Escrevi antes que "Hoje foi o primeiro dia". Hoje foi o segundo dia. Talvez até o terceiro, porque não pude estar presente e avaliar a jornada em Belém, no dia 21. Vai haver a tendência natural para comparar as manifestações de 15 e 29 de Setembro. Em relação a números, tenho a minha opinião (ou melhor, o meu cálculo aritmético), partilhada por muitos amigos com quem falei hoje, mas não vou entrar na guerra dos números, não vou satisfazer os meus adversários no que menos importa. Em ambos os casos, foi muito povo na rua. Já outras coisas talvez mereçam comentário, para todos aprendermos.
Posso estar a ser injusto, mas pareceu-me ver hoje mais gente “inorgânica”, os que vi na rua no dia 15, do que vi nesse dia 15 todos aqueles, muitos, que hoje iam em grupos organizados, com bandeiras da CGTP. De qualquer modo, como já aqui escrevi, que todos se tivessem juntado foi ótimo, mas ainda há muitas barreiras a vencer. O povo unido...
O povo na rua não deve ser condicionado por quem o chama (claro que sem pensar em grupos provocadores ou amalucados a convocar à invasão da Assembleia da República). Estas duas últimas manifestações já foram um primeiro passo. Diga-se em justiça que foi muito mais claro o apelo a hoje por parte do movimento “Não à troika” do que a atitude ambígua e de última hora da CGTP em relação à manifestação de há duas semanas.
Era visível que muita gente agora a iniciar-se na rua, os que até levam criancinhas, estava um pouco perplexa, aquilo não era a festa revolucionária de há duas semanas. Andamos por ali, contando gente, falando com amigos, olhando para toda aquela gente com olhos de sociólogos amadores, mas afinal numa razoável atitude política, cientificamente objetica, não sectária.
Entretanto, Arménio Carlos era ruído de fundo. Discurso longuíssimo, chato, sem sequer a qualidade e a plasticidade intelectual de Carvalho da Silva, nem uma proposta de reflexão a fazer pensar. Milhentas bandeiras sindicais. Como se sente com isto quem é hoje apenas pessoa independente, homem do povo na rua?
Mas o que mais me impressionou foi o estilo. Há duas semanas, alegria no protesto, porque alegria da camaradagem, humor, espontaneidade, cartazes de fazer partir de rir. Hoje, tudo previsível, disciplinado, abandeirado, só o tal chato discurso, nem uma canção, nem uma palavra de ordem com piada, tudo coisa para gente enquadrada. Assim não se vai lá. A revolução sempre foi imaginação (mesmo no fracassado maio de 68), até quando elegeu como símbolo, na comuna, umas canção romântica, nada política, Le Temps des Cérises.
Ainda algumas notas pontuais, técnicas, que me surpreendem quando se compara a inexperiência dos promotores da manifestação do “não à troika” com o traquejo da CGTP.
A ênfase na concentração num local parece-me falhada. Começa logo pelos números. Ao contrário de uma manifestação de percurso longo, a concentração num único espaço (é certo que tendo de contar com as ruas adjacentes, como hoje) permite facilmente o cálculo de tantos metros quadrados (hoje, com o Google maps, é fácil) vezes tantas pessoas por metro quadrado (não vou dizer quantas, experimentem). Já no caso de uma manifestação em cortejo, os métodos são outros, por exemplo o número de pessoas que passam por minuto vezes o tempo total de passagem. Mas não vou entrar nisto. Em ambos os casos, foi o povo na rua.
Mas ainda sobre números e sobre a opção pela concentração num local, ainda uma nota. Estive em locais em que podia aperceber-me do fluxo de pessoas. Nunca o terreiro ficou cheio, mas durante o longuíssimo discurso, durante uma hora, parece-me que foram muitos milhares de pessoas, simultaneamente, a entrar e a sair. Como manifestantes, devemos contar a soma de ambos os fluxos. Mas porque entravam e saiam tantas pessoas? Pela minha parte, direi que porque nada me atraia, missão cumprida, a ficar ali.
Pequeno pormenor, não percebo a decisão da hora, 15 horas. Num sábado à tarde, ainda praia, almoço tardio e compras, tempo para deixar as criancinhas, as 17 horas de há duas semanas foram acertadas. Hoje, quando entrei no metro às 16, eram multidões já com uma hora de atraso. Já eram quase 17, estava eu à saída da Sul e Sueste, ainda havia muita gente a chegar, mas quase outras tantas a ir para casa, tinham cumprido o seu dever. Onde está a máquina eficiente da CGTP?
Diferença ainda mais importante foi a distribuição geográfica. Hoje foi só manifestação “nacional” em Lisboa. A CGTP anunciou centenas de autocarros. Muito bem, mas cada autocarro são 50 pessoas, logo a participação extra-Lisboa foi menor do que as manifestações locais do dia 15, que ainda por cima foram sentidas como sair à rua na sua terra. Onde ficaram os bem 100.000 manifestantes do Porto?
Há forma de vencer estes obstáculos a manifestações congregadors, ainda que eu pense que, felizmente, se estão a atenuar? Penso que sim, se conseguirmos uma plataforma comum. Por isto estarei no dia 5 no Congresso Democrático das Alternativas.
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