Porque é que os nossos políticos não refletem um segundo que seja antes de praticarem esta regra hoje vergonhosamente básica da política que é o “sound bite”? Leio hoje que António Costa é claramente favorável à proposta de Francisco Assis de realização de eleições primárias, com os cidadãos a escolherem quem querem à frente do partido. Boa, eu quero escolher, eu quero escolher!
Coisas destas, demagógicas, caem bem e não teriam grande mal se as pessoas não as bebessem como novo pão e circo, caindo no seu fundo de aceitação acrítica do populismo, mas sem significado real ou, pior, com riscos para a democracia e o funcionamento das instituições. É claro que há coisas com menor valor material do que o seu valor simbólico e ético. Ainda há dias, jantando eu excecionalmente num restaurante de luxo para comemorar um dia único, vi uma mesa de um novo ministro com mais meia dúzia de gente obviamente meninas e meninos do gabinete, fatinhos Armani que, segundo o perclaro Saraiva Expresso/Sol definem hoje a nossa classe média. O ministro radiante, tão ministro que cumprimentou entre portas a minha mulher que nem o conhecia, até pode ter pago com o seu próprio cartão, mas a mulher de César tem de parecer.
Diferentes são coisas que ouço, sintomáticas da zanga das pessoas e da sua aceitação dos candidatos sei lá a quê.
Que é inaceitável ver todos aqueles computadores (de facto, apenas monitores) no plenário da AR, quando quem diz isto usa o computador da empresa para ver vídeos XXX e mandar “spams” com desinformação rasca.
Que devia haver só cem deputados, sem perceberem que essa economia (quanto, em amendoins?) lesaria fortemente um dos nossos princípios democráticos e constitucionais, o da proporcionalidade?
Que aplaudem PPC por ter viajado demagogicamente em turística, quando viajar em turística ou em executiva para PPC é exatamente igual, que a TAP não lhe cobra bilhete e talvez ele tivesse chegado em melhor forma a Bruxelas, para defender o país, do que depois de três horas de aperto, de lumbalgia e de náusea por uma sandes horrorosa e quase congelada.
Que aplaudem a demissão dos governadores civis, quando tudo o que se poupou foi o seu vencimento, porque toda a máquina continua em funcionamento (os governos civis não foram extintos, como não podiam ser de um dia para o outro).
Que acham muito bem o “emagrecimento” do governo, que afinal vai custar muito dinheiro e tempo em milhentas coisas, desde a ridicularia mas cara da substituição de todo o papel, envelopes, cartões diversos, “sites”, sinalética, contratos para desenho de logotipos, até à mudança de instalações, à comunicação da mudança a milhares de correspondentes nacionais e estrangeiros, quando tudo isto podia ser feito no próximo trimestre, ordenadamente e com racionalidade de custos ou com redução transitória do pessoal dos gabinetes?
Vamos então às diretas, segundo Assis e Costa, A&C. Não se está a falar do que já está em uso em alguns partidos, a eleição do dirigente por todos os militantes e não só pelos delegados ao congresso. É agora a versão americana da escolha do candidato presidencial de cada um dos dois partidos. Começo por aqui. Tudo o que direi a seguir tem em conta a situação de bipartidarismo americano e é impossível num sistema multipartidário, como o nosso. A&C deviam saber.
O candidato presidencial de cada partido, nos EUA, é escolhido na convenção, pelos delegados partidários dos estados. Note-se, é o candidato a presidente, não a líder partidário, coisa vaga que o presidente nem é. Conforme o partido e a norma de cada estado, os candidatos podem ou não estar vinculados a um voto resultante das primárias no seu estado, em relação ao seu partido. Esquecendo agora uma coisa muito interessante, mas complicada e não muito significativa no conjunto eleitoral que é o “caucus”, as eleições primárias podem ter como eleitores todos os cidadãos, de tal forma que, como diz a notícia sobre o nosso PS, não militantes podem votar em quem querem ver à frente de um partido?
Não é verdade, o uso americano é radicalmente diferente, em lógica constitucional e de funcionamento do sistema político. Não é comparável ao nosso. Está a funcionar um sistema em que os partidos são muito fluidos, em que os eleitos são muito menos dependentes do partido do que o papel constitucional dos partidos estabelece em Portugal. Os cidadãos, mesmo interferindo nessa votação partidária, não estão a votar num líder partidário, como o entendemos cá. É muito diferente o líder partidário, quase que só burocrático ou principalmente de tesoureiro (quem o conhece?) num sistema como o americano, centrado no Presidente, e num sistema parlamentar, como o nosso (essa do semi é pouco significativa). A&C deviam saber.
