Santiago Carrillo, acima de tudo um homem de enorme coragem. Em 1934, na revolta asturiana, em que foi preso. Em toda a guerra civil espanhola. Em 1968, a oposição ao brejnevismo rupestre, à morte da primavera de Praga e, com Berlinguer e Marchais, a criação do eurocomunismo. Depois do franquismo, a clarividência do apoio à transição baseada na monarquia, com a coragem de afrontar toda a tradição fortemente republicana do seu partido. E, simbolicamente, a coragem daquela figura solitária, ou quase, que vimos orgulhosamente sentado na sua bancada de deputado, no 13 de fevereiro, sob ameaça dos tiros de Tejero. Só lhe vejo paralelo em Mandela.
Também valia a pena saber bem a história de quanto o antifascismo português, e principalmente o PCP, deve a Carrillo e aos partidos comunistas do lado do eurocomunismo. A URSS e seus satélites davam meios financeiros, estação de rádio em Bucareste (a tal Roménia pouco simpática ao movimento comunista moscovocêntrico a que o PCP era tão leal), estudos a clandestinos portugueses, assistência médica. Mas as verdadeiras condições de trabalho e de organização, em clandestinidade, fora o caso especial da Argélia para o trabalho frentista, estavam em França (um pouco também na Itália) e com a enorme ajuda do PCF e do PCE (também clandestino em França), este último nomeadamente na passagem de clandestinos através da Espanha.
Muita gente, depois do 25 de abril, estranhou ver Cunhal regressar num voo de Paris. Esperavam que de Moscovo. Conhece-se bem a lealdade de Cunhal ao sol soviético, a sua crítica aos eurocomunistas, mas com toda a sua enorme capacidade política, foi a estes que mais recorreu. Era de Paris, não de Moscovo, que Cunhal dirigia o PCP.
Isto faz-me lembrar duas experiências pessoais. Primeiro, em 1972 ou 73, em Genebra, o enorme comício do PCE, em que dezenas de milhar de espanhóis imigrantes na Suíça não tiveram medo de serem filmados. Como não tinham, como eu vi, de se concentrarem em S. Fançois, em Lausana, a apoiarem os seus camaradas italianos que iam embarcar no "treno rosso". Nesse comício de Genebra, a inesquecível subida ao palco da Passionaria, pessoa que eu, depois de alguns anos de luta e leitura, nunca tinha pensado ver ao vivo. Além do mais, a pose e até a Já repararam como Cunhal é parecido com ela? A seguir um empolgante mas ao mesmo tempo sereno e objetivo discurso de Carrillo
Outra experiência, numa visita a Moscovo, em que fiquei alojado no hotel onde viviam grandes dirigentes comunistas: Prestes, Corvallan, o dirigente grego no exílio, de que não recordo o nome, já não me lembro quem mais. Via-os a conversar na sala do hotel e reverenciava-os, mas, ao mesmo tempo pensava: “o que estão a fazer aqui? Razão teve Cunhal em sair deste repouso dourado e ir clandestino para Paris, onde também estão os dirigentes espanhóis”.
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