segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Chamada de atenção

Quem leu a minha última entrada não estranhará que eu chame a atenção para este artigo exemplar de Jorge Bateira, no jornal I. "Portugal está em crise devido às políticas da troika. A esquerda que se opõe a elas está também em crise. Precisamos de uma nova esquerda, com a ambição de governar o país".
As palavras que destaco fazem toda a diferença. Porque esquerda a viver mesquinhamente das suas pequenas benesses de oposição parlamentar, satisfeita com a inevitabilidade de nunca ser poder, mas com subsídios a pagar dirigentes e funcionários; esquerda de gente da minha idade cansada mas muito hábil e experiente em arranjar alibis - não há condições, as pessoas estão assim e assim...; esquerda inconsequente de "hoje saio à rua como amanhã sairei para uma boa farra"; esquerda de exibições de gurus para gente honesta que eles tomam por papalvos; obrigado, isto não é a minha esquerda e a esquerda que julgo que é a de que precisamos - consequente, mobilizadora, capaz de oferecer a milhões de pessoas honestas e politicamente carentes uma alternativa real.
Afinal, coitado do JVC. Cruzei por ele, veio ter comigo, numa rua da Baixa. Se calhar até nem simpatizo com ele. E não tenho para lhe dar coisas de parvo ou romancista russo. E ele está ao lado da escala social, é isolado na alma, é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki. Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações! Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia! E a dizer: sou lúcido. Nada de estéticas com coração: sou lúcido. Merda! Sou lúcido.

Sou lúcido porque nunca me passeei na política, quando passear à diletante era caminho para Caxias sem sentido nem proveito. Fiz-me a levar muito a sério a política, a medir cada passo, qualquer erro custava muito caro. Ainda hoje, embora com o maior afeto, me custa ver quem mede o seu passado mais pelo que sofreu do que pelo que fez. Quem não desejou fazer sem sofrer? Nem todos tiveram esta sorte, infelizmente.

Ainda hoje não me livro deste critério de eficácia política. Ser lúcido hoje é, pelo menos, ter presente que daqui a três anos e meio vamos às urnas e continuamos a ter o arco íris da troika interna e a "alternativa" que não adianta e em que muita gente não confia, até por más razões de preconceito ideológico e de manipulação orwelliana. Em quem se vai votar? Ou vamos na onda de que "votar não interessa, sistema parlamentar não interessa, partidos não interessam, não sujamos as mãos neste sistema político mal-cheiroso, esperamos pelo momento da pureza, lá nos confins do futuro haverá uma alternativa"? Enquanto, nos anos que estão à vista, nos vamos esmifrar sem essa alternativa.

NOTA - Muito escrevi aqui a palavra esquerda. O meu grilo falante, sempre preocupada com a eficácia do que escrevo e com que concorda e me quer ver realizado, lembra-me que muita gente séria, à M. Jourdain, é de esquerda sem o saber ou até se horrorizando com tal ideia. Que, por esta simples razão pratica, eu devia inventar outra palavra, mas também ela não sabe qual. Alguém tem uma ideia?

1 comentário:

  1. A esquerda tem medo de ser isso mesmo,esquerda?! O P.S., tem receio de apresentar caminhos de verdadeira politica de esquerda. Persiste em ter o socialismo na gaveta, mas engana-se se pensa adiar o futuro.
    Maldonado

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