terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Referendo

Quero um referendo ao próximo tratado europeu. Muito fica para escrever depois, até sobre esta coisa inicial - é ou não um tratado europeu? - até também sobre os riscos desta iniciativa de referendo, até sobre quem já avançou com esta proposta e porquê. Neste momento, escrevo só que quero um referendo e faço um apelo aos meus amigos e leitores. O resto virá a seguir. E acreditem que sou desprendido. Não me fecho em copas até ter um texto bem combinado para colocar na net como petição, eu à cabeça. Que alguém o faça; que eu, se me agradar, assino quando tiver azo. 
A política hoje é a economia política. Mas a política hoje como ontem e amanhã tem de ser coisa do homem comum e o homem comum não tem biblioteca nem sabe nada de finanças.
A política hoje foi assenhorada por um bando de gente sem vergonha, desvertebrada. Mas a política hoje como ontem e amanhã tem de ser coisa do homem comum e o homem comum é honesto, é íntegro, mesmo que não saiba nada da filosofia da honestidade intectual e nunca tenha lido Epicuro, Descartes ou Espinoza.
A política hoje continua definida por categorias com total validade ideológica, desde logo esquerda e direita. Mas a política hoje como ontem e amanhã tem de ser coisa do homem comum e o homem comum tem sido confundido com terminologias que, por uma questão de palavras, o afastam da noção das dicotomias essenciais, sem a importância mas também o significado subtil de “o nome da rosa”. Tenho de arranjar um novo nome para a minha querida esquerda, porque este foi muito conspurcado e não só pela direita.
A política hoje está nas mãos de gente apátrida, traidores como Camões reconheceu que sempre houve na nossa história. Mas a política hoje como ontem e amanhã tem de ser coisa do homem comum e o homem comum sabe o que é ser modesto mas importante grão de areia de tão pequena pátria como esta pequena praia ocidental. 
A política hoje está nas mãos de cobardes que se ajoelham diante dos efemeramente poderosos, sargentas prussianas ou patéticos gendarmes franceses de opereta. Mas a política hoje como ontem e amanhã tem de ser coisa do homem comum e o homem comum malha varapau à malhadinhas ou ao menos, se não pode mais, manguita.
A política hoje está nas mãos de gente egoista e mesquinha, à menino de escola  “sô pfessô, foi aquele menino, não eu, foi o grego”. Mas a política hoje como ontem e amanhã tem de ser coisa do homem comum e o homem comum, como dizia Torga dos seus transmontanos, é aquele que responde ao bater à porta “entre, se vem por bem”.
A política hoje está nas mãos de gente que confia na impunidade, na brandura dos costumes a que o seu salazarismo cultural de infraestrutura mental os conduz. Mas a política hoje como ontem e amanhã tem de ser coisa do homem comum e o homem comum andou numa das mais terríveis guerras civis, as lutas liberais, foi atrás da Maria da Fonte e lutou na Patuleia (sem que eu elogie essa guerra).
O homem comum julgava que tinha entrado num clube de nações de primeiro nível mundial, exemplo do maior avanço da civilização, coisa que lhe disseram - a Europa connosco - que era o supra-sumo da democracia, um espaço europeu de iguais, fosse o pequeno Portugal ou a enorme Alemanha.
O homem comum ouve agora que afinal dois governantes medíocres, acolitados por mais muitos outros e incluindo o seu, empurrados por quem verdadeiramente manda, os homens da finança, vão fazer tábua rasa de tudo o que ainda é respeito elementar pela lei e pelos alicerces da nossa noção de estado democrático e de direito, a casa comum da gente de bem
O estado democrático moderno tem raiz muito notória no parlamentarismo inglês expresso na Magna Carta. O essencial desse documento seminal é o direito dos povos a decidir dos impostos que pagam. Isto é, do orçamento do Estado. Nunca ninguém até agora se atreveu a limitar esta coisa basilar da democracia e dos poderes essenciais dos parlamentos.
Até esta aliança merkoziana querer impor que o nosso direito soberano de votarmos as contas públicas, por meio dos nossos representantes, seja limitado por um “governo económico europeu” que é apenas o visto prévio, burocrático, exercido por entidades europeias sem legitimidade democrática, sobre as propostas de orçamento, a ver, “nihil obstat” como nos tempos inquisitoriais, se os parlamentos podem então exercer o direito de voto, quase reduzido a uma formalidade.
É claro que têm razão todos os que dizem que o euro exige um governo económico europeu. Mas governo económico, orçamento comum, solidário, à Estados Unidos, não é aquilo que nos estão a impor. Desafio um amigo meu americano, qualquer, a comparar a visão federal de Jefferson e dos outros pais da União com o discurso horroroso do casal merkoziano. Ou até o meu caro amigo Bernie, suíço. Mais tarde escreverei sobre isto.
Nem falo sobre as regras que vão ser impostas, mais ou menos tantos por cento.  Nem falo de muitas outras coisas que vêm no próximo tratado. Nem falo do desrespeito pelos povos que é esta conversa de tratado comunitário a 27, mas se não pode ser será a 17, com mais os que vierem, coisa reveladora da falta de ética política e de sentido de grandeza histórica e civilizacional dos governantes desta Europa em fim de ciclo histórico, numa nova queda do império romano.

Hoje, falo só do político. E falo como português indignado. Como cidadão que quer que a sua voz seja ouvida. Sem menosprezo por muitas outras formas de manifestação política, dou particular atenção àquilo em que muita gente me acompanha - a nossa voz é o voto (não só!). 
Assim, reclamo a convocação de um referendo antes da ratificação por Portugal do próximo tratado decidido na cimeira de 8-9 de dezembro.
NOTA - Isto de referendo tem muito que se lhe diga, na prática. Quem viveu na Suíça até tem boas razões para refletir. Pesei bem antes de fazer esta minha modesta proclamação, mas não quero agora enfraquecer o seu efeito e significado com considerações práticas que ficam para amanhã ou depois. E nem me importa quem já o propôs. Se o fizeram a sério, estendo-lhes a mão.

1 comentário:

  1. Inclino-me perante o mérito cívico e intelectal, coragem e desassombro destas palavras, que subscrevo, até nas que não escreveria mas que aceito como se aceita um Manifesto: um entre nös ergueu-se acima da mole e gritou nas suas palavras o nosso estado de alma.
    Os do costume querem proteger as suas notororiedadezinhas quando se pressente no clamor a inevitável erupção cívica: os sinais são mais do que muitos e acredito que mesmo o autismo oligárquico se sentirá inseguro atrás do infame escudo dos seus zelotas, servis idiotas. Os do costume querem ser a espuma, a vanguarda.
    Mas já não será assim, penso eu.
    Esta revolta que alastra não se contém nas débeis fronteiras nacionais e a sua organicidade será de outro tipo. Ficará como o sobressalto cívico de quem se vê espoliado do seu direito através de um jogo de sombras em que a democracia representativa passou a uma caricatura ignóbil.

    Acredito que este momento, o referendo, é essencial: é a estaca zero a que temos de voltar.

    Mais uma nota, para contribuir para que a frase "it's the economy, stupid" seja varrida e cesse de "justificar" os subsequentes "read my lips": a politica sempre, mas sempre, foi caminho para gerar e distribuir, ou seja, sempre foi economia. Para quê esta permanente invocação do óbvio, como se fosse novidade? O que ela nunca foi é aquilo em que alguns querem transformâ-la: finanças.

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