Passamos toda a hora a ouvir que não somos gregos. No entanto, trataram-nos à grega. Claro que os italianos também devem dizer que não são portugueses, e acabam de os tratar pior ainda do que à portuguesa. É hoje já banalidade ler que os três países partilham uma característica comum que está no centro da sua crise económica e financeira: enorme dívida externa (pública mais privada) coincidindo com reduzido crescimento económico e dificuldades de competitividade. Creio, ao que se lê, que de facto é diferente a situação irlandesa e espanhola, em que o problema é principalmente de risco de insolvência do sistema bancário, tendo rebentado a enorme bolha imobiliária.
Juncker veio hoje a Portugal contar outra vez essa fábula de que não somos gregos. "Na Grécia é o desastre, em Portugal são dificuldades passageiras, a vencer até 2012". É um discurso político sem consistência racional e objetiva. Segundo esta mistura de política arrogante centro-europeia e de economia moral, "o desastre grego não vem da austeridade que lhes foi imposta mas sim dos seus erros de governo, de não cumprirem, de serem maus alunos. Nós não, temos um governo tão respeitador que até duplica a austeridade que nos foi imposta". Não se esqueçam de que o “desastre grego” está a acontecer ano e meio depois do seu plano troikiano, enquanto nós ainda só vamos com menos de seis meses. Quem garante que, daqui a um ano, não estamos a ouvir Juncker a falar do “desastre português”?
A dívida excessiva, com risco de insolvência a prazo, parece ser a principal razão de desconfiança por parte dos mercados financeiros. Desde há dias que a situação italiana vinha a agudizar este risco visível de desconfiança. Ontem, quando pensava publicar esta entrada, tinha ao meu lado uma nota: 6,74% de juros nos mercados secundários, para maturidades de 10 anos (13,3% para Portugal, 30,5% para a Grécia). Hoje já são 7,414%.
Lembram-se de Teixeira dos Santos alertar para esta espécie de número mágico, 7% de juros? Sócrates desmentiu-o, teimando, por razões político-eleitoralistas, que nunca recorreríamos ao resgate. Colocando-me na pele de quem concorda com este tipo de “ajuda”, e não é a minha pele!, o que se pode dizer é que Sócrates teimou irresponsavelmente e acabou por ter de ceder pouco mais de um mês depois - em boa parte por pressão da banca (hoje tão zangada com o plano, por causa da recapitalização forçada que abre a caixa dos segredos ao Estado).
Dizem os economistas que este limiar dos 7% não é um valor arbitrário. Significa um nível de serviço da dívida que obriga a uma espiral de mais dívida para pagar os juros da dívida, fora a amortização. Foi aqui que chegou agora a Itália. No entanto, claro que, mesmo para um leigo, são patentes as diferenças entre nós e a Itália, do ponto de vista quantitativo.
À época do resgate português, a nossa dívida externa era de cerca de 217% do PIB, sendo a dívida pública de 93% do PIB (agora 102%). Atualmente, os valores equivalentes no caso da Itália são de 126% e 120,2% (ver dados). Vê-se que o endividamento externo privado é reduzido, muito menor do que o português (percentualmente). Simplesmente, percentagem do PIB não é uma moeda, é um indicador. Moeda é o euro. Assim, para falar só da dívida pública, os 93% portugueses são cerca de 170 mil milhões de euros. Os 120% italianos são 1,9 biliões (milhões de milhões) de euros, 11 vezes mais.
Chegamos a uma questão central. Os empréstimos de resgate, ou “ajudas”, aos três atuais são coisa de nada para o Fundo Europeu de Estabilização Financeira. Se extrapolarmos para a Itália a tal relação de 11 vezes os nossos 78 mil milhões, são 865 mil milhões. Há quem diga que, de facto, seriam necessários cerca de 1,4 biliões (1400 mil milhões). Não há dinheiro, nem mesmo depois do plano do Conselho europeu de Outubro, que afinal não concretizou, para efeitos práticos imediatos, o aumento da capacidade do FEEF, atualmente de 440 mil milhões (sem descontar o já comprometido com a Grécia, Irlanda e Portugal).
O que significa, a concluir, que a Itália ficou na pior situação possível. Ao contrário da Grécia, Irlanda e Portugal, não vai receber um euro de “ajuda”, mas, como esses três, já teve de adotar um plano severo de austeridade (com medidas “muito fortes”), que já está a ser analisado in loco pela Comissão europeia. Pior, sujeitou-se, por sua própria iniciativa, baraço ao pescoço, àquilo que está a ser preço político dos memorandos com que nos comprometemos: vai ver as suas contas e a execução orçamental observadas, fiscalizadas, controladas por uma nova troika. Tudo para “dar confiança aos mercados”; é mesmo a fada da confiança, como costuma escrever Paul Krugman.
Ao que está a chegar a Europa! Já é a Itália, o terceiro país em importância na zona euro. É isto que vai ser o tão falado “governo económico” europeu?
NOTA - Repito que não sou economista e cabe aos meus leitores economistas corrigirem-me se errei neste texto - o que há boa probabilidade de ter acontecido. Quis principalmente desafiar outros leitores como eu não economistas a um esforço de informação elementar sobre o que se vai passando nesta eurolândia. Sem isso, receio que não faça muito sentido discutir só politicamente.
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