sábado, 9 de julho de 2011

Contra as agências, marchar, marchar...

Com todo o coro patrioteiro, unanimemente juntando azeite e vinagre, descobrindo agora que é intolerável esta perversão de capitalismo financeiro desregulado (sabem finalmente o que é o neoliberalismo?) de uma agência privada mandar em estados soberanos (somos mesmo soberanos?), descobrindo agora o que os marginais esquerdistas terríveis e lunáticos vêm a dizer há anos, com tudo isto, dizia, eu esquerdista lunático sinto-me no direito de não me embrulhar na bandeira, não acordar a cantar o hino, não ir envolver o Camões em crepes negros. Meninos, têm o que merecem!

A agência está a fazer batota, está a manipular, está a aldrabar, está a satisfazer interesses ocultos, não tenho dúvidas. Está a fazer aquilo para que nasceu, está a cumprir a sua natureza. Agora vós, políticos, banqueiros, jornalistas económicos, economistas de serviço, novos "indignados", não tendes estado a fazer exatamente o mesmo com o povo português? Não será também esta a vossa natureza? Vão...

Que a ANA indignada rescinda o seu contrato com a Moody's, que o PR descubra agora que afinal não compensa manter os mercados calmos e sem histerias de meninas púberes, que os nossos banqueiros estejam virtuosamente indignados, que Ribeiro e Castro ponha a Moody's em tribunal (quando José Reis e outros foram ridicularizados por o fazerem, há tempos), que Jardim proíba esses americanos de entrarem na Madeira, tudo isto é folclore ridículo, mas triste porque hipócrita.

Faz-me pena é ver gente lúcida a embarcar nesta histeria. E a escrever coisas emotivas, irrefletidas, sem sentido. Por exemplo, hoje, no Público, São José Almeida com uma longa diatribe porque a Moody's nos ofendeu, chamando lixo a Portugal. "Um país, uma nação, uma comunidade unida por factores comuns como a língua, a história, a cultura, por aquilo que se convencionou chamar a unidade nacional de uma população, é lixo? Será que aceitamos todos ser atirados para o caixote do lixo? Eu, por mim, não!" Haja calma, quem é que está a atirar para o lixo SJA, a menos que ela se vista com títulos do tesouro?

Que se diga que a Moody's atacou a economia portuguesa, que foi desonesta e manipuladora, são argumentos a provar mas com sentido. Agora já chegarmos à ofensa ao país, terem chamado lixo a "esta ditosa pátria minha amada", é mesmo de republicanismo serôdio. O que a agência considerou lixo (e mesmo assim descontando-se que é jargão, menos ofensivo do que o PIGS estilo UE com que ninguém se indigna - ou não sabem inglês?), lixo, dizia, são os títulos de dívida pública e privada portuguesa. E são, ou pedir 19% de juros por eles (a três anos, números de anteontem) não é decisão do infalível mercado?

Nunca ninguém disse que Portugal era lixo! Se eu ler no FT (e li) que um primeiro ministro português era lixo (ou qualquer coisa tão mal cheirosa como isto) vou ficar indignado porque estão a chamar lixo ao meu país?

Quando as pessoas perdem serenidade numa discussão, fazem ruir todos os seus bons e legítimos argumentos.

NOTA - A propósito de juros de 19% (e os da Grécia já vão em 30%, como nós também veremos daqui a um ano), pergunto aos meus amigos e conhecidos de formação judaico-cristã e que vêem - bem - as coisas pelo lado moral, daí que seja muito feio reestruturarmos a dívida e sermos caloteiros: - Qual é o valor de juros acima dos quais é pecado nefando, pecado do diabo Mammon, ser-se avarento, agiota, usurário, segundo os ensinamentos religiosos e mesmo as leis e costumes das nossas sociedades medieviais?

P. S. (11.7.2011) - E não é que um leitor, como vejo por mensagem que recebi, levou mesmo a sério essa dos crepes na estátua do Camões, pondo-me alguns problemas de ordem logística e organizativa em relação a tão patriótica ação? "Ó meninos!", como diria o João da Ega. Voltámos ao passado ou vivemos sempre no passado? Contra o ultimato, vestir de preto o Camões. Ó pérfida Albion! Devolvamos as condecorações (mas guardemos os estrelinos). Contra os canhões, marchar, marchar. Já não será tempo de finalmente apanhar o elétrico (o americano), mesmo perdendo o paio com ervilhas, que ferro, já me vinha a apetecer desde Paris?

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