Em tempo de tarefa detestável de arrumação e limpeza da tralha que nos enche poeirentamente o computador, dei por coisa que talvez valha a pena propor aos meus leitores como motivo de reflexão, embora muito datada. É um texto creio que de 1991, mas que só pode ser entendido com alguma rememoração da conjuntura. E também, desculpem-me, com alguma evocação pessoal.
Fui seguindo com interesse a grande mudança que se passou na esquerda europeia na década de 80. Entre nós, em 1987, rebentou na cisão da APU, em que boa parte, a meu ver a mais genuina, sincera e politicamente generosa, do MDP/CDE tentou marcar a diferença. Destaque, em homenagem muito sentida, ao José Manuel Tengarrinha, que sofreu o inimaginável por ter sido um homem de cabeça livre e de coluna vertebral erguida.
Alinhei de alma e coração com este esforço de construção de uma nova esquerda, um quarto de século antes do que agora muitos procuram, sem memória do que muitos tentaram antes. O esforço foi inglório, tinha passado o tempo, o processo histórico não tem contemplações. Mas também com coisas simples, boas, as que nos enchem a alma. Era um punhado de gente boa, não havia gurus em bicos de pé a patronizar jovens e massas, horrorizavam a demagogia, liam-se e reliam-se os comunicados à cata de qualquer falha de rigor, todos detestavam a ideia de sinecuras políticas. Foram anos frustrantes da minha vida política, mas foram anos de gratificação intelectual e de convívio com gente excelente.
Na altura, estava em foco o sucesso dos verdes alemães. Nós não nos revíamos numa “ideologia” estreitamente ambientalista, mas havia algum fundo comum que prometia coisas interessantes. Falávamos então em “movimento ecologista e alternativo”, colocando-nos nós, MDP, no lado alternativo. Éramos bem vistos neste movimento europeu, íamos a todas as reuniões, embora sempre incomodados pela construção pelo PCP do “partido” dos verdes portugueses.
Creio que em 1991, houve em Lisboa, no Tivoli, um bem sucedido Forum Ecologista e Alternativo. A título pessoal mas obviamente com muito trabalho por detrás de discussão com caros amigos, como o José Tengarrinha, o já falecido Mário Casquilho, a Helena Cidade Moura, o Fernando Silveira Ramos, a Alfreda Cruz, o Amaro Espírito Santo, o Orlando Almeida (desculpem-me aqueles que me são traídos pela memória). Foi aí que apresentei dois textos que reproduzo sem alterações, mau grado o estarem datados (1991!). São “O modelo alternativo do desenvolvimento” e “Uma nova concepção de partido”.
O primeiro é o de conjuntura, a enquadrar o outro, e hoje muito mais haveria a dizer. Mesmo diminuindo-o eu próprio, creio que foi a primeira vez que em Portugal se falou na “sociedade dos dois terços”, coisa hoje levada ao extremo (apelativo, mas pouco científico) dos 99%. O segundo parece-me que talvez valha a pena ler ainda hoje, quando o quadro partidário é o de fazer votar sim à desgraça 80% dos eleitores.
Repito: não são coisa minha. Tive um papel importante na sua conceção e redação, mas a verdadeira autoria foi coletiva.
O que ficou de tudo isto? Talvez não se lembrem, a OPA pela Política XXI, que era a fração dos dissidentes do PCP depois do golpe de Agosto que, com Miguel Portas e contra Pina Moura, recusaram, bem, a absorção pelo PS. Depois, com os trotskistas e os albaneses, fizeram o Bloco de esquerda, coisa que alguns anos antes o MDP também tinha tentado. Na altura, com responsabilidade minha, voluntarista e prematuramente tonta para a época, tentamos fazer aquela figura dos escuteiros que tiveram de ser três a ajudar a velhinha a atravessar a rua, porque ela não queria. Ainda me lembro das minhas reuniões com Louçã e Fazenda.
E agora a esquerda quer ajuda para atravessar a rua?
NOTA - Brincando com a mais que tudo, pedi-lhe comentários como se os dois textos que refiro fossem escritos agora. Uma sua nota agradou-me muito. "Porque não escreves que o que desejas é "socialismo humanista"?" Afinal, ela estava a fazer-me lembrar os tais tempos de Dubcek, do "socialismo de rosto humano"
NOTA - Brincando com a mais que tudo, pedi-lhe comentários como se os dois textos que refiro fossem escritos agora. Uma sua nota agradou-me muito. "Porque não escreves que o que desejas é "socialismo humanista"?" Afinal, ela estava a fazer-me lembrar os tais tempos de Dubcek, do "socialismo de rosto humano"
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