sexta-feira, 13 de maio de 2011

Que confusão!

Não quero crer que o BE tenha tais infantilidades técnicas como essa da tal carta ou memorando ao FMI sobre a taxa social única, esgrimida no debate com Sócrates. Devo ser eu que estou enganado. Não é possível que Louçã, Fazenda e outros não conheçam a diferença entre um tradicional memorando informativo e os hoje muito na moda memorandos de entendimento (“memorandum of understanding”, MoU), com natureza, objetivos e valor jurídico completamente diferentes. Vou fazer o jogo do adversário, com este comentário? Pelo contrário, a esquerda só se credibiliza quando a sua gente mostra sentido crítico, principalmente em relação aos mais próximos.
Recordemos. No debate com Sócrates, Louçã baseou-se numa "carta oficial para o FMI", com um compromisso do governo, e sem dizer qual a sua data. Bastante trabalho me deu encontrar essa “carta”. Afinal, não é nenhuma carta de compromisso. Espanta é que o governo, desmentindo que tenha havido uma carta, não tenha explicado o que é o documento mostrado por Louçã. Incompetência parece que há em muitos lados. É um memorando de tipo tradicional, sem data (presumivelmente da altura das negociações ou até do pedido de resgate), meramente informativo e que pouco diz a mais do que o PEC 4 e mesmo o OE de 2011. O texto está sempre no passado ou no presente, é uma descrição de medidas já tomadas ou programadas e não um plano a propor ao FMI.
Pior foi a explicação de Luís Fazenda. “Louçã confrontou isso sim o secretário-geral do PS com o que está escrito no ponto 39, página 12, do memorando económico e financeiro subscrito pelo Governo (e pelo PSD e CDS) no acordo de assistência financeira a Portugal e que, segundo o Bloco de Esquerda, constitui “uma carta de garantia” ao FMI.” 
Prosseguindo na mesma linha, Fazenda “acentuou por várias vezes que a recente negociação internacional envolveu dois documentos (sublinhado meu, JVC). Um memorando feito com as instituições da União Europeia e um segundo memorando feito com o FMI, sendo ambos dirigidos às instituições para homologação. “Esses memorandos são convergentes e o memorando com o FMI é bastante mais explícito em relação à TSU do que o que consta no da União Europeia. Neste último ponto, está bem escrito que está prevista uma redução substancial da TSU, ao contrário do que tem dito o primeiro-ministro”.
Há dois memorandos de entendimento (MoU)? Só se conhece um, em inglês, que, ao que toda a gente julga saber menos o BE, é a base negociada com toda a “troika”, FMI incluído, para servir de base às respetivas três decisões articuladas e concertadas  de concessão do resgate. A "troika" externa atuou sempre em conjunto, concluindo com um conjunto de medidas e condições compiladas no MoU, conforme é evidente na sua conferência de imprensa conjunta. O resgate é um processo integrado, mesmo que decidido por acordo mas separadamente pelo FEEF/BCE e pelo FMI.

O BE conhece dois MoU, um com a Comissão Europeia e outro com o FMI? E porque não há com o BCE, que não é um mero departamento da CE? Se conhece um MoU com o FMI, que mais ninguém conhece, deve divulgá-lo. Ou então está a confundir incrivelmente a tal “carta”, de facto um memorando informativo, com um MoU, até assinado também pelo resto da santíssima trindade interna.
Seja como for, e mesmo atendendo, à portuguesa, que “se calhar nada disto aquece ou arrefece” para o eleitor, há certamente muita gente que dá pela asneira (ou então, admito no meu caso, está a dizer asneira), a credibilidade do BE, em coisa tão importante, está em jogo. Pessoalmente, eu não posso dizer que apoio um manifesto que exige um entendimento à esquerda porque os dois partidos dessa área representam o “não”, por isto merecedores, um ou outro, do voto “não” e ao mesmo tempo calar-me perante asneiras descredibilizadoras.
E até penso que não estou a dizer asneira. Esta dos dois acordos, dos dois memorandos, só pode ser a única justificação para coisa dita e repetida por Louçã, na apresentação do programa: que o resgate vai ser um empréstimo de 110 mil milhões de euros. Procurei por toda a parte e não consegui perceber, até me lembrar dessa dos dois acordos. Claro, sabe-se que a regra dos resgates é 2/3 do FEEF/BCE e 1/3 do FMI. Portanto, como o empréstimo dos bem divulgados 78 mM €, referente ao MoU que por aí anda publicado (52+26), se calhar é só do FEEF/BCE (?!), porque, segundo Louçã e Fazenda, há um segundo acordo com o FMI, então este vai entrar com metade daquilo, logo 39 mM €, logo o total arredondado (mal) de 110 mM €. Não consigo ver outra explicação, embora os valores não batam certo: não seriam 110 mas sim 117. Ou o BE sabe coisas que nós não conhecemos? Então, faça o favor de nos esclarecer.

Concluindo, uma dúvida legítima: Louçã aldrabou ou errou? Qualquer das coisas é má. Já dizia Talleyrand que, em política, pior do que um crime é um erro.

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