Cada vez mais os partidos vão deixar de corresponder às aspirações dos eleitores e muito mais dos que já nem querem ser eleitores ou votam no não-partido, o branco. Nem o grande dilema de hoje - o que fazer em relação à dívida e ao pacto com a “troika”? - ajuda a reconciliar muitas pessoas com os partidos, no seu panorama atual. É verdade que, aparentemente, há um campo partidário do “não” à submissão, PCP e BE, mesmo que valendo pouco mais do que 10% do eleitorado. Mas nem isso, porque não se comporta como alternativa coerente e unida, não dá expetativas de poder exercer o poder a médio e muito menos a curto prazo, porque não consegue transmitir uma imagem de superação de clichês antigos, porque a sua atitude de “não” à sujeição, por emblemática que seja nesta fase, não basta para fazer esquecer muitos erros, compromissos, vícios de comportamento.
A culpa não é só sua. Talvez até muito menos sua. O campo do “não” devia ter a amplidão daquilo que, para muitos, generosa mas talvez ingenuamente, é a esquerda, isto é, incluindo o PS. Em tempo útil, que é, para já, esta luta crucial contra a espiral de recessão, empobrecimento, desemprego, esta luta por uma alternativa do “não” (para mim, como tenho escrito, mas que agora não posso desenvolver, a reestruturação da dívida, sem eufemismos de “renegociação”) não conta com o PS, infelizmente. Os seus eleitores votaram com a direita neste aspeto fundamental. Os seus militantes endeusaram o querido líder ainda há pouco. Os dois candidatos de agora garantem o respeito escrupuloso pelos compromissos. Os seus notáveis assinaram manifestos de bem comportados, de braço dado com a mais retinta direita.
Que não fiquem dúvidas: desejo a companhia na luta de muitos e muitos socialistas, desejo que contribuam para a unidade da esquerda, desejo que estimulem, com a sua atitude própria de verdadeira social-democracia a reflexão dos outros partidos de esquerda sobre vícios e visões esquemáticas em que estão enquistados. Mas não sou parvo e não vou condicionar a minha atitude a curto prazo, ainda por cima no prazo das grandes decisões, por sonhos longínquos.
Assim, quando as coisas começarem a doer, as pessoas vão-se lembrar do que agora estão a ver na televisão como quem vê um “fait divers”, a Grécia a sair à rua. É só diferença de um ano, porque de resto é a mesma história, no essencial, mesmo que com algumas diferenças quantitativas: o mesmo problema essencial de endividamento, de falta de competitividade por adesão errada ao euro, de quase nulo crescimento económico, um setor financeiro muito dependente do crédito externo e com confusão entre atividade bancária tradicional e especulação financeira, quase total unanimidade dos partidos políticos em relação às regras do bom pensamento europeu neoliberal.
Então porque é que o que se está a passar na Grécia - falhanço do resgate, amordaçamento da economia pela atitude de castigo por parte dos “bons europeus”, castigo até nos juros europeus - FEEF e BCE - superiores aos do FMI (como cá), manutenção de juros incomportáveis no mercado secundário da dívida, adiamento da previsão de possibilidade de regresso ao mercado, necessidade de novo empréstimo de resgate, desemprego, agitação social - não se há-de passar em Portugal, com o lapso de um ano que temos em relação à crise grega? Provem o que por aí dizem e ainda não vi demonstrado, que “Portugal não é a Grécia”.
Tudo isto junto, crise do sistema partidário e seu descrédito (carreirismo, mediocridade, falta de sentido do bem público, “jobs for the boys”, corrupção, promiscuidade com as empresas, etc.), falta de credibilidade de facto dos partidos do “não”, descontentamento social exponencial quando a política austeritária e o garrote do resgate se fizerem sentir em breve, a resposta, não haja dúvidas, virá da rua.
Não é inevitabilidade que me alegre obrigatoriamente. É previsão objetiva pelo menos para quem tem o sentido da dialética e do processo histórico. Vejo a rua como um grande parteiro da história, mas que muitas vezes, mesmo sem dolo, comete erros. Robespierre, no momento final no patíbulo, talvez se tenha arrependido do Terror, mas não o pôde controlar. E, ao mesmo tempo que toda a gente na rua cheia de razão, pode andar pela rua um cavalo do poder pronto a ser montado por qualquer Sidónio ou Gomes da Costa, para só falar da história portuguesa próxima.
Mesmo sem se poder controlar a rua, há coisas desejáveis. Obviamente, evitar o que possa alienar a simpatia de muitas pessoas: violência, vandalismo, sequestro de pessoas, ocupação de espaços de órgãos de soberania democrática e obstrução do seu funcionamento. Isto é banalidade. Menos banal é a questão das bandeiras de mobilização e das palavras de ordem. É bem frequente que, ao contrário da precedência “ideias-rua”, valha o inverso, “rua-ideias”. Pior é quando, inconsequentemente, só há rua, sem ideias nem antes nem depois.
As agitações sociais em Portugal, nos últimos tempos, principalmente personificadas por jovens, têm-me parecido frustrantes, neste aspeto. Não quero ser paternalista, mas também não vou incorrer no vício de infantilismo que tenho visto em muita gente madura que, talvez complexadamente, se baba acriticamente com tudo o que seja esta nova “movimentação social”.
