quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A praga dos manifestos

Recebi hoje mais uma carta aberta, manifesto, sei lá o quê, desta feita endereçada ao primeiro ministro (!) e prevendo-se enviar cópia ao PR. É claramente promovida por notáveis que, talvez com alguma imprecisão, poderia designar como da esfera soarista. Conta com as assinaturas dos que vão a todas, desde logo o inefável coimbrão que vai desde o célebre manifesto soarista/sampaista de apoio à troika (tenho boa memória e bom álbum de recortes) até aos apoios demagógicos aos contestatários do Rossio, passando por estas coisas inócuas. Infelizmente, também assinam esta pobre carta aberta pessoas com grande comprometimento com coisas muito importantes e afirmativas, também minhas, como o Congresso Democrático das Alternativas e que aqui, a meu ver, comprometem a sua coerência.

Respondi, com conhecimento da grande lista de correio eletrónico a quem foi enviada: 
“O que é que se pretende com isto? Que efeito político, a não ser exibir mais uma vez uma lista de pessoas respeitáveis que já não dizem nada ao cidadão comum, ou que até estão identificados com "os políticos, todos, que deram cabo disto"? O que é que se lê nesta carta de alguma proposta alternativa, mobilizadora?  Desculpem, caros amigos, mas não dou mais para estes peditórios.”
Em meia hora, já são reconfortantes as mensagens de apoio que recebi. Mas a mais notável, do meu velho amigo MCR, inclui esta frase magnífica: “Este desgraçado país não consegue sair da fase buco-anal do abaixo-assinadismo!”

À MARGEM – Fiquei a pensar em coisa bizarra. Imaginem que Marx e Engels, escrevendo o manifesto, o tinham feito como carta aberta aos governantes europeus da altura, e logo na época de 48!... Espírito revolucionário está mesmo esquecido? Há coisas talvez pequenas com grande significado político, simbólico. Quem é que hoje se lembra de escrever uma carta ao cunículo governante? O destinatário, mesmo que apenas formal, de qualquer mensagem política, hoje, é o povo português. Tudo o resto é coisa de quem sempre fez política de gabinete ou de clube burguês. E porque envelheço reconfortando-me com a ainda frescura das memórias vividas, lembro-me com isto de 1969, CDE e CEUD.

2 comentários:

  1. Concordo consigo.
    Todavia, devo confessar que não foi à primeira. Admito não ter a clarividência de alguns, penetrantes nas suas análises e fulminantes nos julgamentos. Provavelmente, por ser provinciano, sou menos sensível em matéria de correcção formal no preenchimento do "envelope" da comunicação. Talvez por estar subconsciente pronto a suprir o erro de endereço, para situar no lugar próprio o verdadeiro destinatário. Ou para aceitar como uma das modalidades de encaminhamento a pretensa destinacão, usando a sua publicitação para alcançar o seu real recipiente, o povo.
    Tenho na verdade o conteúdo e sentido do comunicado como o essencial, muito mais importante do que o rigor protocolar de uma comunicação espartilhada há milénios pelos constrangimentos dos meios e pelos poderes de quem os detém ou controla. No tempo desta crise da democracia que invoca a representação para a trair, algo de novo na sua intensidade acontece, esta difusa, inorgânica mas vasta conspiração que expressa com vigor e violência o aberrante divórcio entre o pagode pagante e os burlões encartados instalados no poder político por meio de um real golpe de estado (constitucional porque eleitoral?). Isto - este comentário e os milhões de pensamentos formalizados em mensagens como esta, postas a correr pelas veias do virtual - são a fotografia colorida da ânsia colectiva em participar na definição do futuro de todos, assim desastrada e traicoeiramente colocado nas mãos de uma ínfima mas determinada minoria: não recuaram nem um milímetro na mentira sorridente que lhes abriu a porta do comboio que agora fazem voar pelos carris das inevitabilidades.
    Os subscritores da carta (pela integridade de alguns dos quais tenho o maior respeito), com este "formato" de manifesto apresentam-se perante o destinatário "povo" perorando do andar superior, o dos alternantes no poder, dele afastados temporariamente. Dizem: atenção, senhores incumbentes, nós dizemos não às vossas políticas e daqui invocamos o testemunho dos que solicitaremos a mandatar-nos na próxima passagem pela estação eleitoral do comboio do poder.
    Tem por isso o meu caro amigo toda a razão quando denuncia a mensagem como a destituída de qualquer novidade, e, também, quando empresta significação negativa ao endereçamento do manifesto: na verdade, rótulo "soarista-sampaista" e atitude (de quem quer tomar a cabeça - e o lombo -do animal colectivo que começa a mexer e a estrebuchar) denunciam uma abordagem "leninista" cuja caducidade não está demonstrada.
    Os observadores diletantes, como eu, deixam-se tentar pelo ladrar dos cães que vêem acompanhar a tumultuosa caravana passante, que gostam de engrossar os seus latidos pessoais. Fazem parte, eles próprios, do ruído. Desculpe-me (é sem "animus injuriandi" que o digo), mas a retórira da tirada de MCR que invoca é, ela própria, "buco-anal". E talvez algumas das nossas desgraças colectivas advenham justamente de abusarmos da boca em detrimento dos membros: fica fácil ficar de joelhos.
    Contra mim falo, em boa parte.

