quinta-feira, 31 de março de 2011

Governo de gestão, responsabilidade e eleitoralismo

Não me interessa chover no molhado, discutir se é da responsabilidade do governo, se do PSD e dos outros que votaram contra o PEC 4, que hoje estejamos com a corda mesmo apertada na garganta em relação à pressão para recorrermos à ajuda FEEF/FMI. Claro que a crise política não deve ajudar nada ao alívio dessa pressão, mas factos são factos: afinal, o défice de 2010 não é de 7,3%, é de 8,6%; a dívida já ultrapassou 92% do PIB; as agências de “rating” estão a baixar a nossa classificação; os juros da dívida já estão a 9,5% (a 5 anos) e, pior, a 8% a um ano, o que significa que o mercado já imagina que Portugal pode ir à falência a este prazo. E temos de pagar mais de 9 mil milhões de euros de dívida até Junho.
Ora Junho é que é o mês das eleições, com um governo em funções plenas lá para o fim do mês. E eu, que não simpatizo nada com a ideia da ajuda externa mas que tenho de a considerar - possivelmente, não digo que certamente, não sei - como imposição irremediável (já que outras possibilidades, como a reestruturação da dívida, nos estão cortadas - para já!), pergunto-me como pode ser, se, em Abril, Maio ou até Junho, antes do novo governo, for absolutamente necessário pedi-la. Absolutamente necessário, entenda-se, nos termos da visão político-económica dominante, a nível nacional e europeu.
O assunto é agora a principal arma de arremesso mútuo para a campanha eleitoral, que já começou, a um nível de berreiro partidário insuportável, que começou logo com a chamada de jornalistas a S. Bento e de que o maior exemplo foi o discurso de Lacão (como é possível não se ter vergonha intelectual?). E ainda está para vir o buldogue Santos Silva, alternando com o boquinha de suspiro Silva Pereira. Isto ameaça que a campanha vai ser tudo menos um debate sério da crise e muito menos da crise vista para além do quadro convencional.

Entretanto, a retórica demagógica vai impedir ações consequentes. Nomeadamente, nunca este governo vai assumir a responsabilidade de pedir a ajuda, no caso - repito, no caso - de ela ser mesmo absolutamente necessária. A única possibilidade, inverosímil, seria a de um acordo de cavalheiros entre o PS e o PSD para não usarem eleitoralmente esse facto. Não estou a ver isto possível e, de qualquer forma, o preço eleitoral para o PS seria sempre enorme. E não haja dúvidas de que, desde o seu derrube, o PS só pensa em termos eleitoralistas, de propaganda, de campanha, de demagogia. Até está a bater o PSD aos pontos e não é garantido que não ganhe o jogo. O que isto significaria já o discuti.
Um dos principais argumentos - ainda há pouco o ouvi ao ministro das Finanças - é que o governo, em gestão, não pode assumir o compromisso do pedido de ajuda externaQueira é o governo ter essa competência, o que é coisa que levaria longe esta conversa. Ainda ontem o PR afirmou pensar que o governo a tem. Afinal, os que defendem um “governo de salvação nacional”, que é coisa a ir muito mais longe em responsabilidade política, não podem defender uma mais concreta responsabilização do governo, no que respeita à crise da dívida?

P. S. - Está a falar o inefável "Doutor Assis" (quem é que me empresta o delicioso livro coimbrão? Que, curiosamente, era de Alberto Costa, outro, mais conhecido como Pad'Zé). Sobre a competência de gestão, uma no cravo e outra na ferradura. Mais veementemente, o discurso partidário, já de campanha, massacrante, de cassete (afinal, lembram-se de 1975, quem é que era acusado de usar cassete?). Ó dr., quantas vezes ainda vai dizer que a oposição irresponsável derrubou este magnífico governo e nos levou à desgraça? Até quando, Catilina...? Estes dirigentes partidários estão tão dominados pelos seus esquemas de truques políticos que não percebem que, até Junho, o povo que está zangado vai vomitá-los, ao seu discurso, ao seu massacre demagógico, à sua aldrabice e à sua desonestidade intelectual.

sábado, 26 de março de 2011

O PS no seu labirinto

O PS é um partido essencial à vida política portuguesa; tenho nele bons amigos; tudo me permite falar da sua vida interna, ao contrário do que por vezes entendem os militantes socialistas. Muito mais quando até nem vou dizer nada de novo, que não tenha sido dito por membros do PS, embora muito minoritários. Por exemplo, que a eleição do secretário geral (SG) devia ter sido adiada. Julgo perceber que não o tenha sido, mas só no estertor final de uma lógica absurda de poder pessoal e de mentalidade cortesã (interessada) à volta de Sócrates (JS).
Poderão dizer-me que o adiamento da eleição do SG do PS seria uma violação dos estatutos. Talvez, desconheço as regras da casa. Mas esta crise, a perceção dos cenários óbvios, já vem de há tanto tempo que só a cegueira do PS, controlado pela cúria socrática e pelos interesses egocentristas do “príncipe” é que impediu a atitude minimamente sensata de se ter decidido um procedimento especial de prudência.
Dirá muita gente que o vencedor das próximas eleições (isto é, o mais votado, mas sem maioria absoluta) é indiscutivelmente o PSD, coisa de que não estou certo, como direi adiante. Se conseguir maioria absoluta com o CDS, pode formar o governo maioritário que Cavaco pretende, mas muita gente, cá dentro e lá fora, pressionará para a formação de um governo do “arco” (ou do pântano, “marais”, digo eu) com inclusão do PS. Haverá gente inteligente no PS com a sabedoria e distanciamento suficientes para perceber que uma travessia no deserto, com alguns brilharetes de “esquerda” na oposição, é benéfica, mas muitos mais, depois de tantos anos de empanturramento à mesa do orçamento, aceitarão a serventia em tal governo “nacional”. Não se esqueça também os que, certamente por convicção, defendem tal tese no PS, como, por exemplo, António José Seguro.
Parece-me impensável que o PS possa participar com papel secundário em tal governo apresentando JS como seu representante máximo; isto tanto pela inaceitabilidade de JS em tal quadro governamental como pelo próprio orgulho desmesurado de JS, que não se vê poder aceitar ser segundo. Pelo contrário, tudo seria mais fácil se JS não tivesse procurado agora esta legitimação acrescida, quase plebiscitária em termos do PS. O PS indicaria então um provisório como ministro destacado (de Estado, sem pasta ou numa das pastas “nobres”), ficando JS como SG, de simples continuidade em relação à situação atual, não com esta aclamação plebiscitária com resultado à norte-coreana. Só depois se faria a eleição de um novo SG, para integrar ou não o governo.
Claro que há uma alternativa, neste cenário de derrota eleitoral do PS, mas sem maioria absoluta do conjunto PSD/CDS e de necessidade de coligação grã-centrona com o PS: o da demissão de JS de SG do PS, em resultado das eleições. Seria uma confissão reforçada da derrota, uma humilhação pessoal que não se vê bem como JS aceitaria a não ser com pistola apontada à cabeça. Entretanto, o PS teria de indicar para o governo uma pessoa ainda à espera de futura validação eleitoral como SG do PS, o que enfraqueceria a sua posição no governo de coligação.  
E se JS ganhar, com maioria relativa? Há quem ache tolice pensar-se em tal hipótese, mas não é verdade. A diferença de votos, nas sondagens, é grande, mas ainda há muita água para passar debaixo da ponte. É muito possível que, em Abril, incapaz de saldar a dívida por recurso ao mercado e sem a UE ter decidido agora a possibilidade de compra de dívida no mercado primário pelo FEEF, JS ganhe votos pela sua vitimização, “estão a ver que por me demitirem é que veio o FMI”? E como é que o PSD vai ganhar votos quando não tem verdadeiras propostas alternativas a um PEC 4 que chumbou, e que chumbou por razões mais formais que substanciais? Pode dizer-se que, apesar disto, JS perderá porque o povo está farto e quer mudar. Todavia, e há muitos exemplos conhecidos, no momento do voto, em altura de crise, a zanga e o desejo de penalização podem ficar para trás do receio da incerteza do desconhecido.
Neste caso, o PS teria de ter previsto, já hoje, que uma sua eventual vitória relativa não tem efeitos práticos mantendo JS. PR, “poderes fácticos”, mercados, governos europeus, todos já dizem claramente que exigem um governo de maioria e certamente que o próprio PS não quererá reviver os últimos dois anos. Obviamente, e sendo o PS o primeiro partido, neste cenário, o bloco central, com ou sem CDS, é impossível com uma liderança do PS por JS. Que fazer? Se, no cenário de derrota do PS, ainda seria possível, embora caricata, a substituição de JS, não se percebe como seria ela possível no caso de JS ter uma vitória eleitoral, mesmo que relativa.
Claro que, teoricamente, ainda há outra solução, mas creio que ninguém deixará de a considerar irrealista: JS foi eleito hoje SG mas o próximo congresso, daqui a dias, decide indigitar outra pessoa como candidato a primeiro ministro. Irrealista? Apesar de tudo, neste labirinto em que o PS está à nora, desorientado, talvez seja a única coisa acertada.
Muita gente andará hoje no PS a perguntar-se “o que vamos fazer com este cadáver adiado?”. Deviam ter pensado nisto quando ainda era tempo e ele não tivesse ainda de ser despejado com os pés para a frente, para, em termos políticos e como se diz na minha terra, “ir comer as couves pela raiz”.


