As discussões sobre o massacre de Newtown têm focado muito o problema das armas. Não me parece o essencial, embora o considere muito importante. Mas, afinal, quem quiser matar em massa, pode lançar uma bomba artesanal, um Molotov, ou até esmigalhar crânios com um taco de baseball. O problema é outro. As armas são apenas o instrumento de uma cultura de violência e de des/para-socialização da construção da sociedade americana.
A América é uma realidade complexa, desafiadora de qualquer mente aberta. Foi muito fácil, na guerra fria, fazer a sua diabolização. Lembro-me de uma colega, cientista supostamente racional mas comunista ultra-sectária, ter sofrido com a necessidade de ir a um congresso aos Estados Unidos, ter um passaporte para o inferno.
Não há uma América, como é que podia haver. Há o leste gravitando em torno de Nova Iorque, das univerrsidades Ivy League, há a Califórnia; há o sul texano; há o polo dos grandes lagos; tudo o que eu conheço. E mais, há o interior, "middle west", que só conheço por uma imagem talvez estereotipada do cowboy, dos filmes com os clientes brutos dos bares e dos motéis.
Talvez tenha sido mais importante para mim conhecer americanos antes de conhecer a América, quando tive excelentes colegas americanos no meu instituto suíço. 1973, era o Vietnam e o Watergate. Na maioria, eram liberais ou radicais, coisa difícil de definir, fora dos esquemas ideológicos e partidários europeus. Eram contra a guerra do Vietnam, eram Woodstock, interrogavam-me entusiasticamente sobre a revolução em Portugal. Muitas vezes eram mais radicais do que eu, outras vezes pareciam-me presos à "democracia americana". O que não percebiam era isso de eu então ser comunista! E eu não percebia coimo eles podiam desconhecer o simples significado da palavra "socialismo".
Talvez tenha sido mais importante para mim conhecer americanos antes de conhecer a América, quando tive excelentes colegas americanos no meu instituto suíço. 1973, era o Vietnam e o Watergate. Na maioria, eram liberais ou radicais, coisa difícil de definir, fora dos esquemas ideológicos e partidários europeus. Eram contra a guerra do Vietnam, eram Woodstock, interrogavam-me entusiasticamente sobre a revolução em Portugal. Muitas vezes eram mais radicais do que eu, outras vezes pareciam-me presos à "democracia americana". O que não percebiam era isso de eu então ser comunista! E eu não percebia coimo eles podiam desconhecer o simples significado da palavra "socialismo".
Mais tarde, em idas sucessivas aos EUA, quase anuais, passei por muitas conversas com amigos anti-Reagan, depois apoiantes de Clinton em plena campanha eleitoral, estive num “meeting” científico que alterou o seu programa para podermos todos assistir, pela TV, à libertação de Mandela, muito mais tarde, já reformado mas recordado e convidado pelos meus amigos, assinei manifestos promovidos por amigos americanos contra a guerra do Iraque e contra a prisão de Guantanamo. Saravá, Dick, Sue, Bob, Linda, Mark, Steve, Donald, Paula, Enzo, Daram, etc., etc. Para além do muito que desde então conheço da América, hoje cada vez mais vejo que é de lá, dos seus economistas progressistas, que nos vem alento e bons conselhos, na nossa crise económica e financeira.
Um dos livros mais importantes que li nos últimos tempos foi o “The American Future”, de Simon Schaman. A história da construção da América, da solidificação dos seus valores, depois dos conflitos entre esses valores na guerra da Secessão, da síntese entre a cultura dos pais fundadores, puritanos, "wasp" e as mais diversas culturas de imigrantres (até os meus patrícios ilhéus) é fascinante. Não é possível que um país passe facilmente de um espaço limitado na costa leste, das 13 colónias fundadoras até ao domínio do enorme território atual.
Foi essencial um grande sentido prático de ordenação das comunidades colonizadoras, de “lei natural” da sua origem inglesa, de supremacia do direito de defesa individual, de proteção armada da família. “Wild west”. Ou o juiz Roy Bean e o seu urso. Também, mais execravelmente, “a good indian is a dead indian”. Também que, sem o poder armado do homem comum, não teria havido KKK. Mas, infelizmente, a história não é feita por madres Teresa de Calcutá. Felizmente, também não por Gaspares, que vêm e vão, a onda bate e rebate mas a praia fica e nós a nadarmos.
E os massacres loucos de “mass murders”, como este de Newtown? Não tenho competência de Psicologia e de Sociologia para os discutir. Tendo a associá-los, em termos de desumanidade, a atentados de 11 de setembro ou de Atocha, a bombistas suicidas e coisas do género, ao monstro norueguês, mas talvez haja diferença, porque os últimos invocam uma ideologia. Os “mass murders” são só psicopatas. Ou sociopatas? Caso possível de interseção é o do norueguês. Claramente um psicopata, mas também alimentado por uma ideologia sociopática, o que não vemos nos casos americanos.
Concluindo, sou absoluto adepto do controlo das armas, do controlo dessa tenebrosa instituição americana National Riffle Association, até pelo menos há algum tempo presidida por Carlton Heston, mas julgo que há muito mais de patológico por detrás de uma respeitável professora, mãe de família, ter quatro armas mortíferas em casa, nem sequer resguardadas da possibilidade de acesso por um filho jovem. Um filho jovem que ela – e mais quem? – criou como um monstro.
NOTA – Veio bem a propósito uma apresentação que me mandaram: "Supermercado como este, só nos EUA".
NOTA – Veio bem a propósito uma apresentação que me mandaram: "Supermercado como este, só nos EUA".
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