Está em foco o artigo de Robert Fishing (RF), no New York Times, “Portugal’s Unnecessary Bailout”, frequentemente em versões de tradução muito pobre ou até falsa. Comecemos por algumas precisões. Ao contrário do que se diz, RF é sociólogo, não é economista. Isto não o diminui, mas é bom definir bem os termos de qualquer discussão.
Não me parece que o artigo seja tão interessante como estão a propagandeá-lo. É estreito em culpabilização, parece-me pouco fundamentado, come gato por lebre de propaganda governamental, no fundo quase que apoia o PEC 4. Entre a culpabilização dos mercados - muito bem - e a conclusão de que o resgate não era necessário, vai uma distância de falta de argumentação convincente.
Há quem tenha usado o artigo com pouca convicção. Por exemplo, João Rodrigues, no Ladrões de Bicicletas, divaga sobre o artigo do "cientista social" (?) mas tem a cautela de dizer que é excessivamente idealista, que se refere só ao período democrático (isto é, a seguir ao 25 de Abril), que o entusiasmo do autor não tem em conta as desigualdades salariais. Então o que fica do artigo?
Comece-se por isto: “this third national request for a bailout is not really about debt”. Espantoso! O nosso principal problema, reconhecido por toda a gente e de todos os quadrantes, não é mesmo o da dívida nacional, até mais privada do que pública?
“Na Grécia e na Irlanda, o veredicto dos mercados refletiu profundos problemas económicos. A situação portuguesa é radicalmente diferente; não havia verdadeira crise estrutural.” Como é que algum economista sério, ou mesmo algum cidadão que se quer lúcido, merda, como eu, pode continuar a ler tal artigo?
O artigo é simpático para alguma esquerda - em que eu me situo, mas sou crítico! - porque o autor sonha toda a realidade portuguesa à luz da coisa estimável que é pensar que ainda hoje Portugal é a sua recordação revolucionária do 25 de Abril. Mas sou eu, homem de Abril, que não vou nessa. Já não tenho idade para infantilidades. Com isto, a maior das maiores infantilidades, o embevecimento com as palavras, e acima de tudo “socialismo”, “partido socialista”. "Words, words, words!"
Claro que o nosso “socialismo” recente, socrático, só fez coisas brilhantes, segundo RF, nenhuma documentada. A dívida não é importante, é menor do que a italiana. O défice orçamental é inferior ao de outros países europeus (e certamente menor do que o dos EUA!). A inovação, a qualidade do ensino superior (!), o crescimento das exportações, são notáveis. Essencial é que Portugal seja hoje invejado por quem percebe que mantém (?!) os padrões revolucionários de baixo desemprego, solidariedade social, economia mista (???) que ainda cheiram ao 25 de Abril. O homem conhece mesmo o Portugal de hoje? É bonito que ainda haja algures tal admirador do 25 de Abril, mas cuidado, quando se escreve assim no NYT!
Em relação aos últimos anos, de governação socrática, só elogios. “Domestic politics are not to blame. Prime minister José Sócrates and the governing socialists moved to cut the deficit while promoting competitiveness and maintaining social spending; the opposition insisted it could do better and forced out Mr. Sócrates this month, setting the stage for new elections in June. This is the stuff of normal politics, not a sign of disarray or incompetence as some critics of Portugal have portrayed it.”
E até mesmo a afirmação praticamente explícita de que, não fossem os malandros externos, o PEC 4 nos tinha defendido do resgate.
Sem querer alimentar ideias de conspiração, interrogo-me sobre uma coisa estranha à volta deste artigo. Tem havido dezenas de artigos muito mais interessantes, mais fundamentados, com maior autoridade económica, com assuntos verdadeiramente provocadores em termos de futuro próximo (por exemplo, prós e contras de uma reestruturação da dívida). Porque é que todos esses ficaram à margem da nossa net e estou a receber muitos mails sobre este?
Este artigo é coisa americana, académica, NYT, tudo muito recomendável. Também com o romantismo PC que só os americanos conseguem. Também, apesar de tudo isto, com a qualidade que nenhum socrático caseiro, medíocre, teria conseguido escrever. A quem interessa? Não será ao governo que assim tem uma defesa da sua excelente política até à crise, depois ter sido simples vítima dos bandidos e até ter sido obrigado (?!) a um resgate que não teria sido necessário?
Um artigo a elogiar e a divulgar por toda a net como está a ser? Nem tudo o que luz é ouro. Merda, quero ser lúcido!
Nota - Como se vê, a máquina PS está em pleno. “Está comigo todo o PS?” Está sim, querido líder! O mano Dupond começa a parecer-me, em comparação, menino de coro tonto. Começo a dar de barato que o PS vai ficar em primeiro lugar. E depois, Zé? Impossibilidade da grande coligação, porque ninguém aceita o sapatilhas? Magistratura ativa? Governo Cavaco por intermédio de Manuela ou Catroga? E viva a democracia!
P. S. (26.4.2011) - Veja-se uma carta de discordância com este artigo, também no New York Times (18 de Abril), de David R. Cameron, professor de ciência política na U. Yale e diretor dos estudos sobre a UE: "Portugal's Economy".
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