P. S. (as iniciais são coincidência...) - Se não me engano, um dos candidatos marginais a SG, não me lembro se Fonseca Ferreira se o já passado António Brotas, afirmou que só se candidatava a SG, porque, ganhando, manteria JS como candidato a primeiro ministro. Como se compreende do que escrevi, acho isso o cúmulo do surrealismo político.

Coisas porcas, a propósito do processo Casa Pia

Um jornalista (?) "free lancer" conseguiu de Carlos Silvino uma entrevista em que este criminoso já condenado vem desmentir tudo o que confessou. Agora, o mesmo jortnalista conseguiu outra entrevista em que um dos jovens abusados se retracta também.  Felícia Cabrita, a jornalista que espoletou todo o processo, escreve no Sol que o jovem está com grandes dificuldades financeiras e que a entrevista foi comprada.

Mas mais importante é a sua informação de que o tal jornalista já tinha escrito um livro em defesa de Carlos Cruz, em colaboração com a ex-mulher do apresentador de TV.

Tudo isto também afeta indiretamente Paulo Pedroso, pela coincidência com um desfecho que lhe devia ser agradável, em outro momento. Não posso dizer nada sobre a culpabilidade ou não de Pedroso. Tudo o que eu - ou outro - dissesse era mera opinião subjetiva não fundamentada. Não foi a julgamento, não foi confrontado com acusação, não houve defesa nem sentença. Se não foi acusado, foi decisão de um juiz, em que devemos confiar. É um cidadão legalmente protegido pela regra essencial do direito de que um culpado só o é depois de condenado em tribunal.

No entanto, Pedroso, como Ferro Rodrigues (que, apesar de ter sido "acusado", não passou pelo que Pedroso passou), não é um cidadão comum. É, e era ainda com mais destaque nessa altura, um membro proeminente do PS. Protagonizava uma linha mais à esquerda do que a tendência geral que resultou neste consulado socrático de má memória. Essa tendência no PS, que até incluia o próprio secretário geral, foi decapitada. Mas claro que não acredito em bruxas!

Pedroso viu agora o detestável Silvino ser condenado em processo de difamação, tendo de pedir desculpas e pagar uma indemnização, mesmo que simbólica. Todavia, para azar de Pedroso, esta decisão veio tarde, depois de, com esta farsa cruciana das entrevistas a um jornalista (?) o cêntimo pago por Silvino ter menos valor do que um seixo de praia. É a "justiça"!

quarta-feira, 23 de março de 2011

Assis, Egas Moniz

Patético, mesmo "pathos", mas à portuguesa, aparente drama que afinal é farsa, "tudo isto é fado". Acabei de ouvir Assis (o homem lembra-me sempre o Doutor Assis, livro tão engraçado mas fora do mercado). Quando, estrategicamente, o PS precisa desesperadamente de se libertar de Sócrates, quando Assis podia ser, não para meu gosto, uma alternativa, o homem encerra o debate de hoje, em nome do PS, com a mais humilhante declaração de vassalagem ao chefe. Assis teve hoje o seu episódio monizino, de baraço ao pescoço, mas sem grandeza, porque não tinha nenhum grande príncipe por quem oferecer o pescoço.

Tenho amigos no PS que muito prezo. Ainda por cima, gente inteligente, com traquejo político desde a nossa juventude "associativa". Tenho apelado a eles e, privadamente, respondem-me mas, em geral, com coisas que me desgostam, "não há nada a fazer, o homem controla tudo".

Já aqui tenho evocado o exemplo da saída da crise partidária em Itália. E não só. Por toda a parte na Europa, e a começar com a terceira via de Blair, que até o nível intelectual de Giddens não devia ter avalizado, o "socialismo" acabou em triste degradação. Craxi refugiado da justiça na Tunísia que agora se libertou. E para onde irá Sócrates, na viragem para um "mãos limpas" em Portugal?

Mas há espaço e futuro para um "mãos limpas"? É o que gritam na rua os 12/3, é o que se lê por toda a net. As pessoas querem limpeza, querem o fim da corrupção, querem justiça. Mas no fim não acabam com um Berlusconi?

P. S. - Os episódios de hoje das saídas e ausências na bancada do governo foram do mais execravelmente rasteiro, rasca, que já vi na vida política. É mesmo de quem se educou a usar fatinho e gravata com sapatilhas.

Afinal, primeiro a política!

Afinal, a nossa crise política (institucional) de hoje, apresentada como tragédia dantesca por gente de todos os quadrantes, incluindo caros amigos meus de esquerda, é coisa pequena, como fator de perturbação da política económica da eurolândia, quando comparada com condicionantes políticos, pouco discutidos, da discussão de 24 e 25 da reforma do FEEF. Parece que, afinal, tudo fica para Junho, por via da Alemanha e da Finlândia, do clube AAA, quando a situação portuguesa já deve estar mais clarificada.
Leia-se uma notícia da Reuters (François Lenoir), hoje aparecida no Público.
Zona euro adia decisões sobre reforço do fundo de socorro
As modalidades do reforço do fundo de socorro do euro (EFSF) só vão ser definidas pelos líderes europeus em Junho devido às dificuldades políticas e eleitorais de alguns países que os impedem de assumir compromissos até lá.
(…) A maneira de fazer este reforço deveria, em contrapartida, ser decidida na nova cimeira que decorre amanhã e depois em Bruxelas, no quadro da “resposta abrangente” à crise da dívida soberana que está em preparação há meses.
(…) Mas a Finlândia, que dissolveu o parlamento na perspectiva das eleições legislativas de 17 de Abril, não pode assumir por agora qualquer compromisso na matéria, sobretudo devido à oposição crescente de grande parte da opinião pública ao aumento dos encargos nacionais para ajudar os países em dificuldades de financiamento.
A Alemanha tem por seu lado dificuldades em assumir compromissos relativamente à estrutura de capital do mecanismo permanente de estabilidade (ESM) que vai substituir o EFSF em 2013. As decisões sobre os dois mecanismos deverão ser assim tomadas em conjunto em Junho.

terça-feira, 22 de março de 2011

Eleições?

Toda a gente amanhã falará de eleições, coisa inevitável. No texto anterior, mas não no ante-anterior, também eu fui nessa. Não é verdade. No caso de demissão do primeiro-ministro, o Presidente da República tem uma certa margem de manobra.

Neste momento, a jogada tem riscos para qualquer dos partidos. Não se pense que Sócrates é um derrotado anunciado. Isto ligado a pressões internacionais e internas para um grande entendimento nacional - e hoje até por parte dos dois ex-PR, Soares explicavelmente, Sampaio para minha surpresa - não estranharei que, daqui a umas semanas, a anunciada magistratura ativa resulte num governo de simpatia presidencial e com acordo do "arco governativo". E é difícil adivinhar quem será o PM, que até já está a fazer o programa eleitoral do PSD? De braço dado com um ministro bizarro, que se permite criticar o seu governo e o seu chefe, sem qualquer consequência.

Mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo

Se isto fosse escrito científico, como tantos que escrevi, teria de incluir referências bibliográficas exatas. Não tenho agora tempo, mas creio que não irei contra a informação segura que os meus leitores acumularam nas últimas semanas, mesmo que não tenhamos na ponta da língua datas e horas.
Recorde-se. De surpresa, na véspera da reunião europeia de 10.3, Sócrates (JS), pela voz do ministro das Finanças, anuncia o PEC 4, que vai apresentar em Bruxelas no dia seguinte. A presidência da República diz não ter sido informada, os partidos da oposição idem. O PSD, que estava vinculado ao seu compromisso infantil com o PEC 3, sente-se traído. E tudo isto parece inegável, porque é o próprio JS que vem explicar o secretismo, por questões de calendário - posse do PR, moção de censura do BE.
Vendo que tudo isto resultava na crise política - e agora nem discuto se desejada ou não pelo PS/JS - ele tem de antecipar o que vai ser a sua campanha eleitoral, de vitimização, de quem não teve nada a ver com a crise, muito menos com a sua consequência - que seria inevitável mesmo sem a crise - a intervenção externa. Põe a cereja neste bolo desonesto, que afinal não eram nada medidas decididas, eram linhas orientadoras, sempre abertas à discussão parlamentar.
Entretanto, sábado, já o Expresso tinha divulgado cartas para Bruxelas que deixavam muitas dúvidas sobre tudo isto. Também se noticiava por toda a parte que, nos dias anteriores, uma missão a Portugal da CE e do BCE tinha fechado negociações com o governo, nos termos anunciados logo a seguir como PEC 4. E ainda, com boa razão, se pensava já antes que tudo tinha começado por imposições da Sra. Merkel, na ida vassálica de JS a berlim.
Hoje, com a brutalidade arrogante de quem verdadeiramente manda na UE, e a negar a possibilidade de JS tentar reapresentar modificações ao PEC 4, veio Juncker afirmar, inequivocamente, que houve mesmo um compromisso definitivo de JS. Aprovámos o programa de ajustamento tal como nos foi proposto pelo governo português [e] que foi avalizado tanto pela Comissão Europeia como pelo Banco Central Europeu”. Claríssimo: “aprovámos”, foi uma proposta para aprovação pelo conselho, não linhas de orientação; tinha sido avalizada previamente, às escondidas. Vinte e cinco poucas palavras para arrumar definitivamente JS como aquilo que hoje todo Portugal lhe chama: aldrabão, desonesto, mentiroso. Nunca, desde Costa Cabral e um pouco João Franco, alguém tinha sido tão visceralmente detestado pela enorme maioria dos portugueses, independentemente da sua simpatia partidária. Porque já não só está em causa a política, já é o carácter e a moral.
Vai haver eleições e terei muita dificuldade em decidir do meu voto. Depois aqui escreverei, a despertar debate com os meus amigos. Julgo ter suficientemente discernimento político para nunca ir votar no mano jota da outra etiqueta. Mas o voto não é só racional, também é ético. Eu teria vergonha de dizer aos filhos que eduquei que tinha votado num mentiroso e aldrabão.
Nota final - Tão amigos que nós somos, “porreiro, pá”, afinal um porta-voz de Barroso vem dizer que as declarações de Juncker não são bem assim. Também os parceiros sociais (claro que sem a CGTP) se preparam para grande encenação, com Sócrates, assinando um acordo na linha do PEC 4. Nada disto me parece que seja encomendado por JS para ainda tentar evitar o chumbo do PEC 4, é tudo já campanha eleitoral, da pobre vítima.


P. S. (21:08) - Acabei de ouvir Fernando Rosas a dizer que o que se vai passar agora é o normal funcionamento das instituições. Posso estar a ser baço, mas não vislumbrei sombra de ironia. Ouço mais, "dar lugar ao voto é a democracia, aliás vem provar a razão do BE e da sua moção de censura". Neste momento, com o povo aos berros e a encher a rua, o BE, pela voz de um dos seus principais dirigentes, tem este discurso estritamente institucional? E eu ainda a pensar que era uma hipótese minha de voto...

domingo, 20 de março de 2011

12/(3 (VI)

Com o que julgo ter sido alguma precipitação, o movimento “geração à rasca”, no entusiasmo do sucesso da manifestação, substituiu a sua página de mobilização no Facebook por um fórum de debate. Com isto, perdeu a sua força, o grito de revolta, o passa palavra para ir à rua. Perdeu para uma discussão confusa, pobre, compreensivelmente pobre porque nunca na história se passou imediatamente do grito para o pensamento. Antes o contrário, com 1789 precedido pelos grandes filósofos iluministas franceses; 1848 pela segunda vaga de democratas e principalmente pelos primeiros socialistas, Louis Blanc e Proudhon; depois a comuna de Paris e, é pena, o conflito ideológico entre marxistas e anarquistas. 
Nunca na história um movimento de revolta pura e simples, de zanga, levou a alguma coisa se não alicerçado em longo, paciente, aparentemente inglório trabalho anterior de construção de ideias. Nem se pense que isto é novo nestes tempos de Avenida da Liberdade. Há vinte ou trinta anos que muita gente, memso em Portugal, vem difusamente a pensar e a escrever sobre a “esquerda alternativa”, que não é, para mim, o BE!. Sabem quem foi, fora de tempo, pateticamente, em 1987? O MDP libertado da prisão da CDU mas já sem fôlego e depois, exauridos, a submissão à OPA da Política XXI, depois o BE.
O fórum 12/3 é uma grande confusão, difícil de seguir, desorganizado, uma mistura de coisas infantis que fazem sorrir pela sua candura inocente mas bonita e generosa, outras tontas ou irrelevantes, outras muito interessantes mas lamentavelmente diluídas em toda aquela torrente de comentários e “posts”. O trabalho que tenho tido para compilar coisas interessantes, e que até não são poucas, a desafiar-me os neurónios! Pior, algumas outras coisas verdadeiramente tóxicas, em termos de mínima sabedoria política. Vou dar um exemplo, a ver se ajudo a alguma “vacinação”. Falo de uma cadeia sobre democracia direta, originadas por um psicólogo já de idade respeitável, o Doutor Patrício Leite (doutor por extenso quer dizer que tem doutoramento, coisa que não consegui confirmar, ou é só entitulamento irrelevante num escrito político?).
A sua tese é simples. A Assembleia da República (AR) é um desperdício, uma fonte de corrupção, inteiramente substituível pela “democracia online”. Depois das convocatórias pelas redes sociais, agora a decisão política virtual. Nada mais simples. Qualquer cidadão com acesso à net (todos os cidadãos?! os infoexcluídos, muitos, por falta de recursos materiais ou culturais, são coisa sub-humana, sem direitos cívicos?) “posta” uma proposta de lei. Abre-se um fórum de discussão e, no fim, clica-se ou não no botão “concordo”. Nada mais simples, pois não? E nada de mais democrático?
Comecemos pelo sério, pelo que já há de conhecido sobre a democracia direta. O melhor exemplo, que eu conheci bem por lá ter vivido, é a Suíça, com os seus referendos e iniciativas populares. Parece que funcionava bem no tempo medieval das assembleias cantonais, alpinas, de duas centenas de pessoas (só os homens, claro), na manhã de domingo. No meu tempo, eram votações muitas vezes importantes, vinculativas, mas sempre com características comuns: alta taxa de abstenção; manipulação demagógica, porque muitas vezes assuntos tecnicamente difíceis, sem debate verdadeiro antes da votação; por isto, geralmente, vitória de posições xenófobas, reacionárias. Saliento o xenófobas, porque era "leitmotif" a rejeição do estrangeiro. A propósito, falta nos textos de 12/3 alguma coisa de solidariedade com o miseravelmente excluído terço dos imigrantes. Estão a esquecer o que é a sociedade dos dois terços? Quem é que está mesmo à rasca? O licenciado quinhenteurista ou a minha empregada africana? 
No entanto, ao contrário da proposta do defensor da "democracia direta", havia e há algum bom critério neste processo suíço tradicional. Como também em algumas experiências pontuais americanas, por exemplo os caucuses ou a participação decisiva na vida comunitária do interior americano, escolas, obras públicas, administração. Na Suíça, as iniciativas são populares mas não de qualquer maluco que “posta” um delírio, exigem alguns milhares de proponentes. Em alternativa, são propostas pelos partidos. Passam pelo filtro legislativo e são suieitas a debate organizado. E, obviamente, não é coisa de clicar num botão, é voto tradicional, porque só quem fala tão primariamente em democracia direta pela net é que não percebe o risco de insegurança e de ilegitimidade do voto que isto tem. Mesmo assim, o resultado é criticável.
Depois, tão bom que seria eu e os meus leitores conseguirem perceber um projeto de lei, neste tempo de enorme complexidade técnica e económica, a possibilitar o “concordo”! Ou haverá alguém a fazê-lo por nós, também com toda a manipulação mediática e nética, qualquer Padre Malagrida senil mas até há pouco acarinhado por essa abencerragem que pontifica na SIC Notícias, ou qualquer Big Brother à espera do aplauso de milhares de "à rasca" que clamam por um Salazar que até foi "um homem sério, protetor da Pátria", embora defensor de uns "abanões a tempo"?
Depois ainda, o autor esquece que o parlamento é muito mais do que um órgão legislativo. É o órgão de fiscalização do governo, com poderes até de sua demissão por moção de censura. É um órgão de contra-poder em relação ao PR, podendo sobrepor-se aos seus vetos. É um órgão com competências muito importantes em relação à nomeação de figuras decisivas do Estado e a inquéritos sobre assuntos de grande relevãncia política. Como é que isto se faz pela net? 
Fico por aqui, acho que já basta. Estou muito interessado na potencialidade de emergência de novas ideias fecundas no fórum 12/3, mas não desejo ver-me submerso por um tsunami de coisas sem sentido. Amigos, 4, do 12/3, ficaram reféns de uma grande iniciativa para cuja sequência não estavam preparados, para a qual não têm ideias, nem se espera que as tenham. Mesmo assim, ou por isso, espero que organizem e filtrem melhor a discussão. Sei que estou a dizer coisa horrorosa: "filtrem". Coisa afascistada, a lembrar lápis azul. Um dia destes dar-me-ão razão. Limpidez e eficácia do debate, a caminho de rápida construção dialética de uma opinião mobilizadora, não tem nada a ver com censura. “Bom senso e bom gosto".


