sexta-feira, 27 de maio de 2011

A lição grega

A insensatez e a cegueira ideológica da União Europeia (UE), que se foi por “emprenhanço” no neoliberalismo, por mediocridade dos políticos, por incapacidade científica e mental dos seus conselheiros economistas, está “a dar o berro”. Como dizem e redizem os melhores economistas mundiais, o euro é uma construção tonta em que todos embarcamos, uma moeda única sem política orçamental e fiscal comum, com um orçamento comum ridículo, sem mecanismos de transferência para harmonização inter-estados (que exigem uma verdadeira união política, igual e solidária). E, como no caso português, muitas vezes com fixação de paridade sobrevalorizadora e lesiva da competitividade económica.
A crise mundial iniciada em 2008 foi principalmente uma crise financeira. Mal ou bem, os estados não-UE injetaram dinheiro no seu sistema financeiro, aplicaram medidas keynesianas de crescimento económico e saíram da crise, os EUA e os BRICS, com o resto do mundo a segui-los. Exceto a UE, que entrou numa crise só sua, a da dívida soberana. Espanta-me que todo o sistema instalado, cá e nos outros países europeus não discuta esta coisa elementar: porque é que a crise da dívida é só europeia?
A outra característica essencial da crise europeia é que a sua compreensão e resolução tem sido apenas reativa, não proativa. Novamente, acho que isto só se explica pela mediocridade que estamos a viver no sistema partidário, nos seus dirigentes, na primazia do marketing político, etc. Vendo bem, herança do homem mais nefasto das últimas décadas da política europeia, Tony Blair (mais os seus seguidores, portuguesmente falando Barroso e Sócrates).
O caso da Grécia é exemplar, e devemos tirar dele boas lições. Até porque, diferentemente da Irlanda e da Espanha, que são casos de dificuldade por crise bancária e bolhas especulativas, a Grécia, como nós, embora a nível muito mais elevado, era um caso de dívida, pública e privada, com consequente défice orçamental.
Recebeu financiamento de resgate em 2010, no valor de 110 mil milhões de euros, com meses de atraso devidos a considerações rasteiramente eleitoralistas da sargenta “össie” (coisa em que vale a pena pensar, a maior potência europeia governada por uma senhora “formatada” pela dialética antes-RDA-agora-RFA). 
Resgate como o nosso, com o mesmo tipo de condições impostas de austeridade, privatizações, desvalorização interna. Com este resgate, as “expetativas” eram de poder ir novamente financiar-se no mercado dentro de três anos. Vê-se. A taxa de juro sobre a dívida grega, no mercado secundário (a única coisa que o resgate faz é evitar ter de ir ao mercado primário) está a níveis fantásticos, na ordem dos 15%. Entretanto, não só paira a ameaça destes juros no fim do resgate como, entretanto, está já a pagar juros incomportáveis aos resgatantes, acima dos 5%, como nós. Os nossos juros no mercado secundário, depois do resgate, também andam nos 10%, o que significa, claramente, que os tais omnipotentes e omniscientes mercados não confiam em que Portugal possa ir em prazo aceitável ao mercado, mesmo com o resgate da “troika”. Bê-à-bá! Não é preciso ser-se economista para perceber isto.
A política de austeridade imposta à Grécia uma vez e mais uma vez e mais uma vez vai muito para além do que é o acordo português com a santa trindade, mas lá chegaremos. Diferentemente de nós, os gregos já estão na rua. Diferentemente de nós, em que a santa trindade interna alinha pelo ajoelhamento, a oposição grega (quero lá saber que seja a de direita, mas também apoiada pela esquerda) acabou de dizer “basta”, não há mais PEC.
Com isto, a UE ficou “à rasca”. Então esses gregos preguiçosos, incivilizados, estão a bater-nos o pé? Já não bastavam os islandeses, que ainda toleramos porque não são UE?  Mas porque ficou “à rasca” a UE? Porque, afinal, pensem bem naquilo que a gente de serviço político e económico não vos quer dizer: o incumprimento da dívida de um país (em termos mais brutais, a sua bancarrota) tem custos mas não só para esse país, também e muito para os seus credores que ficam a ver navios. E quem são esses credores? Os grandes bancos, investidores financeiros, fundos de seguros e de pensões, alemães, franceses e dos bem comportados outros países europeus AAA. Eles ameaçam, chantageiam, mas se lhes baterem bem o pé acabam por ser razoáveis, que entre perder alguma coisa e perder tudo sempre há muita diferença.
É claro que, nestas alturas, há muitas variantes de discurso. Há o discurso bruto do “jamé” tudesco (até que os bancos alemães digam à senhora saxónica que “veja lá, deixe alguma coisita para nós…”), há o do BCE de “reestruturação é uma catástrofe inimaginável”, há até, espantosamente, o da comissária europeia grega (Bruxelas tolda o patriotismo) a dizer que a recusa da Grécia de ir mais longe na austeridade e nas privatizações implicará a sua expulsão do euro (com base em que disposição dos tratados?).
Raposa velhaca, Juncker vai dando uma no cravo e outra na ferradura. Não pode esquecer o que todos os grandes economistas mundiais dizem. A Grécia precisa urgentemente de reestruturar a sua dívida. Então, diz num dia que talvez um “reprofiling”, isto é uma reestruturação muito suave, nada de não pagar ou de fazer “haircut”, só renegociar a taxa de juro com a sua “troika” e eventualmente dilatar os prazos.  Mas hoje já vem dizer que se a Grécia não ceder já, não recebe a próxima fatia do empréstimo e que se vá financiar pró maneta. Também diz que isto não será culpa das instituições europeias, mas do facto de alguns parlamentos europeus não irem nisso, pressionados pelos seus eleitores. 

