No seu último artigo no “i”, escreve Jorge Bateira que “na realidade, a despesa de uns é, ao mesmo tempo, o rendimento de outros”. Lapidar, simplesmente elementar, meu caro Watson, para quem é minimamente inteligente como são quase todas as pessoas. Desde logo, os alemães, ao menos os que não leem o Bild e que deviam pensar que a nossa dívida é o excedente deles.
Quantas vezes já eu li isto escrito pelos mais reputados economistas (com destaque para os keynesianos e economistas “de esquerda”, principalmente americanos), mas sem sucesso! Sem mais dizer, logo duas observações básicas.
Primeiro, a falácia da alegoria da economia de uma boa família honesta, coisa que Salazar usou e de que abusou, como agora fazem os troikianos da nossa praça. Na economia familiar, só se lida com os rendimentos e despesas da família, não com a economia do que fica fora de portas. Dizer que “somos pobres mas honestos, não nos podemos endividar, temos de pagar as dívidas” é estupidez, ignorância rupestre da economia ou demagogia. Não há economia de casa fechada, sem trocas, a menos que se viva em comunidade primitiva de auto-subsistência.
Segundo, na mesma ordem de razões, os economistas da escola dominante ou são aldrabões ou demonstram que a economia não é uma ciência, antes um instrumento ideológico. Fora os políticos que não sabem nada de finanças, como Merkel e Passos Coelho e que “emprenham pelos ouvidos” pelos seus gurus economistas, a generalidade dos agentes do sistema económico são considerados - e como tal mostram currículos - grandes expoentes da economia.
Não se pode acreditar facilmente que, sendo assim, tudo catedráticos e banqueiros de topo, possam ignorar, experiência após experiência, o que a história recente demonstra: o sucesso, contra as suas profecias, das reformas argentina, equatoriana, islandesa; o descalabro da austeridade imposta à Grécia, e vamos a ver Portugal; o aumento do flagelo do desemprego, que consideram uma espécie de acidente de percurso; a falta de resultado da “fada de confiança” do mercado; o reforço do poder do capital financeiro, à custa do empobrecimento geral; a debilitação da própria democracia.
É que esta gente não atua como economistas, como cientistas, como analistas rigorosos de experiências concretas. Eles são apóstolos fanáticos de uma nova religião, querem instaurar no mundo real a ideologia e conceção de mundo que têm na cabeça, que aprenderam como estudantes e que transmitem como professores, Gaspares, Borges, Nogueiras, Belezas (e até, como em todo o sistema aristocrático, a tolerância com os "classe mais baixa", Álvaro, Pina Moura, Duque e outros). E, com outro tipo de obsessão, Medina a ajudar à festa.
É gente que praticou na grande casa mãe comum, o tenebroso Goldman and Sachs, onde começaram a ter enormes benefícios pessoais que querem manter e aumentar, como nunca nenhuma aristocracia conseguiu em toda a história. Até com o aspeto psicológico de ânsia de se sentirem na elite da aristocracia mundial, passearem-se em Davos. Comparados com eles, Coelhos e outra bicharada são pobres diabos.
Como todas as religiões, têm os seus mandamentos ou dogmas. Os mercados são divinamente inteligentes e têm sempre razão. O capital financeiro é o ex-machina milagroso a que tudo é devido. Se não se respeita o capital, ele emigra e todos nós empobrecemos. Os homens não são imanentemente iguais, merecem mais os que vencem na luta pela vida. Quem quer ter benefícios de educação, saúde, reforma, deve pagar. Etc.
Nunca se viu tal ofensiva dos poderosos, poucos, contra conquistas populares que se julgavam irreversíveis, até desde a Revolução francesa, e principalmente desde o estabelecimento do estado social. Será essa gente louca, malévola, estruturalmente criminosa? Também o seriam Savonarola, Torquemada, Pombal, Salazar? Ou mesmo as aberrações fascistas e estalinistas? Não, o que têm em comum é o fanatismo, a maior doença da mente humana, que mistura irracionalidade, insensibilidade, crueldade, egoismo, vaidade. Viva S. Gaspar!
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