 de março de 2011

Protesto lúcido ou zanga cega? (III)

Num texto anterior, fiz a minha “declaração de interesses” sobre a movimentação ou a revolta, se preferirem - eu prefiro, direi depois porquê - da “geração à rasca”. Manifestei a minha solidariedade com as suas legítimas razões de protesto, lembrei o que tenho escrito aqui sobre a limitações da democracia formal e sobre a importância da rua, como arena política (pacífica, como se deseja). Mas também expliquei as razões das minhas reservas e alertei para alguns riscos desta nossa versão, deslocada em relação ao Magrebe, de “revolução da net”. Dito isto, passo adiante focando especialmente o que mais me interessa, a possibilidade - por agora só possibilidade! - de mudanças significativas na ação política popular, porventura com mudanças importantes dos paradigmas da ação política.
Também quero arrumar a questão dos números. Como já reconheci, ao princípio enganei-me redondamente, com reportagens que agora vejo que eram de momento antes da chegada do grosso da manifestação. Também, vendo cada vez mais os vídeos e as fotos da manifestação, acho que se enganam todos os que falam em duas ou três centenas de milhares (que, por simples geometria, não cabem nos 50.000 m2 da Av. da Liberdade, mesmo apinhada - e que só estava meio cheia) e que até a comparam com as grandes manifestações a seguir ao 25 de Abril. É discussão sem sentido, porque faz falta um “multidómetro”. Indiscutível é que era muita gente, muitos e muitos milhares, e que visivelmente incluía muita gente que não pertence à tal geração.
Comparável com o 25 de Abril, isso sim, pelo que agora vejo nas filmagens, é uma mistura bonita de luta e protesto com alegria e festa. É nestas alturas que me dou ao luxo de “acreditar” em coisa muito duvidosa de que o salazarismo se serviu, a tese gilberto-freirista da luso-tropicalidade.
Passemos então ao que conta, “o que se segue”. Obviamente que, se não houver “o que se segue”, tudo isto fica tão inglório como o milhão de votos em Manuel Alegre, em 2006. É difícil escrever sobre “o que se segue”, quando se quer ser intelectualmente honesto, objetivo mas de cabeça aberta ao imprevisível (e eu sou cientista, como bem me lembra um amigo ao achar que eu fui demasiadamente emotivo no tal escrito anterior). O que tiro da jornada de sábado passado e, principalmente, da barafunda (sem sentido pejorativo) de opiniões e propostas de participantes do Fórum 12/3, é ficar preparado para qualquer surpresa. 
Maior perigo ainda, para alguém da minha “geração política”, é o de querer dar lições. Mas também não vou para o extremo oposto, calar o que, de alguma experiência e reflexão acumulada, pode ser útil para quem hoje tem a vontade e o ânimo, juvenilmente, mas num borbotão de ferida agora rebentada e ainda não assimilada. Vou tentar, não é fácil, uma atitude mista de rigor de análise, de simpatia, também de modéstia de velho no seu ninho da águia.
O que vem a seguir é já o próximo sábado. Há alguns que escreveram no fórum que um movimento destes só é verdadeiramente eficaz crescendo sempre, isto é, na rua hoje, amanhã, depois de amanhã. Lapidar! Poderá ser esta a grande diferença para outros grandes protestos que temos visto, por exemplo a célebre manifestação dos professores ou a última greve geral. Foram coisas de um dia, o governo deixa passar, ficam abafadas pela vertigem da mudança das notícias. Imaginam o que teria sido uma manifestação gigantesca a encher a Praça da Libertação, no Cairo, mas só num dia? O derrube de Mubarak custou semanas de ocupação diária da rua.
Neste tópico de discussão no fórum 12/3, registo uma atitude notável de alguns dos participantes. A convocatória para o dia 19 foi da CGTP. No entanto, muitos dos 12/3 escrevem que não lhes interessa quem convoca, que estão todos do mesmo lado, quanto ao essencial do protesto, independentemente de haver diferenças na diversidade de motivações pessoais. Vão lá estar no dia 19 os do dia 12 e agora também muitos que lá irão por via da mobilização da CGTP. Assim, espero não me enganar, agora ao contrário, não me surpreenderá que a avenida não chegue para tanta gente. Ainda por cima, entre 12 e 19, houve o PEC 4.
Da mesma forma, espero que a CGTP tenha a superioridade de reconhecer que o sucesso da manifestação do próximo sábado não se deverá apenas à sua inegável capacidade de mobilização. Esse reconhecimento abrirá a porta para coisa muito mais fácil e produtiva do que qualquer entendimento com partidos, coisa nova que será um verdadeiro diálogo de forças sociais, à margem do sistema partidário em crise. Com isto, ganha a CGTP uma coisa importantíssima: a comprovação prática, para muita gente com preconceito contrário, de que uma grande força social, sindical, pode ser partidariamente independente, sem prejuízo da legítima militância partidária de membros seus, dirigentes ou filiados.
No entanto, recordando algumas reservas minhas, desagrada-me que esta atitude bonita de abertura vá tão longe como aceitar que é igualmente importante marchar juntamente com os do “demitam os políticos”, movimento que continuo a caracterizar como protofascista, independentemente de saber, como já disse, que muita gente vai acriticamente atrás de um “slogan” demagógico, mas pessoas que de fascista obviamente não têm nada.
Da mesma forma, julgo ter origem bem intencionada, “estamos todos juntos na revolta”, o que li de solidariedade entre gente do 12/3 para com os camionistas, mas é atitude ingénua e pouco refletida. A ação dos camionistas conspurca a dos 12/3. É reacionária, egoista, de defesa de interesses de gente que não é nada “povo” e que não anda nada à rasca. Não são trabalhadores camionistas em greve, é uma mistura de empresários de boa dimensão e de empresários individuais. Ainda por cima, ação violenta, desrespeitadora dos direitos dos outros, mesmo colegas de profissão, ao contrário do típico civismo e respeito pela opinião individual dos piquetes das verdadeiras greves de trabalhadores. Não creio que nenhum 12/3 apoie o boicote e o apedrejamento a camiões de entrega de oxigénio e medicamentos aos hospitais. Mas está a acontecer! Meus amigos, nem tudo o que é protesto é justo.
Nota final. Porque prefiro falar agora de revolta, em vez de movimento? Pode ser picuinha terminológica, mas julgo que ainda falta a esta revolta a reflexão, compreensão das causas da crise, elaboração de propostas, que então justificarão plenamente a designação de movimento. Espero é que não partido…
P. S. - Em homenagem à sigla engraçada que os criadores do fórum estão a usar, vou passar a usar nesta série de escritos o simples título “12/3”. E que não se fale mais em gerações, porque todos estamos à rasca!… 

2 comentários:

  1. Vou tentar responder num post a algumas das tuas interrogações que, aliás, em teoria também tenho, contrabalançadas, todavia, por uma grande esperança (racionalmente fundada)

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