Está a haver um jogo de braço em relação à Grécia. De facto, são dois jogos misturados, como direi adiante. A Grécia precisa desesperadamente da libertação imediata de uma grande tranche do segundo resgate, cerca de 30 mil milhões de euros, sem os quais não pode cumprir compromissos da dívida a vencer nos próximos dias, nem pagar salários da função pública e pensões.
A posição alemã é de arrastar, de não decidir, escudada no argumento formal de que a troika ainda não aprovou o último relatório. Claro que isto só significa uma coisa. A Alemanha e os seus países capatazes vão deixar cair a Grécia, vão-lhe secar os recursos financeiros, vão obrigá-la, finalmente, a declarar falência e sair da zona euro, assim saneada. Saneada? A seguir virá Portugal, depois a Espanha, talvez a Itália, se calhar a França. Tenho como certo que, se continuar a haver moeda única, serão duas, o euro do norte e o euro do sul.
Mas porque é que a troika está a fazer o jogo, adiando o seu relatório? Pela razão simples de que não se entenderam. E isto é um fator novo muito importante também para nós: deixou de haver o consenso da troika! É um impasse. Como diz o Guardian, “o eurogrupo não pode chegar a um acordo sem o relatório da troika. Mas não pode ter um relatório da troika sem antes eles próprios terem um acordo”.
De facto, não há troika, há dois parceiros. De um lado o FMI, do outro ambas as entidades europeias, CE e BCE, regidas pela mesma ideologia, pelo mesmo domínio político da Alemanha e seus amigos. O FMI tem vindo a desmarcar-se. Dominique Strauss-Kahn pode ser homem execrável, a fazer explodir de indignação virtuosa algumas bloguistas de feminismo à antiga. Mas é verdade que fez alguma inflexão da ideologia neo-liberal do FMI, assim como a sua sucessora Lagarde (gosto muito de mulheres cinquentonas que assumem os seus cabelos brancos).
Quem diria, há meses, que podia haver tal clivagem? Talvez os islandeses, que tiveram uma experiência com o FMI muito mais favorável do que nós com esta troika, parece que dominada pela União Europeia, a tal de “a Europa connosco”.
Ainda há tempos, caros amigos meus defendiam as teses de emprenhar pelos ouvidos: a culpa foi de gastarmos demais, agora temos de pagar a dívida como gente séria, assumimos o compromisso com a troika e temos de cumprir, as finanças de um país são como as da nossa casa, conhecemos as virtudes do povo alemão (esquecendo o nazismo) e já o Eça dizia que nós é que somos uns desgraçados, é tão giro e acariciador do ego escrever hoje novas Farpas, etc. Hoje, já os ouço muito mais incertos.
Com esta atitude das pessoas e com a mudança na opinião das instituições, a conclusão óbvia é que, nesta crise de processo histórico tão acelerado, só há campo para a incerteza, quase que dia a dia. Certezas só têm os fundamentalistas desta espécie de religião ultra-dogmática do neo-liberalismo, com Gaspar a celebrar a missa e Passos Coelho, pobre diabo, pouco dotado mentalmente, a acolitar.
Mas são criminosos políticos, objetivamente. Por uma simples razão: não veem estes fatores de mudança, não os aproveitam para negociar em favor do país, não veem mais nada do que a patética ambição pessoal de figurarem na história como protagonistas do seu projeto socialmente troglodita de inversão do progresso social.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Obrigado pelo seu comentário. Os comentários de leitores não identificáveis não serão publicados.