sábado, 5 de outubro de 2013

Continuando, outra vez um novo partido

Na entrada anterior, afirmei enfaticamente que, para mim e creio que para muita gente que já não acredita em fadas nem em virtudes de meninos de coro, seguros ou inseguros, o conjunto partidário nuclear que, para já, pode dar sustentação institucional a uma esquerda coerente e consequente, é constituído pelo PCP e pelo BE. Aliás, nem é preciso grande trabalho porque, ao que se sabe, o seu entendimento, principalmente na Assembleia da República, não tem sido muito difícil. 

Mas não basta. Nestas últimas eleições, tiveram, em conjunto, 15,1% dos votos (assembleias municipais, voto menos personalizado, e em termos de votos validamente expressos). Se, passe algum erro do exercício, distribuirmos proporcionalmente aos votos de cada partido os votos das listas (considerando só PS, PSD e CDS, porque não creio que tenha sido significativa a votação de eleitores do PCP e do BE nessas listas) e também proporcionalmente ao PSD e CDS os das suas coligações, o resultado eleitoral seria: PS –  39,1%; PSD – 24,5%; CDU – 12,0%; CDS – 4,8%; BE – 3,2%.

O PS consegue formar governo em aliança (coligação plena ou acordo parlamentar) com o PSD e, muito provavelmente e graças ao benefício do método de Hondt, com o CDS. Até, eventualmente, com o BE. Porque iria fazê-lo com o PCP, mesmo que na versão suavizada de aliança de esquerda (PS–PCP–BE)?

Faltam votos a esta esquerda coerente e firme que defendo. Onde ir buscá-los em tempo útil, para eleições que, o mais tardar, serão em 2015?

Bom número de pessoas de esquerda, eu incluído, vem desde há bastante tempo a proclamar a necessidade de um novo partido de esquerda. Pela minha parte, leia-se aqui, aqui ou aqui. Também, por exemplo, José Vítor Malheiros ou André Freire ou, ainda mais enfaticamente, Jorge Bateira, como ainda há poucos dias no iOnline.

Temos posição comum em relação ao que pensamos serem as características essenciais de tal projecto partidário. Escrevi-as, conforme a minha opinião, nesta entrada. Também, por outras palavras e mais resumidamente, Jorge Bateira: “Um partido de esquerda, socialista, que assuma a ruptura com o neoliberalismo como condição necessária para que o país se possa desenvolver. Que diga ao país que uma saída do euro, a decidir em momento próprio, comporta sacrifícios, porém temporários e sem comparação com os da situação asfixiante em que nos encontramos. Um partido capaz de formular uma estratégia de transformação democrática do nosso capitalismo periférico, imbuído de um europeísmo realista - sem ilusões federais -, introduziria no espaço público português a lufada de ar fresco por que muita gente desespera”.

Deixo de lado os aspectos práticos, de logística. Montar e manter inicialmente um partido é coisa difícil. Lembro-me do que nos custou, à gente do MDP, mantê-lo depois da cisão com o PCP e a perda das subvenções da Assembleia da República. Porque muitos companheiros sentiam terem-se esgotado os meios, foi fácil ao grupo de ex-PCPs liderado por Miguel Portas fazer aquilo que costumo chamar a OPA sobre o MDP. Direi mais alguma coisa em nota final, porque não é o que mais conta agora.

Essencial, em relação a um novo partido, é o seu programa (e as suas bandeiras ideológicas e princípios éticos e de comportamento partidário) e o seu posicionamento em termos de “geografia partidária”. Tem espaço? As duas questões estão muito relacionadas mas não completamente, por haver outros factores de atracção do eleitorado. Como já dei referências de ligações em que se discute o programa, vou-me centrar na geografia eleitoral.

Não tenho visto discutir a oportunidade de ocupação de um espaço entre o PCP e o BE. Creio que há e que é discussão muito interessante, embora eu prefira situar o PCP, o BE (com algumas dúvidas minhas) e um novo partido num espaço comum de valorização conjunta e de diversificação atractiva das razões de simpatia do eleitorado.

É diferente a questão estafada do “verdadeiro partido socialista”, do espaço “histórico” entre o PS e o PCP. Isto ainda podia fazer algum sentido no tempo da social-democracia mas hoje, quando esta, em Portugal e por toda a Europa, se rendeu ao liberalismo, senão mesmo ao essencial do neoliberalismo mais extremo, o espaço vazio que existe não pode ser preenchido por propostas conciliatórias. O eleitorado que, mais cedo ou mais tarde, com a crise, vai ser perdido pelo PS irá votar em novas forças de esquerda, como na Grécia e na França ou, em relação a camadas mais tradicionais e moderadas, das duas uma: encontra uma nova posição do PS, o que não se vê, ou engrossa a abstenção activa e passiva.

E, se os partidos socialistas passaram da velha social-democracia para o neoliberalismo, que sentido faz estimulá-los a regressar a uma perspectiva hoje ultrapassada e que só foi possível, economicamente, quando a riqueza do pós-guerra permitiu o estado social? O entendimento terá de se fazer com novas formações socialistas de esquerda resultantes de clivagem interna. Utópico? Talvez, mas será isto ou nada. 

Acresce que, nesta fase de crise, de sismo do sistema económico e político europeu, de derrocada previsível da construção do euro, é a política em relação a isto, bem como o balanço entre perspectivas euro-utópicas e euro-realistas, que é a pedra de toque da ideologia moderna de esquerda. Isto vai contra o embuste político de se fomentar a ideia de que a solução – impossível, para já – é a unidade entre a “esquerda coerente”, em que vemos um novo partido, e a herança da social-democracia. Neste sentido, o BE é que tem maior tendência para ocupar esse espaço, dado que, no que é hoje essencial – a política anti-austeridade e contra a falta de solidariedade na zona euro – pode facilmente pendular para a ambiguidade do PS.

No entanto, não estou a pretender desvalorizar a importância de um novo partido conseguir penetrar no eleitorado do PS menos tolerante com o seu desvio à direita. Acho é que o lugar – e logo a orientação eleitoral – desse partido não se esgota nisso e não deve condicionar o seu programa, sendo também importantes, por exemplo, a recuperação dos abstencionistas, o novo eleitorado jovem e a fixação do eleitorado do BE, aparentemente em fuga.

Dito tudo isto, é realisticamente possível vermos a criação atempada de um novo partido? Voltarei a discutir isto mas, para não ficar preso por esta perspectiva, a que me agrada, escreverei sobre outros contributos para o fortalecimento da esquerda real, nomeadamente o dos movimentos políticos e sociais não partidários.

NOTA – Não seriam displicentes os recursos de um eurodeputado como suporte logístico da criação de um novo partido. Fiquei interessado quando a ideia foi abordada, mesmo que muito ambiguamente, por Rui Tavares, numa série de reuniões em 2012. Afinal, com a sua infantilidade (?) política e algum sentido da sua carreira pessoal, ficou-se por um banal “Manifesto para uma esquerda livre” (contra uma esquerda presa?), que se perdeu na história como tantas outras coisas tontas, assim como, mais tarde, outro seu manifesto (já é mania) a favor das listas de cidadãos para a eleições legislativas. O que não é honesto é que, tempos depois, venha novamente defender a criação de um partido, em entrevista ao i, para agora estar mais virado para as eleições europeias e o eventual apoio do seu amigo ex-Dany Le Rouge. Não há pachorra! 

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