O caso da fraude num exame do Centro de Estudos Judiciários é tão tristemente eloquente que não estava a pensar falar sobre ele. Falei, sim, com os meus alunos, que estavam surpreendidos: “são os juízes que me podem vir a julgar?”. “Se eu fizer isto aqui na universidade chumbo”. E até aceitam, embora com alguma desadequação à brandura dos nossos costumes, que tal coisa resulte, na cultura universitária anglo-saxónica, em expulsão da universidade.
No CEJ, resultou na “brutal penalização” de serem corridos a 10 valores, mas obviamente aprovados. Hoje, depois de todo o alarido de protesto que por aí anda, ouço que afinal parece que o exame vai ser repetido. Isto é, todos esses aldrabões (nem sequer jovens estudantes, porque já todos licenciados ou mestres em Direito) vão ter uma segunda oportunidade de se apresentarem a exame e eventualmente passarem. Dirão os ingénuos que isto salvaguarda a justiça para com os que não copiaram. Quanto a isto, convém esclarecer alguns aspetos técnicos, embora eu não disponha de todos os dados.
A prova foi de escolha múltipla, os chamados, impropriamente, testes americanos. Por norma, não é possível copiar, pela simples razão de que é regra elementar que eles são diferentes. O conteúdo é o mesmo, mas varia a ordem das perguntas e a ordem das respostas a cada pergunta. Perguntar ao vizinho qual a resposta à pergunta x é quase certo receber informação errada. Se o CEJ não fez isto, então o problema é de ser supinamente incompetente, pedagogicamente.
Por outro lado, ao contrário do que se escreve, não parece tratar-se de copianço, que de forma alguma explica quase 100% de coincidência de respostas certas a perguntas difíceis e de respostas erradas a perguntas muito fáceis (o que significa que alguém, ao divulgar a chave, errou e difundiu o erro). Essa coincidência total indica que se conheceu previamente o teste e que todos tiveram acesso à resposta elaborada por alguém. Contra o copianço joga também o facto de os alunos estarem distribuídos por várias salas, relativamente afastados e vigiados por várias pessoas.
Portanto, das duas uma: ou todos são culpados, o que parece provável, ou alguns, não tendo beneficiado mas, num grupo pequeno, certamente tendo conhecimento da fraude, não a denunciaram. Por outro lado, parece óbvio que houve corrupção, com alguém, eventualmente de serviços académicos ou de reprografia, a passar o ponto aos alunos. Tem de haver um inquérito rigoroso a todo este caso lamentável.
A meu ver, os que ouvi hoje, desde o PGR até ao conhecido observador da justiça portuguesa, ao defenderem a solução da repetição do exame, estão a pregar mais um prego no caixão em que está a ser enterrada, pelos seus filhos e amigos, a moribunda justiça portuguesa. Também este caso parece demonstrar que o problema não é abstratamente sistémico. É, como sempre, humano, de gente que vai julgar os erros e crimes da sociedade mas que reflete já, em cultura, ética e comportamento videirinho, o que de pior tem esta sociedade. Não tenho qualquer dúvida em defender que, neste caso, este curso do CEJ devia ser pura e simplesmente expulso.
NOTA - A propósito disto, ouvi hoje um professor universitário, tido como muito progressista, afirmar que as provas de escolha múltipla não são um bom processo de avaliação e que nada chega a uma tradicional prova oral, com assistência de público. Como é possível?!
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