sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O lado norte do Mediterrânio está politicamente velho

Tenho dois queridos amigos que - também comigo e com outro membro de um quarteto de memórias, gostos e maneira de estar, mais alguém que agora transformou o quarteto em quinteto - que, dizia, têm posicionamento político muito próximo. Por posicionamento, claro que quero dizer coisa muito mais importante do que simpatia partidária, maneira de reagir ao pequeno acontecimento político. Falo de ideais, de princípios, de coisas que constroem durante muito anos o que somos nos 60s.
No entanto, divergem em coisa que não deixa de ser importante, o ponto de focagem do essencial da análise e crítica política. Creio que isto reflete, em relação a duas pessoas de alta qualidade, a grande mudança a que se está a assistir no pensamento político de esquerda, infelizmente sem tradução orgânica e de proposta de alternativa a curto prazo, no quadro institucional vigente.
Um dos meus amigos clama que toda a gente devia fazer como ele, gastar quase todo o seu tempo atual de reformado a estudar economia e a reler Ricardo. Porque hoje “it’s the economy, stupid”. Porque a política nacional anda à volta de tristes figuras, Dupont e Dupond, que nada decidem, que nem sequer conseguem fazer uma frente comum do sul contra a “camponesa da Saxónia” - eu costumo ser mais bruto, “a sargenta prussiana” - e o seu factotum gendarme Sarkosy. Porque se todos tivermos de exportar, à alemã, é preciso que todos possamos comprar. Porque a “ajuda” aos desgraçados devedores periféricos é ajuda aos banqueiros alemães e franceses que lhes possuem os títulos de dívida. Porque tudo isto é um sistema, o sistema aberrante, anti-económico do euro, fruto mais exuberante do monetarismo, austeritarismo, a reforçar o fundo essencial de neoliberalismo.
Contra esta visão de “culpa sistemática”, reage o outro meu amigo, muito influenciado, e muito bem, por toda uma longa experiência de luta política tradicional. Para ele, ainda sobreleva a política nacional, as lutas à dimensão da nossa esfera de informação e discussão. Atacar Merkel cheira-lhe a desculpabilizar Sócrates. Argumenta vivamente com o “endividámo-nos demais”, como arma de arremesso político, como se o endividamento tivesse nome (digo eu: Sócrates? Barroso? Guterres? O betão de Cavaco? O “compra, compra” da oferta agressiva da banca?). Louvavelmente, reagindo culturalmente contra as generalizações esquemáticas, cheira-lhe a que um antigermanismo é nova versão do antiamericanismo dos tempos simplistas do maniqueismo político da guerra fria.
Não estou certo de estar certo, mas desafiei-os a conversarmos daqui a um mês, com base no que penso que vai ser a “unificação” de ambas as atitudes. Primeiro o Ecofin, depois o conselho europeu, vão discutir a proposta franco-alemã de “flexibilização” do fundo europeu de “ajuda”, provavelmente agravada pela derrota eleitoral em Hamburgo e pelo receio de novas derrotas no ciclo eleitoral alemão.
Mesmo com possível aumento da capacidade financeira do fundo, vai-se reforçar a lógica egoísta imposta pela Alemanha, não vai haver “eurobonds”, não vai haver um orçamento europeu de transferências, não vai haver “europeização” das dívidas nacionais, os juros da "ajuda" serão próximos dos do mercado, Rompuy ou Barroso nunca serão Obama. O meu primeiro amigo vai dizer “eu não tinha razão?”.
Mas vai haver obrigatoriedade de constitucionalização por todos os países das regras alemães derramadas para Maastricht, de limites arbitrários ao défice e à dívida, vai haver a generalização da política alemã da competitividade por via do embaratecimento do trabalho, da elevação da idade da reforma, etc. Então, o meu segundo amigo vai dizer “eu não tinha razão? É a política que manda, contra isto sim, vai-se lutar, porque é política, e nacional porque o nosso governo é um lacaio”.
Os meus amigos vão-se entender, mas também em coisa muito elementar: nenhum, nem eu, vai poder usar eficazmente, perante oferta efetiva, aquilo que é hoje o nosso único poder de cidadão, o voto. Dupont ou Dupond?

P. S. - Acabo de ouvir uma notícia espantosa: "Sócrates foi chamado a Berlim para Angela Merkel lhe explicar o plano de reforma do fundo europeu". Chamado a Berlim, o primeiro ministro português, uma expressão de típica linguagem diplomática, "chamar um embaixador às Necessidades"? Não quero acreditar. Deve ser asneira de jovem jornalista cretino.

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