segunda-feira, 5 de março de 2012

Oliveira de Figueira


No Público, hoje: “Um teste de auto-colheita para deteção precoce do papiloma do vírus humano (HPV), responsável pelo cancro do colo do útero, é lançado no mercado quinta-feira, Dia da Mulher, por uma empresa da Universidade de Coimbra”.
Ou a notícia não está correta, ou esse laboratório de Coimbra das duas uma: ignorância crassa ou irresponsabilidade a raiar, objetivamente, a falta de seriedade.
Que parte muito significativa dos cancros do colo do útero são causados por vírus do género papiloma (um terço dos tipos de entre mais de uma centena), é bem conhecido. Por isto, a vacina em uso, sendo contra os vírus causadores, acaba por proteger essa alta percentagem de mulheres.
Já quanto a diagnóstico, a situação é tão diferente que é espantoso que esse laboratório não a conheça. Devem ser só engenheiros ou bioquímicos. Nunca uma empresa farmacêutica ou de diagnóstico, com médicos e - neste caso - virologistas - investiria um euro em tal kit.  A Universidade de Coimbra parece que sim, possivelmente com dinheiros da Fundação para a Ciência e Tecnologia. E é claro que nunca ninguém na Roche, na Abbott, na Merk se lembrou de tão brilhante ideia.
O que se está a detetar são vírus do papiloma, por intermédio do seu DNA. Simplesmente, se a maioria dos cancros do colo são causados por papiloma, o inverso não é verdadeiro: cerca de 30% (até 50% em alguns estudos) dos casos de cancro não são devidos ao vírus e, por outro lado, há muitos casos de infeção que nunca chegam a provocar cancro. Portanto, eu não gostaria de estar na posição de mulheres a quem possa ser diagnosticada a infeção viral crónica e que vão viver apavoradas com a incerteza de um dia virem a ter cancro.
Diferentemente, o clássico Papanicolau, diminuído pelos autores do invento, deteta de facto é as células cancerosas. Qual a vantagem do novo “teste”? Dirão que alertar essas mulheres para um controlo mais apertado, claro que com o tal Papanicolau. É inútil, porque de qualquer forma todas as mulheres o devem fazer regularmente, a partir de certa idade.
Voltando ao Público, “denominado “Teste da Mulher” e dirigido especialmente a mulheres com mais de 30 anos - “as que correm maior risco de desenvolver o cancro do colo do útero” -, é o primeiro método, em Portugal, que permite a auto-colheita e “é mais robusto e rápido do que o método clássico - teste de Papanicolau [citologia] - para detectar a presença do HPV”, lê-se numa nota de imprensa da UC.
Como se vê, outro aspeto estranho desta notícia é ser valorizada a autocolheita. Não pode ser um simples exsudado vaginal, tem de ser mesmo do colo do útero. Os autores desta invenção avançam qual a sua estimativa de percentagem de mulheres que o vai conseguir, às cegas? E o teste de Papanicolau alguma vez detetou DNA dos vírus de papiloma? E é menos rápido do que este que, se não me engano do que ouvi um dos autores, demora duas semanas (não percebo como, deve ser erro, porque provavelmente se baseia em PCR)?
Diz-se também na notícia que o rastreio por citologia (Papanicolau) se faz em alguns centros hospitalares do país. Não quero crer em tanta ignorância. Fazem-no, felizmente, muitas dezenas de milhar de mulheres, com colheita feita pelo ginecologista a cuja consulta de rotina devem ir anualmente pelo menos depois dos 50 anos, e com a análise citológica feita por este país fora em milhares de bons laboratórios de anatomia patológica.
Desde há uns anos que andamos embevecidos com os nossos sucessos científicos, seja a de publicações muito importantes com um nome português perdido entre duas dezenas de autores, seja uma novidade tecnológica que irá faturar fortunas. Vê-se. É caso de o rei vai nu. É muito uma feira de vaidades mas também é sinal de falta de seriedade na forma como se usam os nossos recursos para a investigação. 
E já chega de a imprensa mais os gabinetes de comunicação de universidades e institutos de investigação só usarem as formas garantidas de informação - artigos já publicados e não apenas anunciados, ensaios clínicos publicados (onde está esse de Uppsala?), patentes, etc. E fica-me ainda outra dúvida: o teste vai ser comercializado daqui a dias. Por quem e a quem? Em mercado aberto, que exige garantia? Quando e como foi obtida a certificação do Infarmed? Se o regulador autorizou o uso deste teste, fico preocupado. 
Nota - Podem-me acusar de estar a torcer um pouco as coisas: afinal, a notícia do Público refere claramente a deteção precoce dos vírus do papiloma [JVC: no caso do papiloma, com efeitos a longo prazo e em que já não se pode fazer nada depois da infeção, a precocidade conta pouco e em regra começa no início da vida sexual]. Não a deteção direta e propriamente do cancro do colo do útero. Não é verdade que faça isto. Mas ouvi cuidadosamente as declarações do responsável da empresa da UC e são claras: segundo ele, é um teste de deteção precoce do carcinoma do colo do útero. Como disse, não é!

