sábado, 6 de outubro de 2012

O Congresso Democrático das Alternativas (I)

O meu dia de hoje foi provavelmente o melhor 5 de outubro da minha vida. Aquelas velhas e revelhas comemorações do meu tempo, de velhotes do reviralho de avental, não me diziam nada. O meu dia de hoje, na melhor companhia de alma gémea, foi passado no Congresso Democrático das Alternativas (CDA)

Antes do mais, antes da discussão e das críticas, deixo claro que, para mim, foi um acontecimento notável, que só tem paralelo no Congresso da Oposição, em Aveiro, 1973 (felizmente, fora a polícia).

Já há tempos que tinha alertado, como se vê na barra lateralPareceu-me desde o início que tinha condições de sucesso como nenhuma outra iniciativa anterior em que tenho participado, com a frustração repetida do insucesso. Um bom manifesto, duas grandes bandeiras que defendo aqui desde há mais de um ano - denúncia do memorando da troika e reestruturação da dívida -, promotores de impacto mediático e influência política, boa adesão pública e, muito notoriamente, por sorte, potencialização pelo protesto nas ruas desde 15 de setembro. Por tudo isto, não sendo dos promotores iniciais, subscrevi logo na primeira vaga dos apoiantes. 

Também por isto, suspendi, até ver o que isto dava, a minha campanha a favor da necessidade de criação de um novo partido. Há muitas maneiras de fazer as coisas, coisas direitas que podem ser escritas por linhas tortas, sem que Deus seja para aqui chamado.

Nos próximos dias, tanto quanto me permitir uma tarefa profissional extremamente exigente, vou escrever bastante sobre este CDA. Que mais não seja, foi coisa apoiada por mais de 4000 pessoas e com quase 2000 participantes registados, a não caberem na aula magna da Universidade de Lisboa. Vou dar depois conta de preocupações que manifestei, também do que de mais importante me parece ter acontecido.

Entretanto, hoje, começo por um prolegómeno suscitado por uma entrada do meu muito caro amigo mcr no Incursões: “Os ‘estados gerais’ do Bloco começaram como se previa. Pouca gente, poucas ideias e, até... pouco ruído. Alternativa ou alternadeira?”

Pouca gente não, de forma alguma, como escrevi. Aula magna a abarrotar. Poucas ideias, conforme. Boas ideias nos documentos que talvez o meu querido amigo não tenha lido com cuidado, discussões ricas e com ideias nas sessões temáticas paralelas. Depois, era inevitável, todo um tom geral comicieiro na sessão plenária, provavelmente o que ele viu em reportagens televisivas que o induziram em erro. É que as pessoas neste momento põem as emoções adiante das ideias, é natural. Alternativa ou alternadeira? O futuro dirá.

Importante é a alusão do mcr aos "estados gerais do BE". Tem e não tem razão. Começo por lhe lembrar que ele e eu estivemos nos EG do PS de Guterres e que sabemos muito bem o que são “estados gerais”. Ele me dirá que sabíamos ao que íamos, era coisa transparente, aceitámos as regras do jogo, que depois até nos defraudaram. Sobre essa experiência passada, creio que nunca discordamos.

Este caso é diferente. Dou-lhe razão antecipadamente se ele me disser que, por menos transparente, é mais perigoso. Mas, por outro lado, penso que, na prática, menos eficaz, para o BE, como seus EG. Porque coisa mais tosca, gato escondido com rabo de fora é truque que já toda a gente vê. É verdade indiscutível que o BE colocou no CDA toda a sua tropa. Os dirigentes do BE estiveram sempre lá em evidência. Alguns quadros do BE, como direi depois, abusaram claramente da sua posição. Mas a evidência demasiada vira-se contra o feiticeiro, previne os outros, como bem ouvi a participantes de olhos abertos. Entre gula e comer elegantemente vai toda uma diferença. E isto sem que eu saiba o que eram todos os bloquistas no contexto das suas lutas internas.

Há muita gente que não é politicamente infantil. Aliás, creio que o BE ficou longe de fazer traduzir na declaração do CDA as suas posições, não obstante algumas cedências evidentes em virtude do desejo de unidade da organização. É verdade que, no seu recente mimetismo com a sua nova deusa grega inspiradora, a Syriza, adotou agora, coladas a cuspo, duas teses, a denúncia do memorando da troika e a reestruturação da dívida, que sempre apresentou de forma extremamente ambígua, como demonstrei atempadamente

Em contrapartida, e como a sua Syriza, o BE é, de nascença (distanciamento freudiano do PCP?), eurofílico - ou euro-otimista, ou euro-entusiasta, cada um escolha o que preferir - e apavora-se com a saída do euro, que até o “proposta modesta” Varoufakis finalmente já admite. Nisto, perdeu posição no CDA, que, prudentemente, não forçou, sem discussão a fazer-se, a saída do euro mas a aceitou explicitamente como hipótese de trabalho. Grande avanço! Depois escreverei sobre isto. 

Teve o BE presença muito visível no CDA? É verdade, até mandaria a boa tática política que tivesse sido menos sôfrego. Mas, ao contrário dos EG do PS, coisa caseira entre eles e amigos, mesmo que só de passagem como mcr e eu, aqui a porta estava aberta a todos. Se os outros não quiseram, não se queixem.

Também não faço a injustiça a todos os independentes que estão no centro da convocatória e da organização do CDA de pensar que se deixam controlar. No entanto, lá que há bruxas, há. E eu tive muita experiência - confesso-o humildemente - de lidar partidariamente com iniciativas unitárias. Por isto, também tenho nariz para cheirar as coisas. Verei no caso do CDA alguns testes, desde logo a discussão daquilo que é pedra de toque do BE, a eurofilia utópica e a inaceitabilidade sequer da hipótese de saída do euro, “uma desgraça”, como já escreveu Louçã. Depois falaremos.

Mesmo assim, eu alertei, dizem-me que de forma demasiadamente racional para um público emotivo perceber, para os riscos de tentativa de controlo. Se ele acontecer, claro que não contam mais comigo.

Continua…

NOTA - Não sei se sabem que Peixinho escreveu uma belíssima peça, em 1969, em homenagem à CDE. Quem está familiarizado com música sabe que, nos países do norte da Europa, não se usa a notação Do-Re-Mi mas sim A, B, C, etc. A é o La. A peça CDE de Peixinho é baseada em Do-Re-Mi (C-D-E). Havia algum compositor hoje no CDA que faça uma peça baseada em Do-Re-La?

1 comentário:

  1. Os políticos TÊM DE PASSAR A SER MAIS CONTROLADOS!
    [os políticos, e os partidos políticos, vão ter que se aguentar]
    .
    -> Nacionalização de negócios 'maddofianos', privatização de empresas estratégicas (e que dão lucro!) para a soberania, PPP's, etc... SALTA À VISTA que os políticos têm de passar a ser muito controlados por quem paga (vulgo contribuinte)!
    .
    Uma sugestão: Islândia - a revolução censurada pelos Media, mas vitoriosa!
    Resumo (tudo pacificamente):
    - Renegociação/reestruturação da dívida;
    - Referendo, de modo a que o povo se pronuncie sobre as decisões económicas fundamentais;
    [uma outra sugestão: blog «fim-da-cidadania-infantil» - Direito ao veto de quem paga, vulgo contribuinte]
    - Prisão de responsáveis pela crise;
    - Reescrita da Constituição pelos cidadãos.
    {Obs: consultar o know-how islandês poderá ser muito útil}

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