P. S. - Não se confunda democracia direta com democracia participativa. Sobre esta, muito importante, espero ter tempo de ainda vir a falar, antes das eleições, embora já a contra-relógio.

sábado, 19 de março de 2011

12/3 (V)


O povo está na rua. Ça ira! Les aristo et les banquiers. Estou velho - vá lá, maduro... - mas ainda capaz de ir "a la calle", a ouvir uma linda voz que conheço a cantar a Carmagnole. Porque nessa de diferenças entre gerações não alinho. A minha tem muito que contar!

Nota - O vídeo é de um esquecido mas magnífico filme, de Sacha Guitry, "Si Versailles m´était conté". Quem canta o Ça ira, não é preciso dizer. Melhor, para os mais jovens, aconselhar que vão ao YouTube procurar as suas coisas sublimes, Edith Piaf.

12/3 (IV)

Vi in loco a manifestação de hoje, convocada pela CGTP. Não vi a de sábado passado, não posso comparar. Pelas reportagens, a de 12/3 foi muito grande, dezenas de milhares de pessoas. A de hoje, pela minha estimativa, outro tanto.

Mas diferentes, e tenho pena. Hoje, visivelmente uma idade média mais elevada, outro aspeto, outro estilo, creio que não os mesmos de 12/3. Como escrevi, esperava que os manifestantes de 12/3 não tivessem entrado em pousio, que voltassem hoje novamente à rua, independentemente de a manifestação ter sido convocada, mais convencionalmente, de fora do seu mundo da rede social. Parece-me que fizeram rápido demais a guinada para um fórum de debate polítco, ainda pobre, para que não estão ainda preparados. A força do 12/3 é a rua.

Na rua, todos juntos. Não é preciso saber muita física para se ter a noção do que é a necessidade de massa crítica para a grande explosão.

Desvalorização pelos salários


Vou, como aqui tanta vez escrevi, pela opinião dos economistas (principalmente americanos, porque infelizmente os europeus ainda vão maioritariamente pelo toque de corneta prussiana) que acham que a competitividade da economia alemã - e dos seus apêndices - se deve, na impossibilidade de utilização dos instrumentos cambiais, à desvalorização do fator trabalho. Será isto posição de antigermanismo primário, de que já me acusaram? Será que essa desvalorização interna não é verdade?
O quadro acima, que fui buscar a Paul Krugman, é eloquente. Alguém fica com dúvidas sobre a evolução dos custos do trabalho (tendo em conta o fator desemprego)? Ou o Nobel conferido a Krugman premiou um idiota neo-keynesiano e anti-ultraliberalismo? 
Há uma coisa comum entre a mitologia económica alemã e coisa deles mais próxima de mim biólogo, o remorso e o medo irracional do passado. Quanto à biologia, refiro-me a toda a visceral objeção alemã à inovação biotecnológica, à aprovação pela UE de meios comprovadamente seguros, testados já em todo o mundo, para resolução do grave problema alimentar que ameaça o mundo, principalmente o mundo mais pobre. É o complexo da “eugenia”, da genética nazi, que lhes ficou. Quanto à economia, a memória pânica do pesadelo da inflação de milhares por cento ao ano, nos tempos de Weimar.
Por isto, o BCE, que de independente nada tem e também marcha em ordem unida, avisou logo de um aumento da taxa de juro ao primeiro sinal de risco de um pequeno aumento da taxa de inflação. Quanto vamos pagar, os periféricos, por esse aumento da taxa de juro? E, para manter a competitividade, como vai evoluir com isto a curva mostrada por Krugman?

Nota final - Não sei compreender os dados de 2008 e 2009. Alguém versado em economia me explica e aos meus leitores?

quinta-feira, 17 de março de 2011

Morte certa

Tendo-se acabado de ouvir Passos Coelho, creio que ninguém tem dúvidas de que o governo Sócrates já morreu com morte anunciada, embora sem merecer crónica. Quando o presidente do PSD afirma, com grande assertividade, quase agressividade, que o PEC 4 já é ajuda externa encapotada, quando arrasa todas as medidas em tom de defesa definitiva das vítimas, quando dá praticamente a entender que deixou claro a Cavaco que não conte com o PSD para mais um entendimento, quando afirma preto no branco que nunca negociará este PEC 4 com o governo, Passos Coelho corta todas as amarras e fecha todas as portas possíveis, a menos que seja tão inábil político que não perceba que não tem margem de manobra nem espaço de recuo.

Claro que o preço que o PSD vai pagar será toda a campanha do PS a tentar convencer as pessoas da sua abertura a negociações, do seu desejo profundo de evitar uma crise, do seu “sentido patriótico” de que uma crise de que não é responsável (!) é uma provocação aos mercados - já agora, também à Sra. Merkel…

Não se sabe se o PS vai apresentar um projeto de resolução, mas ninguém duvida de que haverá um, nem que seja o já anunciado pelo CDS. Com esta posição extremada do PSD, não se vê como deixará de ser chumbado o PEC 4, a não ser que PCP e BE, ambos e absurdamente, não votem contra o PEC 4.

O governo morreu de facto. No entanto, não tenho por certo que haja dissolução da AR. Pode convir ao bloco central comprometer o PR com um governo da sua iniciativa, por exemplo um governo Catroga.

O que é muito interessante, para quem reflete sobre a política - mas numa atitude interventora - é que se juntam temporalmente duas situações de crise, como não me lembro depois do 25 de Abril: uma crise política convencional, institucional; e uma crise social, com a agitação da rua. Nenhum dos dois processos pode esquecer o outro. Vai ser muito interessante seguir esta dialética (dialética, isso ainda existe?!...), tentar compreendê-la e agir em conformidade. A pergunta que fiz, acerca do 12/3, “e o que se segue?”, começa agora a ser premente, se o crescente movimento social quiser influenciar o momento político, não podendo menosprezar o grande papel (hegemónico ainda) da política de “gente bem composta”… Mas também qualquer solução no plano convencional viverá o que vive uma rosa (sem piada para o PS) se não tiver em conta os muitos mais 12/3 que virão por aí fora.

Foram talvez 50.000 na rua, sábado. Talvez sejam 100.000 depois de amanhã. Por cada pessoa que se levanta do sofá para ir à rua, há dez votantes mais passivos mas que sentem o mesmo, estão zangados. Temos um milhão de eleitores zangados, mas possivelmente também perplexos, confusos. Se houver agora eleições, em quem vão votar? No Pe. Malagrida?

quarta-feira, 16 de março de 2011

Afinal a ajuda europeia não é bem assim...

No Público, hoje:
As novas modalidades de flexibilização do fundo de socorro do euro (EFSF) só vão poder vigorar a partir do Verão, o que significa que, se Portugal precisar até lá de ajuda externa, terá de recorrer a um programa de resgate nos moldes da Grécia e da Irlanda.
Este calendário é provocado sobretudo pelas eleições legislativas de Abril na Finlândia, que não permitirão ao novo governo ratificar antes de Junho as decisões europeias de reforma do EFSF e de criação do mecanismo permanente (ESM), que o vai substituir depois de 2013. 
Ao mesmo tempo, a Alemanha, que tem de submeter as decisões europeias ao Parlamento, quer apresentar as duas decisões - EFSF e ESM - no mesmo pacote. O que significa que a reforma do EFSF que foi acordada em linhas gerais pelos líderes da zona euro na passada sexta-feira terá de esperar uns meses. 
Olli Rehn, comissário europeu responsável pela economia e finanças, precisou que o acordo global sobre a matéria, que deverá ser alcançado pelos líderes europeus na cimeira de 24 e 25 de Março, será apenas "político", com a confirmação jurídica a ocorrer "até ao Verão".
Com amigos destes, prefiro os meus inimigos!

terça-feira, 15 de março de 2011

Protesto lúcido ou zanga cega? (III)