3 comentários:

  1. O que é impressionante é a falta de informação que demonstra... obviamente está confuso, como mulher sei que o HPV está presente praticamente todos os casos de cancro do colo do útero, pois é esse vírus, ou um específico grupo deles, que causa esta doença oncológica (e as vacinas apenas protegem para dois tipos desses vírus de HPV mais perigosos). Devia saber mais de um assunto para falar do mesmo e não ser levado por cantigas de amigo!
    Ideias como esta são de louvar e surgem como alternativas às limitações dos métodos tradicionais que só por si não evitam o enorme número de vítimas deste cancro, mas como homem isso nem deve sequer preocupá-lo e por isso desconhece do que fala.

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  2. Vá ver a minha biografia: e ficará surpreendida. A minha informação não é só da net. Deve ser a sua, pelos erros que mostra. 1. Presença de HPV em quase todos os CCU é argumento post ergo propter ego, uma das coisas mais basicamente perigosas em ciência. 2. A vacina da Glaxo é bivalente mas a da MSD é tetravalente. 3. A grande limitação do Papanicolau não é técnica, é de muitas mulheres não o fazerem, por razões sociais, culturais e económicas que vão servir à mesma para o novo teste. 4. Mais uma vez, e para terminar, este técnico não é diagnóstico, é somente preditor em relação ao principal fator de risco, os HPV. É como se eu fizer rastreio diagnóstico de doenças das coronárias apenas pela colesterolémia em vez de ECG.

    Já agora, pode dizer qual é a sua formação e a base científica do seu conhecimento deste assunto'

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  3. Então com o seu 'post hoc ergo propter hoc' ensina-me que porque pessoas morreram com cancro do pulmão sem nunca terem fumado, eu posso continuar descansada e ser fumadora pois a bendita ciência diz-nos que é basicamente perigoso cotejar uma relação entre ambas as coisas? Compreendo o seu racionalismo objectivista, mas não obrigada!
    A sua biografia não me surpreendeu, mas fiquei um pouco assustada dada a sua douta formação e tamanho reducionismo metodológico, até fiquei entristecida... pensava que a idade oferecia sabedoria mas afinal é só arrogância e altivez, é por isso que mantenho o meu tom.
    A sua informação não é só da internet, pois bem... a minha é, que mal é que tem e qual delas pode provar-se mais autentica?! - pior seria não saber ler o que realmente importa do que é acessório em qualquer peça jornalística, para não segui-la com dever como regra ou lei.
    Como muitas colegas e amigas fui vacinada com gardasil, garanto-lhe que apenas protege para 2 tipos de vírus de HPV associados ao cancro do colo do útero, e não para todos, mais 2 que causam verrugas genitais.
    Acredito que a invenção pode ser tranquilizadora para muitas mulheres, sendo uma doença sem sintomas, se como disse este técnico é preditor em relação ao principal fator de risco, um caso negativo pode tranquilizar-me e um positivo lembrar-me da vigilância que muitas mulheres teimam em evitar.

    Quanto à minha formação, como será certamente usado para virtuosismo de 'argumentum ad hominem', serei resoluta e nada direi... está visto que não sabe o que diz ao dizer o que pensa!

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