Confesso que desconhecia Álvaro Santos Pereira (ASP) até à grande publicitação do seu livro “Os mitos da economia portuguesa”. Livro que tem para mim coisa estranha. Li-o em férias, em 2009. É época em que levo comigo coisas ligeiras, para descontrair. Acabei por ler o livro em ambos os registos, coisa ligeira porque lido com agrado, de leitura fácil, mas ao mesmo tempo saboreando-o com uma ideia de rigor, de discurso objetivo e racional, com uma muito saudável dose de provocação. Não é mistura estranha, é coisa muito habitual para quem, como eu, lê muito de origem anglo-saxónica, cultura que obviamente imbui ASP.
No entanto, tem os seus perigos, principalmente quando se escreve sobre economia. ASP, que agora sigo regularmente no seu Desmitos, causa-me “mixed feelings”. Como ainda há tempos comentei - suscitando alguma discussão - tenho dificuldade em considerar a economia (mais ainda outras “ciências sociais”, muito mais outras “ciências humanas”) como ciência, tal como entende ciência um biólogo como eu. As teorias económicas são refutáveis, para pensarmos em Popper? Uma ciência permite escolas antagónicas, sem uma tendência visível de hegemonia tendencial - no sentido do progresso histórico - de uma ou outra? Permite instrumentalização ideológica, como me parece, indiscutivelmente, que a economia permite, como a velha astrologia era suporte da decisão política de caldeus e todos os seus sucessores?
Aplicado isto a ASP, o seu discurso económico, que não sei criticar, leigo que sou, deixa-me a dúvida, pertinente como instinto de defesa em relação à tendência de adesão imediata e acrítica a um discurso bem elaborado: ASP tem indiscutível direito à sua posição ideológica e política. Mas até que ponto eu, seu leitor interessado, devo fazer o meu filtro?
Deixo claro que, para mim, esta questão em relação a ASP é interessante, elogiosa, pela ambiguidade que encerra. Lendo e ouvindo os “economistas de serviço”, não fico com dúvidas, o seu discurso “científico” é descaradamente ideológico, conservador, neoliberal. Não situo aí ASP. Mas também me parece difícil situá-lo no outro lado, também com coerência evidente mesmo para um leigo, destacando os “Ladrões de bicicletas” por referência nacional, mas muito mais Krugman, Stiglitz, os economistas do Project Syndicate, os Economistas estarrecidos, etc.
ASP fica na penumbra, para mim. Não estou bem certo, mas parece-me que estamos distantes ideologicamente e em aspirações políticas. No entanto, leio com grande confiança as suas análises e aceito as conclusões que delas tira, embora talvez com perspetivas opostas. O melhor exemplo é a sua entrada “Razões para a censura”. Não é preciso ler o texto; os gráficos são eloquentemente arrasadores. Digo para mim: “claro que concordo com ele, isto não pode continuar, esta política é uma desgraça”. Mas será que, politicamente!, temos a mesma ideia de como virar esta política?
Tenho escrito aqui que me preocupa que alguma esquerda, até na blogosfera, esteja a esquecer o essencial da política de hoje, a economia política, designadamente a política económica determinada pelo eixo franco-alemão (cada vez menos franco e cada vez mais alemão). Mas também alerto agora para que a convergência da crítica e do discurso económico (em que até obviamente não entro) pode escamotear que “it’s not only the economy, it’s also the politics, stupid!”
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