A grande manifestação de 12 de Março teve motivações circunscritas (o desemprego e precaridade de trabalho dos jovens, principalmente dos universitários - logo algum elitismo) e creio que só se agigantou porque a onda foi surfada por muitos e muitos outros descontentes, até muito mais velhos. Depois foi o que se viu, uma mão cheia de nada, nenhuma ação eficaz e minimamente organizada, nem sequer o uso eficaz da net, com que tudo tinha começado. Uma ou outra declaração justa e interessante, mas de política convencional, parece-me que muito pouco sobre o essencial hoje, a economia.
O mesmo com os acampados do Rossio. Digo honestamente que nunca os ouvi, falo só do que me contaram. Posso estar a ser injusto. Muita retórica, muitas intervenções relativamente vagas sobre a insatisfação com a democracia parlamentar, sobre a necessidade de democracia direta, de participação, de renovação do sistema. De propostas concretas, de configuração económica da sociedade, do malfadado resgate, da banca, do euro, da UE neoliberal, não ouvi dizer nada. Certamente que aquelas considerações sobre o sentimento de não-representação muito sentidas pelos jovens de classes educadas que lá estavam, certamente que também por mim que já não sou jovem mas que há muitos anos já discutia isso. Todavia, coisas que pouco dizem aos que realmente estão à rasca.
Concluindo, vem tudo isto a propósito do que li hoje, como afirmações de “indignados” em Madrid (porque é que temos sempre de aprender com os estrangeiros?). “Os manifestantes, sobretudo jovens, protestam contra as medidas decididas para enfrentar a crise, a actuação dos bancos e dos políticos. Mas é sobretudo o Pacto do Euro – o acordo conseguido em Março pelos Vinte e Sete para aumentar a competitividade e combater os défices galopantes – que preocupa o movimento. “Vêm aí mais cortes brutais”, disse ao “El País” Luis Fernández, da associação de desempregados Adesorg, acusando a classe política de “ter vendido o país, que já não é dos espanhóis, é da banca”.
Assim, sim, “a la calle!”
1. O voto branco não é um voto no não partido.- É apenas um voto na insuficiencia dos partidos em liça.
ResponderEliminar2. o PC e o BE não têm nenhuma alternativa, dizer não pagar significa apenas (se isso fosse a sério, e o BE já veio dizer que teria ido à reunião se...) que o país estaria hoje esfomeado, sem energia eléctrica se sem petróleo.
Ou, na melhor das hipóteses com multidões na rua a tentar linchar os advogados da solução BE PC
3. A reestruturação corre rigorosammente os mesmos altos riscos. E se os gajos do dinheiro não aceitarem. É que nem sequer somos a Grécia que tem nos bancos alemães um aliado. Deve~lhes 200 biliões!!!!
4. A rua madrilena não é nada com,o se vai ver (já se viu) nas eleições. Uma violentíssima deslocação para a Direita. Um desastre!
5. A rua madrilena (e basta ler os jornais espanhóis) não põe em causa o aberrante sistema das autonomias (uma dívida gigantesca, uma confusão legislativa, tributária (!!! com autonomias a tentar roubar empresas mediante compressão de impostos!) uma clara tendência para a xenofobia e o racismo, especialmente visíveis na Catalunha e no País Basco onde somos todos "metekos" e um delírio diferenciador que faz esquecer que estamos todos no mesmo barco, ibérico ou europeu.
6. Tenho um moderado respeito pelas eleições mas que diabo, 90% dos eleitores votaram claramente no acordo com a troika e uma fote maioria deles deu, sem complexos, o seu voto à Direita.
7. Perante este cenário parece-me mais sensato deixar a rua onde está (com os 300 manifestantes de ontem) e tentar ver onde é que a Esquerda anda a patinar. Porque anda a patinar e de rédea solta. Hoje mesmo, a esquerda do PS veio abonar o Seguro. alguém lhe ouviu algo durante o socratismo? A menos que o seu esforçado silêncio (que pelos vistos é oiro ou ouropel para alguns) fosse rigorosamente o seu contrário: um alarido. Não foi, claro...
O BE ainda não percebeu (basta ver a zanga Tavares Louça, a zanga rosas Oliveira e as outras que já ecoam para verificar que aquela gente não tem instrumentos de análise ao que lhes caiu em cima.
O PC que já esqueceu como era a vida (a não-vida, a pratica liberticida, os campos, a economia da pobreza, a anulação da inteligência, o marasmo dos intelectuais orgânicos) na URSS e no Bloco de Leste clama agora por que modelo?
É com isto que queres fazer a prospecção do que temos pela frente?
Ou, já agora, por que não voltar à velha e esquecida questão: mudar o mundo ou mudar a vida? Se calhar 68 é muito mais rico e exemplar do que isto que essa gente nos propõe. Se é que eles, de facto, propõem alguma coisa. quando se não tem voz na matéria até podemos propor a aliança com os marcianos e, custa dizê-lo, é isso que o PC e o BE, que não se entendem sequer, andam a dizer. Ou seja, nem revisionistas são! Ai que saudades do Kautsky e do Bernstein...