quarta-feira, 4 de maio de 2011

Uma não-notícia

Um velhíssimo Diário de Notícias trazia uma notícia bizarra: “SS MM e AA passam bem de sua real saúde”. É uma não-notícia ridícula. “No news, good news”. Foi o que, abismado, ouvi ontem fazer Sócrates. Não veio anunciar o que estava no acordo com a santíssima trindade, veio dizer o que lá não estava. Veio dizer que não haja medo porque o leão não fugiu do circo; veio dizer que a família do Zé deve estar muito feliz e a abrir champanhe porque ele não morreu; não disse foi que o Zé está internado nos cuidados intensivos com um enfarte e mais um AVC.
Ainda há vinte anos, havia gente muito respeitável, inteligente, com dignidade, nos órgãos de debate e decisão política dos partidos. Hoje, os seus sucessores são figuras decorativas e para disfarçar a degradação do sistema político, neste tempo em que emergiu a geração Barroso (vá lá, mesmo assim…), Santana, Sócrates, Passos Coelho. A direção dos partidos depende de facto é dos luíses que dizem se Sócrates fica melhor olhando para um lado ou para outro, é dos abomináveis gabinetes de comunicação de mercenários que servem tudo e todos, como se a política fosse cinicamente puro negócio. É esta gente, mais quem lhes paga, que é responsável por agressões despudoradas, como ontem, à inteligência das pessoas.
Todavia, não se pense que uma não-notícia pode ficar-se por um truque propagandístico. Pode ser mentira, como neste caso. Fico-me como exemplo por uma negação essencial da comunicação do PM, hoje repetida à exaustão, em particular pelo cada vez mais visivelmente nº 2 do PS, embora personagem parda, Silva Pereira: “o acordo não é, essencialmente, mais gravoso do que o PEC 4”. E que, em 2011, não são necessárias mais medidas punitivas. É descarada mentira. Compare-se o PEC 4 e o já divulgado memorando de entendimento(o acordo que vai ser assinado amanhã, com data de ontem - curioso!).
Vamos ter “eleições” daqui a um mês. As aspas significam a falta de verdadeiro conteúdo democrático, de capacidade popular de escolha, dessas eleições, em que muito pouco fica de margem de manobra de decisão para o futuro parlamento e para o futuro governo, simples capatazes dos donos do resgate. Em boa parte por causa disto, para disfarçar, a santa trindade interna vai-nos massacrar com propaganda, demagogia, falsidades. 
Daqui a um ano ou dois, terão de ser responsabilizados por tudo o que mentirem. Até porque não se pode excluir que daqui a um ano ou dois não se esteja outra vez em eleições. A memória é curta. Não se esqueceu já que ainda há dois meses Sócrates jurava que nunca governaria “com o FMI”? E não está a concorrer novamente? Por isto, vou fazer, e aconselho, um exercício tradicional, “pro memoria”: um livro de recortes, hoje facilitado por simples gravação para o meu computador de tudo o que se vai noticiando “online”.
Volto a ontem. “Um bom acordo!”. Só num aspeto concordo: o acordo é muito mau, mas podia ser péssimo. Parece que já estamos tão baixo na nossa capacidade crítica e de reação que alguém se vangloria de a desgraça não ser tão desgraça como ainda mais fantasticamente poderia ser. Este dizer “um bom acordo” é tão obsceno como igual afirmação feita à saída de um avião, há 73 anos, agitando um papel, por uma triste figura regressada de Munique, de seu nome Chamberlain. 
Nota final - Com isto, mais uma vez adio a minha partilha de dúvidas sobre o que me atrai mas que não domino como problema económico, a reestruturação da dívida. Entretanto, vou recolhendo informação, como a do artigo de hoje de Luís Daniel Abreu, que me parece desapaixonado e que aborda um aspeto que não conheço bem, o do “short selling”, afinal uma nada bem intencionada pressão para a reestruturação. Será? Os economistas que discutam, esclarecendo os não especialistas. Afinal, é principalmente isto que eu desejo escrever um dia destes sobre este assunto. Que quero ser esclarecido, até porque, quanto a isto, vai ser muito decisivo para o meu voto. Parafraseando, às avessas, pequeno voto para um país, mas grande voto para mim.
(A imagem refere-se ao Barão de Münchausen, cujas aventuras li deliciado em miúdo. Lembram-se?)

P. S. (5.5.2011) - Não discuto se com ou sem razão, a "troika" disse agora claramente, na sua conferência de imprensa, que o PEC 4 teria sido insuficiente e que, por isto, fica muito aquém deste acordo. Fico a pensar que não disse asneira quando, sobre isto, acima, acusei o primeiro ministro de mentiroso. Como se tivesse sido só esta vez...

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