Anda pela net, e já vários amigos meus mo enviaram, um texto de protesto contra a intolerável carga policial na última manifestação, com prisões que se estenderam de S. Bento até ao Cais do Sodré. Até não deixa de ser curioso o contraste entre esta atuação e o autocontrolo impecável da polícia em 15 de setembro. Obviamente que concordo com este protesto, mas quis esperar pelo esclarecimento da minha posição, nesta entrada, para subscrever.
Não quero confundir-me com muitos que se têm solidarizado com os marginais que se destacaram nos desacatos nem sequer confundir-me com amigos que têm tido posições a meu ver ambíguas. Note-se que não me estou a referir a estes amigos promotores do protesto de que falei. Há companheiros de lutas que me vão criticar, como me criticaram quando manifestei a minha total falta de solidariedade com os arruaceiros dos tumultos de Londres. Não há nada de revolucionário nessa gente, só prejudicam a revolução e o movimento popular. Dizer que eles são uma forma particular de revolta popular é racionalmente abusivo e é politicamente perigoso.
É certo que são produto de toda uma sociedade, tal como os gangs dos bairros degradados, os hooligans, os seguranças de discoteca peritos e amantes da violência e, já agora, porque não? os viciados em drogas, todos “produtos sociais”. Aliás, muitos dos desordeiros encapuçados de S. Bento também são tudo isso. Começam de pequeninos. São os que assaltam os colegas de escola para lhes roubarem os ténis de marca, os que fazem "bullying", os que gozam a filmar uma miúda a ser espancada por duas galdérias da mesma idade, os que estragam um prédio novo com grafitis, os que rasgam a canivete os estofos do metro, os que riscam a todo o comprimento a pintura do meu carro. Mais ou menos jovens, são sociopatas. Coitadinhos, porque são uma esperança revolucionária?
Que sejam "pobres e inocentes produtos" da sociedade – ou do sistema, coisa ainda mais vaga e mais desculpabilizante – não chega nada para eu simpatizar. Seria determinismo primário e tonto eu considerar que as influências sociais, que não enjeito, anulam por inteiro as responsabilidades morais e cívicas individuais. Atenuante é atenuante, nunca anula o crime.
Que sejam "pobres e inocentes produtos" da sociedade – ou do sistema, coisa ainda mais vaga e mais desculpabilizante – não chega nada para eu simpatizar. Seria determinismo primário e tonto eu considerar que as influências sociais, que não enjeito, anulam por inteiro as responsabilidades morais e cívicas individuais. Atenuante é atenuante, nunca anula o crime.
Essa gente é lumpen. Só já não digo "lumpenproletariat", à Marx, porque saem é da burguesia, mesmo muitos, se calhar, produtos de “boas famílias”. E nunca o lumpen foi revolucionário ou aprovado pelos grandes pensadores políticos de esquerda. Pelo contrário, o que sempre deram, na mudança política, foram agentes de mão e de cacete dos fascismos. Isto hoje é especialmente nefasto porque estamos, nesta crise, numa fase de grande ambiguidade política dos cidadãos, de oscilação. O que estão a sofrer puxa-os para uma política alternativa, mas coisas destas enquistam-nos nos seus valores ordeiros e tradicionais.
Repito que vou subscrever o protesto, mas deixo claro que o faria com muito maior gosto se nele lesse isto.
E estas coisas não dão tanto jeito ao governo e aos comandos mais conservadores da polícia? Porque é que os agentes à paisana da PSP, aqueles que podiam identificar e prender logo os vândalos, foram mandados retirar logo que Arménio Carlos abandonou a praça, sabendo-se bem que só então, sem a segurança da CGTP, é que se agravariam as provocações?
Mais umas notas pontuais.
Parece-me que a experiência recente aconselha a que não se convoquem manifestações para S. Bento. É verdade que o espaço tem grande simbologia política, mas grandes inconvenientes práticos. É pequeno e dá logo para a escadaria, considerada já terreno proibido, o que torna em fator de risco qualquer derrube de barreira. Os polícias estão obrigatoriamente muito próximos, a 10 metros ou menos. Manifestantes pacíficos e desordeiros estão quase que obrigatoriamente misturados. Sá há três canais de fuga: a D. Carlos, a Calçada da Estrela com grande inclinação para quem foge, a subir, e a R. S. Bento, estreita e com fácil atuação em tenaz de um corpo de polícia vindo do Rato.
A residência do primeiro ministro é outra que tal, com a agravante de que nem sequer os protestos têm visibilidade televisiva, por a polícia cortar a rua. Já Belém é diferente. Há um terreno neutro largo (toda a largura da rua), muito espaço na Praça Afonso de Albuquerque, muita fuga, que limita a ação da polícia de choque, e toda aquele conjunto de canteiros de jardim que impede uma frente compacta de polícia. Todavia, dar ênfase a Belém é exagerar o papel político do PR, o que, sem servir para desculpar a sua ambiguidade (o menos que posso dizer), também tem riscos de estímulo a qualquer cesarismo.
Isto são também memórias velhas. Ao contrário dos 1º de maio na baixa, cheia de caminhos de fuga e de lojas abertas que nos acolhiam a comprar retrozelos, a manifestação em que mais “porrada” apanhamos foi tecnicamente uma estupidez (também minha, dirigente estudantil): contra a guerra do Vietnam – de facto contra a nossa guerra colonial – frente à embaixada dos EUA, na Duque de Loulé. Avenida estreita, com carga policial vinda simultaneamente de cima e de baixo. À frente, a polícia de choque e os cães, a fazerem-nos cair, atrás a “brigada de recolha”, os pides e os seus VW pretos. A partir desse dia, comecei a ter presente que tudo isto tem muito de técnica. Passei a saber muito bem onde me colocar.
Também me parece que é ilusório e perigoso ir-se a S. Bento para tentar controlar as coisas. Viu-se que é impossível. Aquela gente não é controlável, assim como os adeptos dos clubes que assistem pacificamente ao jogo do seu clube não controlam as claques. Pura e simplesmente, essa gente tem de ser isolada e deixada ao seu destino (nessa altura, se calhar desaparecem ou a polícia não lhes bate). Quanto ao seu “protesto político”, reparem que essa gente, bem identificável até por estilo pessoal, indumentária, tatuagens violentas e adereços grupais, não vai nas manifestações, só aparece em S. Bento.
Lumpen não, obrigado.
NOTA – Num bom texto no Arrastão, com que que concordo, Daniel Oliveira fala daqueles desordeiros como uma “minoria de idiotas”. Minoria sem dúvida, mas de que sejam simples idiotas é que duvido. Uma organização clandestina e difusa de mão-de-obra para toda a violência, política, clubística, de negócios escuros, de vida noturna, até de simples prazer pessoal e grupal, estilo "Laranja mecânica"? E com rede internacional? Dirão que é teoria da conspiração. "No creo en brujas, pero que las hay, hay!".
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