Num texto anterior, fiz a minha “declaração de interesses” sobre a movimentação ou a revolta, se preferirem - eu prefiro, direi depois porquê - da “geração à rasca”. Manifestei a minha solidariedade com as suas legítimas razões de protesto, lembrei o que tenho escrito aqui sobre a limitações da democracia formal e sobre a importância da rua, como arena política (pacífica, como se deseja). Mas também expliquei as razões das minhas reservas e alertei para alguns riscos desta nossa versão, deslocada em relação ao Magrebe, de “revolução da net”. Dito isto, passo adiante focando especialmente o que mais me interessa, a possibilidade - por agora só possibilidade! - de mudanças significativas na ação política popular, porventura com mudanças importantes dos paradigmas da ação política.
Também quero arrumar a questão dos números. Como já reconheci, ao princípio enganei-me redondamente, com reportagens que agora vejo que eram de momento antes da chegada do grosso da manifestação. Também, vendo cada vez mais os vídeos e as fotos da manifestação, acho que se enganam todos os que falam em duas ou três centenas de milhares (que, por simples geometria, não cabem nos 50.000 m2 da Av. da Liberdade, mesmo apinhada - e que só estava meio cheia) e que até a comparam com as grandes manifestações a seguir ao 25 de Abril. É discussão sem sentido, porque faz falta um “multidómetro”. Indiscutível é que era muita gente, muitos e muitos milhares, e que visivelmente incluía muita gente que não pertence à tal geração.
Comparável com o 25 de Abril, isso sim, pelo que agora vejo nas filmagens, é uma mistura bonita de luta e protesto com alegria e festa. É nestas alturas que me dou ao luxo de “acreditar” em coisa muito duvidosa de que o salazarismo se serviu, a tese gilberto-freirista da luso-tropicalidade.
Passemos então ao que conta, “o que se segue”. Obviamente que, se não houver “o que se segue”, tudo isto fica tão inglório como o milhão de votos em Manuel Alegre, em 2006. É difícil escrever sobre “o que se segue”, quando se quer ser intelectualmente honesto, objetivo mas de cabeça aberta ao imprevisível (e eu sou cientista, como bem me lembra um amigo ao achar que eu fui demasiadamente emotivo no tal escrito anterior). O que tiro da jornada de sábado passado e, principalmente, da barafunda (sem sentido pejorativo) de opiniões e propostas de participantes do Fórum 12/3, é ficar preparado para qualquer surpresa. 
Maior perigo ainda, para alguém da minha “geração política”, é o de querer dar lições. Mas também não vou para o extremo oposto, calar o que, de alguma experiência e reflexão acumulada, pode ser útil para quem hoje tem a vontade e o ânimo, juvenilmente, mas num borbotão de ferida agora rebentada e ainda não assimilada. Vou tentar, não é fácil, uma atitude mista de rigor de análise, de simpatia, também de modéstia de velho no seu ninho da águia.
O que vem a seguir é já o próximo sábado. Há alguns que escreveram no fórum que um movimento destes só é verdadeiramente eficaz crescendo sempre, isto é, na rua hoje, amanhã, depois de amanhã. Lapidar! Poderá ser esta a grande diferença para outros grandes protestos que temos visto, por exemplo a célebre manifestação dos professores ou a última greve geral. Foram coisas de um dia, o governo deixa passar, ficam abafadas pela vertigem da mudança das notícias. Imaginam o que teria sido uma manifestação gigantesca a encher a Praça da Libertação, no Cairo, mas só num dia? O derrube de Mubarak custou semanas de ocupação diária da rua.
Neste tópico de discussão no fórum 12/3, registo uma atitude notável de alguns dos participantes. A convocatória para o dia 19 foi da CGTP. No entanto, muitos dos 12/3 escrevem que não lhes interessa quem convoca, que estão todos do mesmo lado, quanto ao essencial do protesto, independentemente de haver diferenças na diversidade de motivações pessoais. Vão lá estar no dia 19 os do dia 12 e agora também muitos que lá irão por via da mobilização da CGTP. Assim, espero não me enganar, agora ao contrário, não me surpreenderá que a avenida não chegue para tanta gente. Ainda por cima, entre 12 e 19, houve o PEC 4.
Da mesma forma, espero que a CGTP tenha a superioridade de reconhecer que o sucesso da manifestação do próximo sábado não se deverá apenas à sua inegável capacidade de mobilização. Esse reconhecimento abrirá a porta para coisa muito mais fácil e produtiva do que qualquer entendimento com partidos, coisa nova que será um verdadeiro diálogo de forças sociais, à margem do sistema partidário em crise. Com isto, ganha a CGTP uma coisa importantíssima: a comprovação prática, para muita gente com preconceito contrário, de que uma grande força social, sindical, pode ser partidariamente independente, sem prejuízo da legítima militância partidária de membros seus, dirigentes ou filiados.
No entanto, recordando algumas reservas minhas, desagrada-me que esta atitude bonita de abertura vá tão longe como aceitar que é igualmente importante marchar juntamente com os do “demitam os políticos”, movimento que continuo a caracterizar como protofascista, independentemente de saber, como já disse, que muita gente vai acriticamente atrás de um “slogan” demagógico, mas pessoas que de fascista obviamente não têm nada.
Da mesma forma, julgo ter origem bem intencionada, “estamos todos juntos na revolta”, o que li de solidariedade entre gente do 12/3 para com os camionistas, mas é atitude ingénua e pouco refletida. A ação dos camionistas conspurca a dos 12/3. É reacionária, egoista, de defesa de interesses de gente que não é nada “povo” e que não anda nada à rasca. Não são trabalhadores camionistas em greve, é uma mistura de empresários de boa dimensão e de empresários individuais. Ainda por cima, ação violenta, desrespeitadora dos direitos dos outros, mesmo colegas de profissão, ao contrário do típico civismo e respeito pela opinião individual dos piquetes das verdadeiras greves de trabalhadores. Não creio que nenhum 12/3 apoie o boicote e o apedrejamento a camiões de entrega de oxigénio e medicamentos aos hospitais. Mas está a acontecer! Meus amigos, nem tudo o que é protesto é justo.
Nota final. Porque prefiro falar agora de revolta, em vez de movimento? Pode ser picuinha terminológica, mas julgo que ainda falta a esta revolta a reflexão, compreensão das causas da crise, elaboração de propostas, que então justificarão plenamente a designação de movimento. Espero é que não partido…
P. S. - Em homenagem à sigla engraçada que os criadores do fórum estão a usar, vou passar a usar nesta série de escritos o simples título “12/3”. E que não se fale mais em gerações, porque todos estamos à rasca!… 

Um par de duques

A princípio, fiquei confuso com a comunicação de hoje de Sócrates (JS). Onde é que ele quer ir? Qual é o trunfo que tem na mão? Está a fazer “bluff””? Só depois caí em mim, a pensar que não se pode analisar JS como se fosse uma pessoa normalmente previsível, porque bem dotada. É um jogador sem escrúpulos, mas mesmo como jogador de poker, é uma desgraça, os seus “bluffs” são pateticamente transparentes.
Houve dois capítulos, não muito coerentes entre si, na comunicação. O primeiro é o do ataque ao PSD, indiretamente a Cavaco, sobre o qual não há nada que mereça ser dito. Simples guerrilha, antecipação ao efeito mediático que o outro senhorito pode tirar da ida reverencial ao paço.
Mais importante é o tal “bluff”: este governo vai ficar como o governo que evitou a ajuda externa! Isto quer dizer que, se não evitar, põe baraço ao pescoço, como Egas Moniz. Que vai à vida. Mas por si, por coerência e dignidade? Não, aqui é que está o “bluff” de quem só tem uma mão de par de duques. 
Ou todos os economistas, analistas, especuladores no mercado, até “fontes anónimas” europeias, estão loucos, ou quase 8% de juro são de facto 4%, ou Portugal, nos próximos tempos (pelo menos no grande pagamento de dívida, creio que em abril) vai mesmo recorrer à ajuda externa. Ou a possibilidade de o FEEF comprar a nossa dívida no mercado primário vai ser suficiente? Tudo o que li nestes dois últimos dias vai em sentido contrário. 
A notícia de hoje no Público é transparente. “As modalidades da assistência a Portugal do fundo de estabilidade do euro (EFSF) já estão praticamente acordadas, faltando pouco mais do que o acordo final dos Governos europeus sobre uma resposta global para a crise da dívida soberana e a formalização do pedido de ajuda por parte do Governo.“
Mas então JS, jurando que não vai haver ajuda, comprometendo-se solenemente, pondo a corda ao pescoço, é suicida? Não, joga é na aldrabice.
Primeira aldrabice, para que já aqui alertei. Vai tentar jogar com a relativa ignorância da opinião pública e com os seus fantasmas. Vai tentar identificar ajuda externa com o diabólico FMI, como se o FEEF fosse menos malévolo. “Vêem, consegui que viesse o FEEF, mas não o FMI!” Quanto apostam?
Segunda aldrabice. Sabe que a ajuda externa causará uma convergência de ações contra ele, provavelmente fatal. Moção de censura, recusa do PSD em se comprometer mais, com apoio tóxico às contrapartidas da “ajuda”, possivelmente mesmo a dissolução da AR. Então, começa desde já com a cena do grande resistente à ajuda e depois arranjará maneira de a baralhar com a “crise” desencadeada por outros, como se essa crise não tivesse nada a ver com a aceitação por JS da tal ajuda. Até vai mostrar que a necessidade da ajuda foi consequência da crise. Mas, ah!, é que nessa altura, a aceitação da ajuda será, repentinamente, um grande gesto patriótico, largo e magnânimo. Talvez até impedido pela crise. O descaramento não tem limites.
Terceira aldrabice. Joga hoje com coisa que ainda dará muito que falar, a incerteza sobre o que foi o resultado das discussões europeias deste fim de semana. Procurei ao máximo informar-me, mas estou perplexo. Sem dúvida, uma imposição alemã, mais uma, ao conseguir que fosse aprovado o pacto de competitividade antes de qualquer outra discussão sobre a flexibilização do fundo. Primeiro, a vénia. Legislação ou até constitucionalização dos limites do défice e da dívida, generalização da idade de reforma nos 67 anos à alemã, não indexação de salários, nivelação das taxas de IRC. Para além de coisa mais antiga, a que hoje JS aludiu, a necessidade do "visto prévio" europeu (europeu?...) ao orçamento de Estado (Estado, isto existe?...)
O resto logo se vê, e só vi de certeza o aumento da disponibilidade do fundo. Quanto a tudo o que poderia justificar o otimismo de JS em relação a uma ajuda diferente da que foi dada à Grécia e à Irlanda, pouco ou duvidoso. Linhas de crédito? Não li. Juros mais baixos, talvez. Compra de dívida? Parece que sim, o que será bom mas não sei se suficiente. Então o que ganha JS com nada de radicalmente novo no FEEF? Ganha muito para quem vive só ligado a uma garrafa de oxigénio: ganha duas semanas, até à cimeira de 24-25. Triste país, cuja política já só se mede por semanas! E duas semanas que custam o enorme preço da promessa de um PEC 4, mesmo que só para 2012.
Quando é que haverá um Wikileaks que nos revele, preto no branco, o que foi a conversa de Berlim e o que foram as juras de lacaio nesta reunião de Bruxelas? 
“E pur, si muove”. A notícia de hoje que mais me surpreendeu, também vinda no Público, limito-me a transcrevê-la. Não sei se devo acreditar.
“Os apelos para a demissão de Sócrates alastraram-se também ao PS, ainda que com propósitos diferentes daqueles que são defendidos pelo PSD. Na última reunião da bancada parlamentar do PS, um dia depois da tomada de posse do Presidente da República, essa solução foi patrocinada por vários deputados, que, sabe o PÚBLICO, acreditam ainda que essa será a decisão mais adequada à actual situação. Vários dirigentes entendem que o Governo e o PS vivem num impasse - os motivos vão desde a certeza de que o Orçamento para 2012 não será viabilizado até à ausência de diálogo parlamentar, passando ainda pelo discurso de Cavaco e pelo descontentamento geral do país, traduzido nas manifestações de sábado. "O PS não pode governar o país durante seis meses com medidas duras, sabendo de antemão que vai cair. Isto é um cenário de insanidade política", assumiu um dirigente nacional do PS.