Na maioria dos estados, votam nas primárias, num ou no outro partido, "elefantes" e "burros", com cadernos eleitorais definidos, cidadãos que previamente declaram a sua simpatia por um ou outro partido, porque não há verdadeiramente militantes partidários, como nós temos. Não votam em ambos, não influenciam imoralmente a escolha dos simpatizantes do outro partido. É muito diferente de dizer, à PS, que os eleitores vão ter uma palavra sobre a escolha dos dirigentes partidários. Quais eleitores? Também os do PSD, do CDS, etc., vão ter uma palavra a dizer sobre a escolha do SG do PS? Não se brinque com coisas sérias nem se considerem as pessoas estúpidas. A&C deviam saber
Há casos de estados em que qualquer cidadão pode votar em ambas as primárias, democráticas ou republicanas. Isto permitiria manipulação, com arregimentação de votantes de simpatia democrática, por exemplo, a influenciarem a escolha dos simpatizantes republicanos. Por isto, nestes casos, essa votação larga é indicativa e não vincula o voto dos delegados à convenção. A&C deviam saber.
Eu vou aproveitar o que o PS iria propor para, não sendo militante, sendo muito crítico, meter o meu pauzinho na engrenagem da escolha do dirigente máximo do PS? Deve haver alguma coisa a defender disto o PS. A&C deviam saber, .
A&C deviam saber, mas são demagogos ou desconhecem. Porque desconhecem? Porque não conhecem o mundo para além das curtas viagens políticas, entre hotéis e reuniões, não viveram em outras terras, nem sequer criaram profissionalmente a rede de amigos, nos negócios, na ciência, na universidade, nas atividades culturais, que lhes permitem mandar um simples “mail”, “Hi, Joe, what’s a caucus? Who can vote in the primaries in your state?” Se calhar, nem conseguem escrever “inglês técnico”.
A sua vida é a da política provinciana. Quando muito, andaram pelas instâncias políticas europeias que são - eu conheci-as bem - a maior caixa de ressonância do provincianismo nacional, ainda mais balofa, mais pomposa, mais intelectualmente medíocre. Bruxelas é hoje a versão atual de uma Europa que continua a ser a do congresso valsante de Viena, mas com menos elegância, menos maneiras, menos "verve", menos "finesse", e até, hélas, porque isto também era cultura europeia, à meu conterrâneo ilhéu Fradique, com menos "spleen".
Em muitos casos, com destaque para os dois jotas hoje em foco nos dois maiores partidos, na passagem de testemunho, nunca tiveram vida para além desse provincianismo partidário. Portanto, meus amigos, antes de quererem, sem se saber como, substituir “todos os políticos”, arrasar o sistema, oferecer a democracia a cavalos doidos do poder, pensem bem é em quem votam, porque é nesse momento do voto que fazem a vossa crítica e mostram que a vossa legítima zanga não é cega nem manipulável pelos demagogos.
É certo que o voto possível, hoje, não corresponde ao vosso “não à mediocridade de muitos políticos” (a não ser quando o branco for compreendido como isso). Mas a solução não é o niilismo, a “democracia direta” em voga. Muito diferente é a “democracia participativa”, que tanto discuti com amigos pioneiros, há 20 anos, do pensamento político alternativo em Portugal, sem sucesso prático, antes de o meu grupo ter sido comprado na OPA da Política XXI, depois constitutiva do BE, hoje parece que com problemas de coexistência com os herdeiros dos fanatismos esquerdistas. Escreverei brevemente sobre isto.
Em muitos casos, com destaque para os dois jotas hoje em foco nos dois maiores partidos, na passagem de testemunho, nunca tiveram vida para além desse provincianismo partidário. Portanto, meus amigos, antes de quererem, sem se saber como, substituir “todos os políticos”, arrasar o sistema, oferecer a democracia a cavalos doidos do poder, pensem bem é em quem votam, porque é nesse momento do voto que fazem a vossa crítica e mostram que a vossa legítima zanga não é cega nem manipulável pelos demagogos.
É certo que o voto possível, hoje, não corresponde ao vosso “não à mediocridade de muitos políticos” (a não ser quando o branco for compreendido como isso). Mas a solução não é o niilismo, a “democracia direta” em voga. Muito diferente é a “democracia participativa”, que tanto discuti com amigos pioneiros, há 20 anos, do pensamento político alternativo em Portugal, sem sucesso prático, antes de o meu grupo ter sido comprado na OPA da Política XXI, depois constitutiva do BE, hoje parece que com problemas de coexistência com os herdeiros dos fanatismos esquerdistas. Escreverei brevemente sobre isto.
Nota - Esta vai em conta dos meus caros amigos que acham que eu estou a esquecer a política e só escrevo sobre economia (política!). Vejam que não há nesta entrada nada sobre a dívida e a reestruturação ;-)
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