quarta-feira, 4 de abril de 2012

Notas soltas (afinal atadas)


1. Um tal Sr. Peter Weiss, obviamente alemão, um dos muitos cinzentos e engravatadinhos euroburocratas, pasta à moda do velho “homem da Regisconta”, veio dizer que os subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos deviam ser definitivamente abolidos. Para já, reconhece ele, uma pequena dificuldade, não é constitucional, “mas trataremos disso”. Uma disposição constitucional portuguesa é uma pequena dificuldade de que um alemão vai tratar?! Este senhor é alguém com poder democrático legítimo, no meu país, em quem eu tenha votado? Um funcionário de Bruxelas vale mais do que o poder constituinte dos povos? A democracia não está em risco? Meus compatriotas, não vos arrepia nada pela espinha acima? Ou séculos da tal espinha vergada e submissa perante todos os poderes ainda hoje vos fazem pensar que devemos é beijar respeitosamente a mão a estes “benfeitores”?
Ao mesmo tempo, tão iluminada mente ficou confundida com coisa inesperada. A taxa de desemprego está a derrapar, maior do que todas as previsões da troica. O homem, a quem falta o mínimo de racionalidade e espírito científico, não diz o elementar: “é inesperado, vamos analisar, reconsiderar este facto no quadro do modelo em que nos baseámos para a política que impusemos no memorando, temos de repensar esse modelo se coisa tão importante como esta está a destoar”. 
Não, diz que não tem explicação lógica, mas não pode ficar calado, tem de adiantar uma explicação, por absurda que seja, porque mesmo uma asneira serve para “mostrar” que a cabecinha pensa. Afinal é porque as pessoas se despedem antecipadamente (alguém se despede voluntariamente?) enquanto não chegam piores condições de despedimento (é sintomático que ele admita que vêm aí piores condições de despedimento). No entanto, o homem admite não ter "nenhuma evidência disto" e que há o risco de termos de rever os números do desemprego na próxima avaliação da troika, em Maio. 
Estão a brincar com coisas sérias, estão a fazer um trabalho religioso e sectário de afirmação dogmática da sua crença, disfarçando-o com coisas intelectualmente rudimentares mas que vão ao encontro da “sabedoria” irracional do homem comum. Nós não estamos só a lidar com funcionários incompetentes, ou com altos funcionários robôs como Gaspar. Em ambos os casos, estamos a lidar com fanáticos e não há mais do que um centímetro entre o fanatismo cego e a burrice (e também a crueldade objetiva da insensibilidade humana e social).
2. Eu começo a já pertencer aos restos da geração que ainda viveu o salazarismo. Descontando os seguidores medíocres, a maioria, e o aparelho repressivo troglodita, o “botas” tinha qualidade intelectual, fundamentação teórica do seu pensamento político execrável, que esta canalha de hoje nem tem, escrevia excelentemente, com raciocínio articulado. E era a doutrina que estava ao seu serviço, como lhe convinha (Cerejeira que o diga), enquanto que Gaspar e outros são meros frades menores a entoar cantos à doutrina de um qualquer seu deus supremo que os iluminou como apóstolos da religião ultraliberal.
3. Há muitos parâmetros a considerar na análise da crise. Variação do PIB, balança comercial e de pagamentos, investimento, relação entre a produção de bens transacionáveis e não transacionáveis, défice orçamental, dívida pública, dívida privada, "saúde" do balanço dos bancos, etc. (isto não vai por ordem de importância). 
Para mim, como político leigo em economia, dou a mais alta importância ao desemprego. Não é só por ser uma chaga social e um problema pessoal, que se transferirmos para nós próprios, é um pesadelo. É que me parece não ser preciso ser-se economista para se perceber que o desemprego afeta tudo o mais. Do lado da receita, é menos gente a contribuir com impostos, que os desempregados não pagam. É menos gente a produzir e por isto a fazer diminuir a matéria fiscal coletável das empresas, IRC e IVA. É menos gente a consumir como dantes, logo a diminuir o PIB e as receitas fiscais de que falei. Do lado da despesa, são os subsídios de desemprego e outras ajudas sociais (sem ignorar as despesas de saúde pelos bem conhecidos efeitos psiquiátricos do desemprego).
Estive há dias em Madrid e conversei com velhos amigos muito preocupados. A Espanha ainda não está a sofrer a austeridade troikiana, mas está-se a agravar um problema crónico espanhol, o do desemprego. Vê-se por toda a parte: gente a desenrascar-se, vendedores de rua de tudo e mais alguma coisa, semi-mendigos (as estátuas vivas, os músicos de rua, gente a interromper-nos o jantar para vender uma flor) e também, por toda a parte, mendicidade pura e dura, até de portugueses com cartazes a dizerem “ajudem-me a voltar para o meu país”. Curiosamente, não sei porquê, ainda não vemos isto em Portugal. Ou sou eu que não ando muito pela baixa.
4. É notícia a demissão do vice-presidente da bancada do PS, Pedro Nuno Santos, manifestando publicamente o seu desagrado com as meias tintas de Seguro, que de seguro não tem nada, personificando a moleza, a ambiguidade, a redondeza, a insegurança. 
Não conheço Pedro Nuno Santos, mas fiquei a considerá-lo quando disse que Portugal tinha de dar um murro na mesa, porque isto poderia fazer pensar duas vezes o casal Merkozy, com um pequeno país a pôr em risco o seu tranquilo domínio da UE e a fantasia de que o euro está bem e se recomenda. O deputado foi achincalhado por tudo o que é bem pensante, que acha que se deve beijar a mão dos benfeitores. Infelizmente, até de gente de “esquerda” li que “o rapaz" não funciona bem. Peço a algum meu leitor que tenha contato com ele, que eu não tenho, que lhe faça chegar um meu abraço.
5. Este PS, onde não percebo como é que ainda estão - não é por estarem, é por estarem sem eficácia - meus caros amigos de esquerda, prepara-se para votar a ratificação do aborto do novo tratado europeu, o do “pacote orçamental” ("fiscal compact"). Contra isto, ouve-se hoje, no DN, o protesto forte de Mário Soares. Mal vai o PS quando é um patriarca retirado, sem influência prática, sem capacidade de mobilização de militantes, que aparece como alma de esquerda do PS. Ainda por cima, nunca o vi como exemplo de uma posição coerente de socialista não-marxista mas radical, como Jaurès influenciou o PSF. Por isto, mais estranho é que seja este homem já “inútil” (?) que se desmarca da situação dos socialistas europeus, herança da pior desgraça que lhes aconteceu nas últimas décadas, a terceira via e o “blairismo”, depois agravada pela vergonhosa capitulação perante a ideologia ordo ou neoliberal.

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