Francisco Assis, líder parlamentar do PS, não falou em "insanidade política", mas não esteve muito longe disso. Ontem, alertou para a provável crise política que se adivinha: "A estabilidade política está posta em causa" devido à posição do PSD de não aprovar o novo PEC. E defendeu que o partido e o Governo devem proceder a uma "grande reflexão": "O Governo, o grupo parlamentar e os órgãos do partido têm que, nos próximos dias, ponderar seriamente esta nova situação criada na vida política portuguesa."
A latere - sobre o PEC 4, escreverei mais tarde, mas hoje há coisa que me toca fundo, como golfista empenhado que sou. Este governo está a cuidar dos meus interesses. Não vou ter de pagar os “green fees” a 23% de IVA, porque, no quadro do PEC 4, o governo entendeu que era de interesse nacional fomentar esta grande fonte de receita turística. Como se os abastados golfistas estrangeiros que vêm para os hotéis estrelados do Algarve com campos de golfe dessem pela diferença do IVA entre 6 e 23%! Entre o buñueliano charme discreto da burguesia e a boçalidade berrante da sabujo-burguesia desta gente vai um abismo de distância.

sábado, 12 de março de 2011

“Acabou! Sócrates fora. Já”!

Roubo este título ao meu caro José Correia Pinto, para marcar uma coincidência. É que ainda ontem à noite, mais ou menos à hora em que ele escrevia o seu “post”, conversava eu com quem bem me entende sobre coisa que me estava a atormentar como “mixed feelings”. 
Dupont ou Dupond, eis a questão! Nunca fui adepto do “quanto pior melhor” e julgo ter o sentido das diferenças. Não tenho dúvidas de que o senhorito Passos Coelho e a sua corte de economistas de serviço são visceralmente, estruturalmente, mais perigosamente neoliberalistas do que o senhorito Sócrates e os seus rapazes, que até, na sua cultura política e económica rasteira, talvez nem saibam muito bem o que isso é. Não tenho dúvidas de que o atual governo, mesmo que minimamente, ainda está um pouco mais condicionado pela sua base partidária de apoio do que um governo PSD-CDS. Nada me devia levar, em princípio, a preferir um governo de direita +++ a um governo de direita + (melhor, ++).
Todavia, será mesmo possível que qualquer governante de direita com o mínimo do sentido da sua sobrevivência política possa ir mais longe do que Sócrates na política de austeridade (veja-se a reação inequívoca de Passos Coelho ao PEC 4 agora anunciado)? Ou, se o fizer, não será por imposição externa? Mas então, será que Sócrates é mais resistente a essa imposição?
Então, afinal nada de absolutamente importante se me sobrepõe a uma simples questão de vergonha, de dignidade, de estar bem comigo: eu não posso votar num chico-esperto, num videirinho, num aldrabão, numa plasticina ética, sem estar a renegar tudo o que dei de educação aos meus filhos; eu não posso admitir que o meu país seja simbolizado por tal criatura; eu não posso ser cúmplice da intoxicação mental e ética a que ele submete os meus concidadãos; eu não posso pactuar com o sistema de corrupção, de ofensa ao valor do mérito, de cumplicidades de confraria quadrilheira em que ele baseia toda a sua máquina de poder e com que conspurcou um partido que, não sendo o meu, era essencial à democracia e a uma ideologia de esquerda, em sentido lato.
Isto do PS até talvez permita coisa que alguns acharão utópica. O PS está hoje letárgico e Sócrates secou a capacidade de debate, de reflexão ideológica e política do partido. Sabe-se bem porquê. Muita gente honesta não quer dar pretexto a acusações de desgaste do governo, mas principalmente muita gente do aparelho depende cada vez mais da corte socrática. Porém, se o governo cair, se o PS perder eleições, muita coisa pode mudar no PS e a sua ala mais aberta à esquerda, liberta da pandilha socrática, poderá ter mais força para uma inflexão política, no sentido da convergência, na oposição, com o PCP, o BE, o movimento sindical e movimentos sociais alternativos.
Dito isto, se não quero votar Dupont nem se me ocorre votar Dupond, o que me resta? PCP ou BE? Por razões que agora seria longo explicar, para mim não. Resta-me um voto que não tem sido devidamente explorado, mas que pode ser usado com significado político afirmativo, de rejeição do enquistamento do atual quadro partidário: o voto em branco (não a abstenção). Isto não é assim tão irrealista como possa parecer. Nas eleições desde 2002 até 2009, a votação no conjunto dos “partidos de poder” (PS-PSD-CDS) desceu 8%, enquanto que a percentagem dos votos brancos subiu 80%, tanto como o conjunto de PCP e BE. Com os 1,74% de votos em branco de 2009, ter-se-ia eleito um deputado, se fosse um partido. E nem falo dos 4,3% das últimas presidenciais, porque admito desde logo a crítica de que se trata de eleições de natureza diferente. Perguntar-me-ão: isto não vai diminuir o resultado, importante para a oposição, do PCP e do BE? Creio que não, que são eleitorados diferentes. Estou a pensar muito mais é nos descontentes que estão a engrossar a abstenção.
Ora aqui fica o desafio a todos os "web 2.0": nas próximas eleições, seja qual for o motivo do protesto, o que vale para facebook, mail, twitter, sms, é “vota em branco!”
Assim, como diz o título que “roubei”, acabou! Sócrates fora, já! Porque já é questão de saúde pública!Sócrates transformou este país n"um bairro aonde miam gatas, e o peixe podre gera os focos de infecção!"

Protesto lúcido ou zanga cega? (II)

Lamentavelmente, não me enganei. Segundo alguma imprensa, "vários" milhares de pessoas, até a encher a avenida, indo ao delírio do Diário de Notícias a escrever online que comparável à célebre manifestação dos professores. Segundo outras notícias, até 10.000 participantes. Com algum treino de contagens, pelo que vi na televisão, diria que 5,000, no máximo. Um “flop”. Ainda por cima, com a participação, mesmo que simbólica de membros do grupo de extrema direita “Oposição Nacional” e, pasme-se, de skinheads. E Sócrates a rir-se!

P. S. (13.3.2011) - Vendo fotografias hoje publicadas, parece que me enganei redondamente na avaliação do número de manifestantes. Não tinha visto fotos panorâmicas, apenas tomadas de vista na televisão, que me iludiram. Bem bom que me enganei! Mostra-me que começa a haver condições para que a zanga amorfa que todos nós testemunhamos no dia-a-dia possa vir a dar um um movimento consequente, de rotura social que não parece vislumbrar-se como possível só por via eleitoral.

