Pode um homem de esquerda, como eu, deixar de ficar triste por a direita pura e dura ter ganho as eleições e ir formar governo? É coisa complicada que não se compadece com o que se vai ouvir do PS oficial, que a esquerda radical traiu, fez o jogo da direita, provocou eleições que deram a maioria ao PSD com o CDS. Em primeiro lugar, a esquerda radical traiu quem? Traiu a esquerda em sentido amplo? O PS de Sócrates fazia parte dessa esquerda, em atos que não só palavras (e até nem sequer em palavras, a menos que bastasse falar em estado social para ser esquerda)? A esquerda radical e os seus eleitores como eu traíram a possibilidade de uma política menos neoliberal, menos obediente ao colonialismo troikista, como se alguém imaginasse que o PS de Sócrates seria essa possibilidade?
Não considero dramática a vitória do PSD-CDS, porque também vejo nela alguns aspetos secundários não inteiramente negativos. Claro que não deixo de ficar alerta para o maior risco desta maioria mais facilmente fazer com a “troika” festa de mal e caramunha. Mas sou realista e vejo que quase 80% dos eleitores votaram na “troika” interna que reflete a “troika” externa. Nada se fará sem parte considerável desta gente começar a sentir o que significa este seu encarreiramento na via do resgate que os vai empobrecer. Assim, não sendo adepto incondicional do quanto pior melhor, aceito suficientemente a dialética para pensar que, por vezes, uma agudização consentida (isto é, pelos adversários) da opressão pode criar mais rapidamente condições de luta.
Não posso falar da derrota do PS sem a ligar à retirada de Sócrates. Só decidi escrever esta nota depois de o ouvir dizer que saía, preto no branco. Até lá, por mais inconcebível que fosse ele não se demitir, fiquei reservado, porque o homem já nos habituou a tudo. E daí vem a primeira nota sobre a minha “satisfação” (relativa, entenda-se) com estes resultados. Resolveu-se um problema de sanidade pública, abriu-se um abcesso que estava a causar danos à própria democracia, com muita gente a detestar a figura de Sócrates mas refletindo esse quase ódio num desgosto com todos os políticos, pior, com a democracia. Portugal vai ficar menos envergonhado por não ter de se rever, como imagem exterior do país nas esferas de governo, em tão incrível figura.
Mais importante, a substituição de Sócrates abre a porta a um acordar do PS. Pelo menos teoricamente. Naquilo que, nos próximos tempos, é o centro da luta política, a recusa da sujeição aos ditames externos, qualquer participação do PS, mesmo de militantes avulsos, era impossível. Não digo que agora, milagrosamente, vá ser possível mas, teoricamente, é hipótese menos fantasista. Pode-se contar mais, mesmo que minimamente, com um PS na oposição e sem Sócrates do que com o que era o PS até esta noite. O mesmo em relação à possibilidade de lutas conjuntas da CGTP e da UGT.
Nos próximos tempos, sem desprimor para a ação parlamentar, a luta estará cada vez mais na rua. Até agora, ninguém viu os anónimos PS, anestesiados. Vamos vê-los agora? Por mim, espero vê-los e dar-lhes fraternalmente o braço.
NOTA 1 - No entanto, o episódio caricato e incrivelmente inepto da declaração de Seguro não augura nada de bom. Não me lembro de algum exemplo tão falante da fábula do coice do burro no leão moribundo. Admito que, se fosse adepto de Sócrates, estaria chocado. O homem não podia ter contido a sua sofreguidão e ter deixado a noite de hoje para o luto dos seus camaradas socráticos? Vai haver ódios ferozes no PS, nesta renovação de liderança.
NOTA 2 - E Louçã?
NOTA 2 - E Louçã?
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