terça-feira, 9 de outubro de 2012

O Congresso Democrático das Alternativas (IX)

Propostas polémicas

A proposta de declaração do CDA refletia os apoios ao texto inicial da convocatória, aos textos mais ou menos desenvolvidos enviados antes do congresso, à convergência verificada nas reuniões preparatórias. No entanto, é óbvio que qualquer congressista tinha o direito de apresentar propostas que se afastavam desse consenso. 

Não me refiro a centenas de propostas de emenda formais ou de aperfeiçoamento do texto, que foram aceites e incluídas no texto final, mas sim a propostas que rompiam a opinião largamente maioritária. Viu-se, pela sua rejeição, com muito poucos votos contra a posição da comissão de redação (que fez um ótimo trabalho, contra-relógio).

Vou tentar lembrar-me das principais e explicar porque, em todos os casos, votei contra elas. A razão geral foi a de não querer prejudicar, com radicalizações e acusações, um esforço visível de unidade ou convergência. Creio que foi a razão dos que votaram contra essas propostas respeitáveis mas marginais, não por comodismo ou seguidismo em relação à organização do congresso.

Por comodidade, sem lhes querer chamar de mais à esquerda ou mais à direita, vou separar entre propostas mais conservadoras e propostas mais radicais.

De entre as primeiras, quase só consigo identificar a de Ana Gomes, que já aqui discuti. Ao recusar a denúncia do memorando da troika, ao insistir no cumprimento dos “nossos” compromissos, ao pôr todas as expetativas numa esperançada solução europeia, estava claramente fora daquele baralho.

Só foi aplaudida por um setor da assistência bem localizado, e só aquando da sua acalorada recusa de saída do euro. Este foi outro tema polémico. Apesar de eu ter falado sobre ele na sessão paralela, votei contra a sua inclusão na declaração, porque já lá vinha quanto baste e não valia a pena abrir fraturas. Gostava que a declaração fosse um pouco mais longe e comprometesse o CDA com um estudo sério das vantagens e desvantagens da saída do euro. É um dos principais temas de aterrorização das pessoas pela seita neoliberal e exige resposta.

Mas ficaria por aqui, agendar a discussão. Não votei propostas mais radicais de compromisso do CDA com esta possibilidade, afinal ainda uma possibilidade entre outras, por mais que eu a ache muito provável.

Outras propostas polémicas diziam respeito à suspensão imediata da dívida (não percebi se do pagamento da dívida se do seu serviço). Novamente, é mais do que provável que, no processo que todos defendemos no congresso, a denúncia do acordo com a troika e a reestruturação da dívida, a questão se vai pôr inevitavelmente. Neste momento, até já temos resultado positivo do saldo orçamental primário, estamos é afogados pela perspetiva ordoliberal, neoliberal e quejandas no que entra em conta com o serviço da dívida, agora agravado pelo pagamento de juros agiotas da “ajuda” do resgate troikiano.

Compreendo a posição dos que defenderam que a denúncia do pacto com a troika só é eficaz se acompanhada de medidas firmes e simbólicas, como a suspensão dos compromissos da dívida (afinal, sejamos claros, declararmos incumprimento, falência, bancarrota, “default”, o que se quiser chamar). Mas vou pela muito mais subtil e inteligente estratégia gradualista, dialética, bem exposta, com grande sintonia, pelos intervenientes da sessão específica, João Ferreira do Amaral, Ricardo Cabral e Jorge Bateira, infelizmente não relatada adequadamente na sessão plenária. Negociar sempre com coragem; ter sempre previsto o passo seguinte, de aprofundamento da conquista anterior ou de nova exigência; esclarecer sempre e mobilizar a opinião pública sobre as consequências das propostas, ganhar o seu apoio. Conquistar a hegemonia!

Também afloraram algumas posições de defesa da suspensão da dívida, mas só da dívida ilegítima. Coisa típica das auditorias da dívida, inconsequentes, como aqui preveni, na altura. O que é dívida ilegítima? A política faz-se com juízos morais? Por exemplo, e para fazer de advogado do diabo, a dívida com os submarinos é ilegítima? É preciso demonstrar primeiro que a decisão foi politicamente errada, com intenção dolosa (e vamos começar a julgar moralmente as decisões políticas? Esperem pela nossa vez). Mais, que houve corrupção.

A outra grande polémica foi a da passagem imediata do CDA a associação política e desde logo com a perspetiva de formação de um novo partido. Sabem todos os meus leitores habituais que muito tenho defendido a criação de um novo partido. Mas vou propor isto a uma enorme assembleia cheia de gente militante nos atuais partidos? O caminho faz-se caminhando, escreveu António Machado. E os primeiros passos são forçosamente de criança, passos pequenos, inseguros, cuidadosos.

Finalmente, o que não foi dito. Não foi dito, a não ser quanto referi, que devemos respeitar os compromissos, sujeitarmo-nos à troika, apenas minorar (como, nessa lógica?) o austeritarismo deste governo. Não estava no CDA ninguém com essa opinião. No entanto, é a base da política do PS, partido sem o qual cai pela base a esperança de alternativa eleitoral a curto prazo do CDA. O que não quer dizer que eu defenda, nisto, abater bandeiras. Sempre na vida lutei por coisas inglórias. E algumas vezes até ganhei!

Mas também falei há pouco de um setor bem definido e organizado dos congressistas que nem quer ouvir falar em roturas no projeto europeu, em implosão do sistema do euro. Velhas doenças de internacionalismo, histórias a terminar em picador de gelo, mas eram jovens, vão ter tempo de pensar. No entanto, não houve uma única proposta, sequer uma intervenção, a discutir o que, apesar de tudo, podem ser “propostas modestas”. Nenhum eurofilico se apresentou a discutir os “eurobonds”, o “novo” papel do BCE, a "regra de ouro" constitucionalizada, o pacto orçamental, a proposta bruxelense de sistema bancário europeu. Fica aberto para isto este blogue. Vou gostar da discussão.

Vai ser curioso, intelectualmente, assistir à evolução ideológica, programática - e aos golpes de rins - dos partidos de esquerda. O PCP se calhar não precisa, limita-se a pôr na mesa, com alguma "brutalidade" política, o que vale em gente, organização, militância. Do PS não espero qualquer reflexão, a não ser em pequenos círculos marginais e irrelevantes, por muito que me agrade receber notícia dos seus "arroubos de alma". Quanto ao BE, principalmente nesta fase próxima de substituição da direção, tenho muita curiosidade.

Mas, se vamos para eleições, o que fazer com esta gente? Continua...

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