quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Não sou masoquista

Os que me lêem e me conhecem sabem bem que não sou nada de amores por este governo, muito menos pelo seu execrável chefe. Mas não sou masoquista e, portanto, não vou ficar todo torcido por dentro por o governo não ter tido hoje uma grande derrota, no primeiro leilão deste ano de dívida pública. Não teve o governo, não tivemos nós todos. A paixão política não pode toldar o discernimento, afinal o maior fator de confiança na credibilidade das propostas políticas, mormente quando, como agora, cada vez mais elas exigem uma grande base científica (se a economia é uma ciência...) e técnica.

A procura triplicou a oferta e os juros não chegaram aos míticos 7%. Não domino a economia o suficiente para perceber porque se portaram assim os especuladores, também conhecidos como “mercados”. Porque o governo tinha anunciado uma folga de 800 milhões de euros para diminuir um pouco o défice orçamental? Mas então não sabem que isto é só uma pequena parte da receita extraordinária, truque financeiro-contabilístico, do encaixe do fundo de pensões da PT?

E será que isto foi uma vitória de Pirro, como escreve hoje Paul Krugman? Que é sinal de desespero considerar-se que “só” 6,7% de juro é um sucesso? “uma taxa de juro quase ao nível do ruinoso. Mas, de fato, não tão má como se esperava há uma semana e, logo, um sucesso. Mais alguns poucos sucessos destes e a periferia europeia será destruída”.

Um país como o nosso, com tão pesado encargo da dívida que até os nossos netos ainda vão ter de pagar, pode suportar taxas de juro destas, mesmo que abaixo de um limite mágico, afinal fixado, sabe-se lá como e porquê, pelo ministro das Finanças? Insiro isto já depois de escrito este texto: vem no Economist, "But it is unsustainably high for a country with such so much public debt relative to its GDP". Não estamos já no caminho delirante da completa corrida maluco-suicida para a desgraça final, "vitória" de Pirro após "vitória" de Pirro nos "mercados"?

Admito que sim, palpita-me mesmo bem que sim, mas, sem deixar de ser lúcido e realista, não quero ser profeta da desgraça. Tenho gente que considero não conservadora ou não-direita e que se está a alimentar todos os dias de quase um desejo perverso da vinda do FMI. Eu até receio que ele venha, mais dia menos dia, como indicam as muitas análises internacionais hoje feitas ao resultado do leilão, todas a dizer que a vinda dos homens da mala negra só foi um bocadinho adiada. Mas não a desejo, nem para lixar o Sócrates.

É que nos lixamos todos, ou não se sabe o que é o FMI, apesar de toda uma campanha a alegar que está muito menos (?) neoliberal, com um socialista francês à cabeça? No entanto, se o FMI é o mal, FMI com um governo PSD-CDS seria o mal e a caramunha. Alguém tem dúvidas sobre o que é o programa quase obsessivo da direita portuguesa? Já leram as propostas de revisão constitucional? O PS e o seu governo só têm feito m…., mas o senhorito Passos Coelho não só faria mais como a esfregaria na nossa cara.

Como estamos em presidenciais, não se pode esquecer o papel de Cavaco, que realisticamente devemos já considerar como reeleito. Ainda hoje falou na possibilidade de uma crise política paralela à financeira, coisa transparentemente sobreponível à pretensão do PSD de desencadear a dissolução parlamentar no caso (ou quando o caso) da vinda do FMI. Estou certo de que a esquerda “radical” não tem qualquer interesse numa troca de governo, mesmo que os dois jotas sejam quase Dupond e Dupont. Mas vão ter forças para sacar ao PS um desvio da sua política de direita, a troco de apoio para não passar uma moção de censura ao governo? Pior ainda será uma decisão cavacal de dissolução, porque a ela a maioria parlamentar PS-PCP-BE não se pode opor.

