sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O Egito, hoje

Notas soltas:

1. Hoje sou egípcio, como muitos egípcios devem ter sido portugueses no dia 25 de Abril de 1974.

2. Tenho o palpite que nada mais vai ser o mesmo no mundo dito árabe e que, importante, o fantasma do perigo fundamentalista islâmico vai perder influência como argumento de política internacional. Até agora, só valia a Turquia (com algumas limitações) como exemplo de laicismo islâmico - não contando com o caso distante da Indonésia agora democrática. Turquia e Egito juntos são um enorme "atrator" de influência no Magrebe e no Próximo Oriente.

3. No dia 25 de Abril, os meus amigos suíços passaram o dia a perguntar-me o que eu próprio, lá longe, não sabia bem: "o que são esses militares?". Também eu hoje me pergunto: "o que são e serão agora os militares egípcios? O vice-presidente? O alto conselho, presidido pelo até agora ministro da Defesa, não pelo vice-presidente? Quer isto dizer exército ou serviços secretos? E os oficiais jovens da geração da net e dos manifestantes? Os militares na rua que não reprimiram os manifestantes e até os acarinharam? Mas também os militares de topo cujo salário e negócio industrial-militar é garantido pelos EUA?"

4. A Suíça congelou os bens da família Mubarak. Hipocrisia abjeta. Só agora suspeitaram de que os bens podiam não ser legítimos? Ou têm é medo do que nunca se poderia ter passado em 30 anos, as autoridades egípcias os responsabilizarem?

5. Dizia esta tarde um jornalista da TSF: "parece uma festa, bandeiras, música. É como se o Egito tivesse ganhado todas as medalhas olímpicas e o campeonato do mundo de futebol". Inacreditável, a inversão de valores! Atemorizante, a mediocridade do nosso "quarto poder".

P. S. - 6. Quem são os dirigentes desta revolução? É claro que ela teve dirigentes. O controlo da entrada na praça (aparentemente em colaboração com os militares), a distribuição dos espaços, a montagem das tendas, bem organizada no centro da praça, como vemos na TV, o abastecimento de milhares de pessoas, os "cordões de simpatia" à volta dos tanques, o apoio aos jornalistas estrangeiros que se viu facilmente nas reportagens, a convocação posterior para o palácio ou para a televisão, tudo mostra um grande trabalho de organização, mesmo para quem nunca teve traquejo de ação política de rua, nos velhos tempos não saudosos.

Trabalho de quem? Dos jovens da net, seja lá isto o que for, e para rendição incondicional de quem, como eu, justamente critica aspetos negativos da net. Em nenhuma reportagem vi piquetes, gente a organizar. Tudo deve ter sido feito por sms ou twitter, via-se toda a gente de telemóvel ao ouvido. Esta revolução foi a primeira revolução da pós-modernidade. Mas como é que esses jovens idealistas, espontâneos, generosos, vão acordar no dia seguinte à vitória? Quem os vai representar? Que força política os vai reconhecer e ouvir como os reais revolucionários?

Faz-me lembrar os capitães atrapalhados quando os generais (fora os comandantes da Armada) da Junta  apareceram na TV a enquadrar o discurso do monoculado. Felizmente, deram-lhe a volta. Vão os jovens ignotos revolucionários da Praça Tahrir (da Libertação) dar a volta aos generais e aos políticos do "reviralho" à egípcia?

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