No entanto, continuo convencido de tudo o mais que manifestei como reservas em relação a este "movimento Facebook". Talvez Sócrates não esteja a rir, mas com medo é que também não está. Até que a rua se encha, dessa vez sim, com uma revolta mais ampla e mais consequente. Entretanto, mesmo com as reservas que manifestei, é positivo que esta manifestação tenha tido dimensão, o que permite ficarmos à espera de novas ações; volto a dizer que esperando que com mais força de ideias e consequência. Perguntarão o que penso, afinal. Se não sou contraditório? Olhem que não... Afinal, tenho manifestado a minha opinião de que é muito importante o "en la calle". Por isto é que receio que se desbarate ingloriamente esta arma política.

P. S. 2 (13.3.2011, 15:03) - Não quero entrar na velha guerra da contagem de cabeças nas manifestações. Em tempos de militância partidária um pouco contestatária, eu era mal visto por chamar a atenção para que certos números epicamente propagandeados, por exemplo em situações em que era fácil conhecer a área, digamos que do Terreiro do Paço ou da Alameda, significavam a impossibilidade de arrumar uma dúzia de pessoas num metro quadrado. Por isto, ficou-me um pouco atravessado o mea culpa que tive de fazer, honestamente, no P. S. anterior. Fui ver tudo o que há de reportagens no You Tube, de vários ângulos, em vários momentos. Os meus 5000 claro que não correspondem à verdade. Mas obviamente que não os 300.000 de que fala a organização. É pena que coisa que se pretende diferente seja, como por exemplo neste aspeto, tão semelhante ao "déjà vu". Já agora, o que é isto de organização? Isto não era uma coisa espontânea, da net?

quinta-feira, 10 de março de 2011

Protesto lúcido ou zanga cega?

Quem me conhece ou me tem lido certamente sabe que sinto como minhas as queixas da "geração à rasca" e que, portanto, compreendo e apoio, no essencial, a manifestação de 12 de Março. Uma ação pontual, como esta, é sempre útil, como contributo para uma luta mais ampla. No entanto, em política, não basta estar-se a favor ou contra, é preciso que a ação seja consequente e eficaz. Daí a análise que se segue.


