Os angolanos, pretos, mestiços e brancos, são surpreendentes. Vou falar principalmente dos brancos ou dos mestiços muito diluídos porque eram a enorme maioria dos alunos do principal liceu de Luanda, o Salvador Correia, nos anos 60. Lá andou a minha morena e grandes amigos seus que já me adotaram com grande fraternidade, convivendo numa festa anual que reúne largas centenas de amigos. Como disse, maioritariamente brancos, mas também alguma negritude.
A coisa mais manifesta é a alegria. É gente já quase todos a caminho dos 60s, mas divertem-se, riem, dançam horas e horas, como se fossem jovens. Recordam histórias de meninos em que entram miúdos de pé descalço como na minha Rua do Saco, sem eu notar grande diferença em que esses miúdos para mim eram brancos e para eles eram pretos.
Também conversamos sobre coisas sérias. Eu confesso que tenho alguma ideia estereotipada dos "retornados". É verdade que estes com que convivo agora já são os filhos, mas cada vez mais penso que muitos e muitos deles teriam gostado de continuar a viver numa terra natal que lhes diz muito. De muitos ouço a crítica à sociedade colonialista em que viveram, de que beneficiaram mas que agora reconhecem ser injusta. Basta perguntar-lhes o que disse antes: "quantos colegas pretos tiveste no liceu?".
Muitas vezes, a conversar com estes meus novos amigos angolanos, discordamos politicamente. Compreensivelmente, muitos não aceitam bem o meu "racionalismo" sobre a descolonização e, no caso deles, sobre Alvor. Horrorizam-se com a sua guerra civil, e dou-lhes razão. Horrorizam-se com a repressão a seguir ao golpe nitista, e dou-lhes razão. Lamentam que não tenha vingado o espírito de abertura à Pintos de Andrade (estive nesta última festa com um sobrinho), e dou-lhes razão. Mas não consigo mostrar-lhes que a história não é um conto moral.
No entanto, tenho uma certeza adquirida de todas estas conversas. Esta gente é angolana, não são "pieds noirs" argelinos; gostaria que os seus maioritários compatriotas, negros, os aceitassem como seus irmãos. Eles não são, na grande maioria dos casos, a personificação consciente do colonialismo. E são fundamentais para a construção de uma comunidade lusófona que até agora é uma anedota. E eu pertenço a uma universidade que tem por título Lusófona.
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