A implosão da UE e desde logo do euro não vai ser coisa só de governos, economistas, burocratas da CE e do BCE. Vai ser coisa (manipulada) do proto-neo-fascismo que está a ameaçar a Europa da civilização, a bestialidade dos bons nórdicos que não toleram os selvagens do sul (que têm as praias e o sol a que eles não resistem para gastar as poupanças que os sulistas não sabem fazer, compensando a soturnez suicida dos seus invernais “sétimos selos” - os portugueses nunca foram fortes no xadrez).
Amanhã ou depois, a Grécia vai reestruturar a dívida (“renegociar”, como dizem agora as bem comportadas esquerdas nossas que não querem passar por “caloteiros reestruturadores”). Não sou eu que digo, pobre de mim que, parafraseando, “nada sei de finanças, embora tenha biblioteca”. São todos os grandes economistas mundiais que lemos diariamente, desde o “liberal” Krugman ao mais ortodoxo Roubini.
Com isto, a Grécia perdeu um ano, agravou durante este ano toda a sua situação económica e social (e com risco de uma grave crise política e de agitação social, e gente que se porta mal, parte montras e incendeia carros!). O que teria sido se tivesse ido logo para a reestruturação? 
E nós, vamos aprender com o seu exemplo? Vamos aguentar um ou dois anos de recessão (4% segundo a “troika”, de desemprego, de maior défice e dívida relativa por simples aritmética de diminuição do valor do denominador PIB, de maior dívida por juros incomportáveis que agravam o resgate da “troika”, para depois, à grega, irmos para reestruturação em piores condições do que as que podemos ter agora, quando ainda podemos olhar nos olhos os nossos credores agiotas e podemos decidir com dignidade sobre a nossa dívida odiosa?
Estou convencido de que, nas eleições que estão à porta, os campos estão definidos. Há o dos que vão gerir o acordo do resgate, manobrando à vista da costa pequenas mudanças de rumo que esse acordo, afinal o programa de governo, ainda minimamente permite. Há o campo do “não”, que para mim é o da reestruturação já. Mas sem habilidades de bem comportados, “renegociar só, só a taxa de juro, talvez o prazo, mas não ser caloteiro. Com jeito, deixemos a porta aberta à fantasia de Sócrates ganhar e vier fazer maioria connosco”.

P. S. (27.5.2011) - No Sol, hoje, escreve Inês Pedrosa: "à esquerda do PS encontra-se a radicalização do não-pagamento da dívida, que significa, diga-se o que se disser, o abandono da União Europeia". Onde é que IP já leu pretender-se o não-pagamento da dívida? E de onde lhe vem essa certeza sobre o abandono da UE? A liberdade de dizer asneiras é um direito...

1 comentário:

  1. De acordo. Bem podem esperar pela "fada da confiança" que ela não virá. A solução, está visto, embora possa ter algum apoio parlamentar, só pode vir da rua.
    Ando a dizer isto há mais de um ano!

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