 As pessoas estão zangadas, e com toda a razão. Tem de se reconhecer esta legitimidade sem se invocar limitações elaboradas, como “é uma atitude irracional, não tem como fundamento a compreensão da crise” ou “não têm o direito de protestar se não apresentam alternativa”. Qualquer destas coisas é de inteira verdade em relação às forças políticas convencionais e seus dirigentes, mesmo os seus militantes, também a quem promove e organiza ações políticas, mas claro que não relativamente ao Zé Povinho, a quem lhe basta - ou melhor, nunca bastou em termos de resultado prático - o valente manguito. 
E que “en la calle” é coisa muito importante como força de rotura de equilíbrios precários no sistema político estabelecido, já o escrevi aqui uma vez e outra, embora com as reservas que vêm do sentido da oportunidade política e das condições mínimas necessárias para o sucesso, no momento ou à distância. Também me parece claro que não estou a pensar em barricadas revolucionárias à comuna de Paris ou ao vendaval europeu de 1848, mas sim em sinais fortes para fazer pensar ao “sistema” e seus atores que devem ter presente o risco de passagem brusca e incontrolável para o caos, a violência, a anarquia, porque o povo já não quer e os dirigentes já não podem (velho renano!). 
Dito isto, posso estar enganado - gostaria de estar - mas não alinho no apoio acrítico à manifestação do 12 de Março. Pior, às manifestações, porque não me parece que haja só uma. É fácil beijocar o ego dos jovens neopolíticos (nem todos o serão, mas a história mostra que muitos virão a ser e daqui a uns tantos anos estarão no parlamento, esquecida a rua). É fácil esconder a demagogia e o paternalismo hipócrita de tal afago, “com os olhos doces” (até, pasme-se, em discurso de posse do presidente da República). Mas eu não vou por aí! “Há, nos olhos meus, ironias e cansaços”.
Vamos por partes, numerem-se.
1. Política web 2.0
Um milhão na rua? Pode ser figura propagandística, mas é tolice, politicamente, dizer tal coisa. Para já, parece que não mais do que 50.000 pessoas, utentes do Facebook, manifestaram acordo. Como sou casmurramente contra ter uma conta Facebook, não sei muito bem o que isto quer dizer, mas parece que é só coisa muito fácil, clicar num botão de "concordo" ou coisa do mesmo tipo. É muito mais fácil do que sair de facto à rua, e fica bem apoiar virtualmente, sem esforço. Veja-se aliás o caso de Viseu, em que a mobilização foi de umas dezenas de jovens.
Então o que nos separa da capacidade de mobilização pela net, no Egito? Em primeiro lugar, a “revolução pela net” egípcia foi preparada desde há pelo menos três anos, como hoje se lê em entrevistas dadas pelos jovens dirigentes que agora apareceram. As redes sociais tinham já um grande componente de agitação política, ao contrário do Facebook português, que serve para tudo mas onde raramente vi - quando por lá andava - discussões políticas. Não é agora que se faz uma rede política sobre uma rede de coisas gerais e de conversa muitas vezes fiada.
Qualquer pessoa com traquejo de atividade política percebeu que o movimento egípcio estava muito bem organizado: piquetes, controlo e encaminhamento nos acessos, distribuição de água, montagem de tendas, etc.; e que a articulação com os militares foi decisiva, a partir de certa altura. Em Portugal, no âmbito desta movimentação, o que se viu até agora foi uma arruaça de umas dezenas de jovens, como disse acima, com comportamento incivil, em Viseu, coisa que só beneficiou Sócrates. Não há garantias de que tanto a ineficácia dessa mobilização como o comportamento incivilizado não se repitam em próximas manifestações, com descrédito para as boas intenções, que reconheço. Tiro no pé! E não se esqueça que no Cairo a rua só venceu depois de mais de 300 mortos. Já alguém escreveu no Facebook português que está disposto a morrer pela revolução?
Depois, a net pode ser um bom instrumento mas não generaliza situações muito diferentes. Portugal é uma democracia, pelo menos no sentido formal e convencional do termo. O sistema partidário ainda é, para a maioria das pessoas, o sustentáculo da democracia, mesmo que merecedor de muitas e muitas críticas, desabafos, anedotas, manguitos, ao contrário do Magrebe em que os regimes eram na prática de partido único, suporte da corrupção. 
Finalmente, e talvez decisivamente diferente, não há qualquer comparação em relação à situação social e económica entre os nossos jovens à rasca (no caso presente, particularmente os licenciados, entenda-se), mas filhos de pais que ainda os sustentam e lhes dão carro, futebol e discoteca, de qualquer forma privilegiados em relação a todos os muitos mais jovens desempregados com o 9º ou 12º ano, fora as quase analfabetas operárias têxteis do Norte, no desemprego; não há comparação, dizia, com a situação verdadeiramente proletária dos jovens da Praça da Libertação.
Não se esqueça, por exemplo, que a grande agitação popular de rua, em Paris há poucos anos, foi um fogacho, quando tinha por detrás as tais condições favorecidas de comunicação e mobilização, não tanto a net, mas igualmente eficaz o boca-a-boca dos bairros de emigrantes da “banlieue”. Mais elucidativo o caso grego, com agitação que até já vem de antes da crise, mas que ainda não conduziu a nenhuma alteração da política austeritária do camarada helénico de José Sócrates. E nem é preciso ir bem atrás na nossa história, sobre o significado real da aventura empolgante mas inglória da Marinha Grande de 1934, que até foi, mal ou bem, apodada de “anarqueirada”. 
2. “Geração” à rasca? O que é isto de geração?
Outro aspeto que me deixa confuso, com alguma dificuldade de análise, é o caráter vincadamente geracional deste protesto. Primeiro, a solidariedade intergeracional é coisa essencial do estado social que nos caracteriza, apesar de em risco: os mais velhos têm a suas reformas garantidas pelos descontos laborais dos mais novos, os mais novos têm a sua educação garantida pelos impostos dos mais velhos. 
Segundo, parece sobrevalorizar, na crise política e social que cheira a fim de ciclo histórico, uma camada muito limitada da população, os jovens à procura do primeiro emprego ou com emprego precário. E os desempregados na casa dos cinquentas, que dificilmente voltarão a conseguir emprego? E os velhos, a viverem tão frequentemente em condições desumanas de abandono, miséria, tristeza absoluta de vida? E os agricultores destruídos pela política agrícola comunitária? E as vítimas da deslocalização de empresas que já não podem viver mais da mão de obra barata? E os imigrantes, que também são nossos irmãos?
Terceiro, invocar-se direitos ou especificidades geracionais pode ter preço. Eu tenho quem esteja sempre a fazer-me de grilo falante, “tenta compreendê-los, estás a ser saudosista e até um pouco arrogante”. Eu vou sempre por esses conselhos, mas se os jovens começam a querer destacar-se como tal, estou no direito, como alguém que lida muito com jovens, de apontar, erradamente, repito, outras “características geracionais”: incultura (em termos clássicos), egoismo, falta de gosto e de sentido estético, até, frequentemente, a mais elementar falta de maneiras e de gentileza (ainda hoje um aluno me fechou a porta na cara, depois de quase me ter atropelado). Insisto que só estou a apontar, por absurdo e de forma snob, os riscos de uma atitude geracional, que é pau de dois bicos.
Quarto, em política deve-se sempre perguntar “a quem serve o quê”. A quem interessa confrontar gerações? Claro que aos que sempre dividem para reinar, dividir naturais e imigrantes (e a filha Le Pen à cabeça nas sondagens!), dividir trabalhadores dos setores público e privado, e mais.
3. Confusão ideológica
Escolhi propositadamente o termo, ideológica, por saber que me vão perguntar “o que é isto? Coisa de esquerda e direita, diferença bolorenta?”. Esta é a atitude típica de quem, velho, adulto ou jovem, está formatado pelo sistema, pelos media, pela opinião hegemónica, pela escola, por todos os instrumentos de alienação, para não perceber que é improdutiva a simples acumulação desorganizada de valores e objetivos, mesmo quando de mérito, para perceber, ao invés, que a capacidade de intervenção e transformadora exige alguma sistematização. Desculpe-se-me a vulgaridade desta afirmação, mas é importante para a clarificação do que se está a passar de revolta, zanga, protesto, com exemplificação na chamada à rua no dia 12.
Comecemos pela convocatória do trio do “Manifesto da geração à rasca”. Mesmo descontando as  reservas em relação ao risco de “flop” e ao vício de geracionalidade, e também descontando exageros desmentidos pelos factos - “60% dos jovens licenciados estão a trabalhar em lojas ou em call centers”, como escreve erradamente uma participante - o manifesto é, no essencial, uma denúncia que qualquer pessoa socialmente empenhada subscreve, um protesto justo contra a desqualificação do capital humano, contra a precaridade, o desemprego, a exploração. 
No entanto, se as razões são válidas, em termos absolutos, já não o são em termos relativos, quando focados principalmente nos licenciados ou diplomados em geral. É bem sabido que, quanto mais elevado o nível de habilitações, menor é o nível de precaridade. Comparado com um desempregado da mesma idade mas com menor escolaridade, o diplomado entra mais rapidamente no mercado de trabalho, passa em média por menor tempo de desemprego e tem maior probabilidade de reencontrar trabalho a nível mais qualificado.
Também, repito, não há no protesto uma única frase de diagnóstico, de situação deste problema na crise geral do sistema político e económico. Nem sequer alguma coisa de frescura de linguagem em relação ao discurso tradicional de partidos e sindicatos. Para geração da net, queria-se mais. Maio de 68, apesar da sua inconsequência, foi muito mais imaginativo. Este convencionalismo de agora, associado à estreiteza social do protesto, faz recear que, se porventura vierem melhores tempos, muitos dos contestatários de agora, conjunturalmente, se adaptarão facilmente ao sistema, mesmo que na sua margem eticamente mais confortável - Danny le Rouge... - até serem então objeto de contestação em novo ciclo de protesto geracional.
Talvez por esta falta de novidade - novidade não se pode limitar à utilização do Facebook ou do Twitter - é que não evitam, se até talvez nem lhes desagrade, encobertamente, a colagem de partidos e juventudes partidárias, ao que consta (admito que não posso confirmar e que possa estar errado). 
Reconheça-se, todavia, que há um aspeto novo neste protesto, como escreve um dos seus ativistas (ao que suponho), Pedro Loureiro: “há um tronco comum de razões (…) mas depois cada um tem as suas razões próprias para se manifestar. É uma manifestação costumizada”. 
De facto, no inquérito promovido pelo Público, aparece uma grande lista de motivos, desde o desejo de reconversão dos partidos até à exaltação patriótica, desde a afirmação da cidadania à solidariedade com os desempregados mais velhos (muito bem!), desde a defesa de um novo paradigma do bem comum até à defesa da iniciativa privada independente do Estado. E até demagogia inaceitável em jovens “puros”, como opor a nova geração em risco de degradação da sua futura segurança social à geração anterior beneficiada com reformas de 6000 euros de pessoas de 50 anos (apesar dos escândalos, e sem os desculpar, afinal quantos, na atual geração de pensionistas?). 
Isto tem um risco. Afinal, quanto a colagens, nada mais fácil quando um movimento como este é tão difuso (mesmo que reconhecendo-se que esta difusibilidade tem aspetos positivos). Outros estão já a tentar cavalgar a onda. Um exemplo é a secção portuguesa do Zeitgeist, que já anunciou o dia 12 como um dos seus dias Z. É movimento quase ignoto, mas a ter como exemplo de muita coisa anarquizante, niilista que anda por este mundo fora, ao estilo de seitas, em tempos novamente milenaristas de perplexidade, angústia coletiva e falta de perspetivas. 
Como é regra da segunda geração destes movimentos ou seitas, tem um discurso moderno, em defesa de uma economia sem dinheiro e baseada nos recursos (faz-me lembrar Pol Pot, desculpem o exagero…), filmes que andam no YouTube com longas preleção eclética de pseudo-erudição psicológica e económica, mais o velho maltusianismo da escassez dos recursos, mas tudo ao serviço de ideais consensuais, combate à fome, à guerra, à injustiça. Na prática, um guru com um fantasista projeto Vénus, a que não faltam naves espaciais, veículos de levitação magnética e, claro, uma planificação estrita e totalmente centralizada (por quem?) com base científica e tecnológica. Orwell não inventou melhor!
Do Zeitgeist não se desmarcou o grupo do Manifesto, mas, acertadamente porque senão seria escandaloso, foi obrigado a desmarcar-se do “demitam todos os políticos”. É gente que não dá a cara e cujo posicionamento se desconhece. A sua petição é, essencialmente, a reprodução de um texto confuso que anda pela net já desde há algum tempo e que, de tão desconchavado, não percebo se é de autoria de gente muito hábil a passar por falso-tonto ou se de autor mentalmente pobre.
Com efeito, é uma mistura de coisas consensuais, de reclamações sobre factos inventados ou insignificantes, de protestos demagógicos. Coisas consensuais como a proibição da utilização privada de meios do Estado - por exemplo, automóveis -, acabar com organismos públicos e empresas municipais inúteis, reforma do sistema de administração autárquica, acabar com pareceres jurídicos que estejam ao alcance da administração, ressarcimento do pagamento do Estado ao BPN e ao BPP, etc. 
Também coisas duvidosas ou insignificantes, como acabar com as “mordomias” (?) dos ex-presidentes da República, com o pagamento de viagens às ilhas dos seus deputados, com o financiamento público da RTP (porquê só esta, entre todas as empresas públicas?) e até verificar e auditar os parquímetros. Esta faz-me lembrar uma célebre carta reinvindicativa de soldados a seguir ao 25 de Abril que, depois de uma lista importante, terminava com a reclamação de uso de sapatos em vez de botas.
Finalmente, não podia deixar de ser, a demagogia, que tanta gente bem intencionada ecoa, da redução do número de deputados, velha pretensão do bloco central, que assim veria diminuída a representação da oposição.
Mas ainda mais finalmente, a grande reclamação: “um milhão de pessoas na Avenida da Liberdade pela demissão de toda a classe política”. Isto é fascismo puro e duro, embora encapotado porque sem a designação aberta de um chefe que nos vem salvar de toda a classe política. Isto não é dito por qualquer padre Malagrida senil. Isto anda pela net, em milhares de mensagens. Isto é-me reenviado por pessoas honestas, como eram honestos muitos milhares de analfabetos políticos que seguiram Salazar. Se isto é a nossa versão de “revolução Facebook”, fico com medo da net como instrumento político. Não há hoje arma mais perigosa do que o botão “Send”.

Nota, em P. S. - A questão do desemprego de licenciados tem levantado outra, a da desadequação da oferta de educação superior, "com cursos a formar para o desemprego".  É uma visão obsoleta, de um utilitarismo educativo que já foi arrumado pela volatilidade atual do conhecimento e pela constante mudança no perfil do trabalho superior, em que mais importante são as competências transversais. Nos EUA e no Reino Unido, com a sua tradição newmaniana de educação liberal, é menor a percentagem de empregados que possuem um curso diretamente ligado ao seu emprego (com exceção óbvia de advogados, médicos, engenheiros, etc.) do que de matemáticos a trabalhar num banco, historiadores num jornal, licenciados em línguas a trabalhar em editoras, etc.. Até se conta sempre a anedota, real, de que a maior concentração mundial de falantes de grego clássico é a City de Londres. Já discuti isto aprofundadamente e voltarei ao tema, em próxima entrada.

P. S. (2), 12.3.2011. No Público: "O protesto da Geração à Rasca, que se diz apartidário, vai afinal contar com a presença de deputados e militantes de partidos. Membros da JSD, da JCP e do BE vão marcar presença". Não é bom indício, não promete a novidade neste protesto.