quinta-feira, 22 de março de 2012

Salut, la France (III)


Embora com alusões à rua, tenho estado a falar principalmente no plano institucional, partidário, da democracia formal. É neste que faço uma pergunta. Mas nós somos a França? De forma alguma. A Frente de Esquerda pode corresponder um pouco, entre nós, ao conjunto de partidos e movimentos que são o PCP, o BE, a Renovação comunista (RC) e uma ala esquerda indefinida e não organizada do PS. A Frente de Esquerda inclui também alguns pequenos grupos “esquerdistas”, incluindo um irrelevante partido comunista maoista.
PCP e PCF nada têm de comum. O PCF era eurocomunista desde os anos 60, sempre esteve aberto ao diálogo com o PSF, chegou a um programa comum e frentes eleitorais. Ao contrário do PCP, nunca teve dissensões à sua “direita”. Não há nada em França que se assemelhe à RC.
É interessante analisar-se a RC e outras dissensões comunistas. Primeiro, nos princípios dos anos 80, houve muitas saídas do PCP, silenciosas, desorganizadas. Não vou falar disto, estou em causa. Depois, foram as saídas mediáticas. Do grupo dos seis, pouco ficou. Veiga de Oliveira e Silva Graça acabaram em apoiantes de Cavaco, Vital Moreira é um entusiasta de Sócrates mesmo depois dele retirado. Próxima desse grupo foi a saída de Zita Seabra. Não vale a pena dizer nada.
Lembre-se que, nessa altura, houve um acontecimento que poderia ter tido consequências importantes no PCP: a rotura do MDP, que muito me disse. No entanto, não me lembro de um único membro do PCP que nos tivesse acompanhado. Mais tarde, veio a grande rotura, em 1991, depois do golpe de agosto na URSS.  Fora os que fizeram carreira no PS, de que não vou falar, houve o grupo influenciado por Miguel Portas, Plataforma de Esquerda, que “usou” o MDP para organizar e legalizar como partido a Política XXI, depois constituinte do Bloco de Esquerda.
Os atuais RC ainda continuaram no PCP. Sairam em consequência das punições de homens distintos, como Carlos Brito. Mas veja-se o livro de Carlos Brito sobre Cunhal. Ele é e será sempre um comunista tradicional, embora certamente não estalinista. Mas onde é que hoje o estalinismo serve para marcar uma fronteira? Tenho grandes amigos na RC, mas nada de prático ou mesmo ideológico me atrai a acompanhá-los. São um excelente grupo de amigos e assim os respeito, mas com reduzida eficácia política na ação quotidiana e no quadro político convencional.
Com a génese do nosso BE, também não há nada em França. O trotskismo de Krivine e o “anarquismo” de Cohn-Bendit foram pujantes nos tempos de 68, bem como o completamente esquecido terceiro-mundismo guerrilheiro de Régis Debray, mas depois não deram nada, muito menos a constituição de um partido com o sucesso eleitoral do nosso BE. Até se desviou foi para a direita, como se vê por “Danny le rouge”. A extrema-esquerda francesa é hoje irrelevante, em nada se comparando com o BE português.
O que em França se compara, mas só em termos de ser outro polo de esquerda em contraponto ao PCF é o Parti de Gauche (PG). Todavia, há uma diferença essencial: o PG tem origem não na esquerda “radical” mas sim numa dissidência da ala de esquerda mais afirmada do Partido Socialista. Os seus principais dirigentes, com destaque para Mélenchon, já o eram no PS. Simbolicamente, a sua inspiração é Jaurès (foto), sem prejuízo de muitas das suas bandeiras evocarem também Marx.
Recorde-se, aliás, que o PS francês sempre teve uma ala de esquerda forte e com posições nada concordantes com a degradação progressiva das sociais-democracias europeias nas últimas décadas. Um bom exemplo foi a entrada para o PS do PSU de Rocard, muito diferente das assimilações “ideologicamente canibais” do PS português, seja dos ex-MES, seja do grupo Pina Moura e outros de ex-PCP. Assim, onde se vê no PS português a perspetiva de dele se autonomizar uma nova formação política, de esquerda claramente oposta à ideologia ordoliberal e à sua prática consagrada na Europa?
Precisamos de tal partido novo, mas a sua génese e desenvolvimento terão de ser diferentes do PG. Portugal não é a França.

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