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  2. Concordo consigo.
    Todavia, devo confessar que não foi à primeira. Admito não ter a clarividência de alguns, penetrantes nas suas análises e fulminantes nos julgamentos. Provavelmente, por ser provinciano, sou menos sensível em matéria de correcção formal no preenchimento do "envelope" da comunicação. Talvez por estar subconsciente pronto a suprir o erro de endereço, para situar no lugar próprio o verdadeiro destinatário. Ou para aceitar como uma das modalidades de encaminhamento a pretensa destinacão, usando a sua publicitação para alcançar o seu real recipiente, o povo.
    Tenho na verdade o conteúdo e sentido do comunicado como o essencial, muito mais importante do que o rigor protocolar de uma comunicação espartilhada há milénios pelos constrangimentos dos meios e pelos poderes de quem os detém ou controla. No tempo desta crise da democracia que invoca a representação para a trair, algo de novo na sua intensidade acontece, esta difusa, inorgânica mas vasta conspiração que expressa com vigor e violência o aberrante divórcio entre o pagode pagante e os burlões encartados instalados no poder político por meio de um real golpe de estado (constitucional porque eleitoral?). Isto - este comentário e os milhões de pensamentos formalizados em mensagens como esta, postas a correr pelas veias do virtual - são a fotografia colorida da ânsia colectiva em participar na definição do futuro de todos, assim desastrada e traicoeiramente colocado nas mãos de uma ínfima mas determinada minoria: não recuaram nem um milímetro na mentira sorridente que lhes abriu a porta do comboio que agora fazem voar pelos carris das inevitabilidades.
    Os subscritores da carta (pela integridade de alguns dos quais tenho o maior respeito), com este "formato" de manifesto apresentam-se perante o destinatário "povo" perorando do andar superior, o dos alternantes no poder, dele afastados temporariamente. Dizem: atenção, senhores incumbentes, nós dizemos não às vossas políticas e daqui invocamos o testemunho dos que solicitaremos a mandatar-nos na próxima passagem pela estação eleitoral do comboio do poder.
    Tem por isso o meu caro amigo toda a razão quando denuncia a mensagem como a destituída de qualquer novidade, e, também, quando empresta significação negativa ao endereçamento do manifesto: na verdade, rótulo "soarista-sampaista" e atitude (de quem quer tomar a cabeça - e o lombo -do animal colectivo que começa a mexer e a estrebuchar) denunciam uma abordagem "leninista" cuja caducidade não está demonstrada.
    Os observadores diletantes, como eu, deixam-se tentar pelo ladrar dos cães que vêem acompanhar a tumultuosa caravana passante, que gostam de engrossar os seus latidos pessoais. Fazem parte, eles próprios, do ruído. Desculpe-me (é sem "animus injuriandi" que o digo), mas a retórira da tirada de MCR que invoca é, ela própria, "buco-anal". E talvez algumas das nossas desgraças colectivas advenham justamente de abusarmos da boca em detrimento dos membros: fica fácil ficar de joelhos.
    Contra mim falo, em boa parte.

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