Às vezes, sinto-me com dificuldade em desmontar uma ideia generalizada, acriticamente encaixada nas cabeças, quando esse desmontar pode ajudar a desculpabilizar culpados. Nada me irrita tanto como, para ser honesto intelectualmente, dar armas aos meus adversários. Infelizmente, hoje há tanta má língua, tanta “informação segura” difundida pela net, tanta calúnia, que cada vez mais corro o tal risco, de ter de dizer que “olhe que não” a pessoas que estimo e que vão na onda do boato só porque, legitimamente, estão muito zangadas, o que lhes tolda o discernimento.
Veja-se: “os políticos são corruptos”. Dessa generalização relativa vai-se facilmente à generalização absoluta, “todos os políticos são corruptos”. Gente de esquerda, mesmo mais difusamente gente democrática, dizer isto é tiro no pé, é oferta aos saudosos do salazarismo que por aí andam.
Daí a dizer que “só os políticos são corruptos” é um pequeno passo. Não é verdade, que mais não seja porque, ao menos, os políticos estão mais expostos ao escrutínio público. A minha experiência de lidar com a gente do rés-do-chão dos dirigentes da função pública, o meu nível, indica-me que, também ao nível rasteiro, da pequena corrupção, ela é muito mais frequente, embora muito menos notória, a esse nível do que ao dos políticos. Cartões de crédito, carro e motorista para levar a madama ao cabeleireiro e os meninos ao colégio, almoço diário de trabalho com a secretária, mobiliário super no gabinete, Portos de honra por dá lá aquela palha, são coisas correntes em qualquer organismo público.
Caso flagrante, porque estupidamente tosco (estupidamente, quer dizer, a incorrer parvamente em ação criminal) é de um não político, até um artista, Miguel Graça Moura, segundo notícia já requentada do Público. Um diretor de orquestra sob alçada pública gastou 720.000 euros para si próprio em quatro anos, 200.000 euros em viagens (só um pequeno número de viagens com a orquestra), 240.000 euros em despesas várias, incluindo artigos de lingerie no valor de 1393 euros, 1014 euros de charutos cubanos, 5000 euros de vestuário na The Boss, aluguer de uma limusina na Tailândia por 1215 euros, 1198 euros numa joalharia brasileira, 1315 euros em artigos de calçado e malas em Paris, contas de restaurantes, anuais, à volta dos 17.000 euros. Fora a renda de casa e inúmeros livros e CDs. Mais, inconcebível, levantamentos de 36.000 euros em caixas de multibanco, em cash, com o cartão do organismo público.
É um político?
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