Será que os meus leitores se estarão a perguntar “como é que este tipo virou agora defensor do governo?”? Pergunta ilegítima, que não tem em conta a lógica objetiva, racional, afinal política é isto, deste escrito. Mas, se há dúvidas, aqui vão mais umas notas em contrário.

Ontem também foi o dia das previsões do Banco de Portugal. Recessão de -1,3%, 50.000 despedimentos, retração de 2,7% do consumo das famílias, dez vezes mais nos bens duradouros, descida de 1,4% nos salários nominais (sic, nominais!), de 4,6% no investimento. Será pessimismo pensar-se que descemos o primeiro degrau da escada em espiral da deflação ou da desvalorização interna? Sabem o que isto significa? Como estamos presos ao euro e não podemos desvalorizar  a moeda para promover as exportações, só podemos aumentar a competitividade mediante a baixa real do preço do trabalho. Afinal, este é o segredo silenciado do sucesso exportador alemão, em muito graças à submissão dos "össies".

Ontem também foi o dia em que se soube, convergentemente de várias fontes estrangeiras, que a comissão europeia e o fundo de estabilidade já estão a preparar tecnicamente o apoio de 100.000 milhões, certamente não por exercício académico mas sim por uma alta probabilidade de ser necessário a qualquer altura. E que o FMI já cá está em segredo, a fazer o mesmo.

Com tudo isto, o engenheiro demagogo e pouco sério não tem emenda. O que afirmou hoje foi que a reação do mercado se deve ao reconhecimento do trabalho do governo no controlo orçamental. Onde está esse controlo? Já estão fechadas as contas de 2010, que, pela impossibilidade de cálculo agora do IVA, só podem ser analisadas em finais de fevereiro? Mais espantosamente, afirmou também que a Europa nos deve estar grata, porque, com esta política de austeridade, estamos a ajudar a salvar o euro. O homem é ignorante, não lê os maiores economistas mundiais que dizem exatamente o contrário, ou simplesmente mente, como é seu hábito?

Nota - Falei acima dos encargos da dívida. Isto não significa qualquer alinhamento meu com a tese que por aí anda de que a culpa do endividamento é privada e, em especial, do pobre diabo que se afunda no crédito, casa, carro, TV top, consumo, viagens a Cancun. Esse pobre diabo, por definição, é manipulado,  tem ambições de "standing" e de projeção social que lhe entram em casa e na cabeça em tudo o que é programa de TV de sucesso, telenovela, publicidade agressiva. Onde é que esse pobre devedor foi buscar o dinheiro da sua dívida, afinal a dívida nacional (muito maior do que a dívida pública, só a do Estado)? Aos bancos que lhe disseram gasta, gasta, gasta. E aonde foram os bancos buscar esse dinheiro para emprestar ao pobre devedor? Aos financeiros estrangeiros. Afinal, quem é o culpado da dívida externa portuguesa? E até me custa que toda esta conversa contra o consumidor maluco venha muitas vezes, conheço casos, de pessoas com bom nível económico, que podiam poupar e investir, mas que são gastadores compulsivos.

P. S. (13.1.2011) - Com a devida vénia, aproveito dados de hoje no Ladrões de Bicicletas para ilustrar o que escrevi na nota anterior. A dívida portuguesa é de cerca de 460% do PIB. Só 70% é que são dívida pública (Estado e empresas públicas). Os bancos são responsáveis pelo dobro, 140% do PIB. Os tais gastadores individuais, as famílias, afinal devedores por via da banca, representam cerca de 100% do PIB, como dívida. O resto são as empresas não financeiras, com crédito cada vez mais difícil. E sabiam que, pelas regras europeias, a toque de clarim militar-prussiano, o BCE não pode emprestar aos estados mas pode emprestar à vontade aos bancos desses estados?

2 comentários:

  1. Meu Caro
    Acredita que é verdade. Escrevi o meu último post (http://politeiablogspotcom.blogspot.com/2011/01/dificuldade-em-acompanhar-certos.html)...antes de ler este teu. Consonância.
    Abraço
    CP

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