segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Dívida boa e dívida má

Escreveu-me um amigo a pedir-me opinião - amabilidade de amigo, já que não sou especialista - sobre a possibilidade de, em vez do corte puro e simples dos subsídios, eles serem convertidos em títulos do tesouro. Já há bastante tempo, quando os juros no mercado primário da dívida começavam a ultrapassar o limite então tido por perigoso pelo ministro Teixeira dos Santos, 7% (onde isso já vai…), outro meu amigo escrevia numa das suas habituais crónicas injustamente esquecidas num jornal de província que ele subscreveria de bom grado dívida pública a menos 2 ou 3% de juros do que isso.
Então, porque não? Desde logo, admito, por mesmo a capacidade máxima de aforro interno ser muito inferior às necessidades de financiamento. Mas nunca esse aforro, mesmo que menor, pode ser negligenciado, até por razões políticas e de empenho nacional.
Novamente, então, porque não? Vêm-me à cabeça algumas razões. Primeiro, o governo, e também o anterior, são de gente formatada ideologicamente e culturalmente para sobrevalorizar o mundo da finança, como se o dinheiro de um banqueiro viesse com mais perfume do que o de um pequeno aforrador. Além de que negócio arrasta negócio e é “bom” centrar as relações económicas do governo na banca - ainda por cima com o seu charme discreto, quando até já se queixam os “cavalheiros da indústria”.
Segundo, estes governos não têm capacidade de mobilização do espírito patriótico - no bom sentido do termo - que poderia transformar esta operação de compromisso nacional com a dívida em coisa com grande significado político e económico. Era preciso que o Zé, com uns poucos milhares de euros a investir, visse que isso iria ser usado em proveito do país, do seu crescimento económico, da competitividade do seu “capital humano”, em combate ao desemprego.
Finalmente, era preciso uma mudança radical da preocupação principal: diminuição do défice orçamental ou diminuição da dívida nacional externa (não só da dívida pública externa)? Obviamente,  está a dar-se muito mais importância ao objetivo de redução do défice. É claro que a emissão de dívida interna não resulta em diminuição do défice orçamental (a não ser, e pode ser muito, por redução dos juros e, logo, do encargo da dívida). Também não reduz o montante total da dívida. Mas reduz a dívida externa. É preciso ser-se economista de serviço televisivo para se perceber isto? E quem se senta no sofá a ver na TV esses tais não pode pensar nisto?
NOTA - Recordo vagamente, mas não consigo confirmar, que em tempos idos, princípios dos 80s, houve uma coisa deste género, pagamento do subsídio de Natal em títulos do tesouro. Ou estou enganado?

2 comentários:

  1. Enganado. Embora se tivesse falado no assunto, foi corte puro de 50% no subsídio de Natal.

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  2. Totalmente de acordo. Também não percebo porque não se faz. Haveria certamente alguns milhões que se poderiam reunir desta forma, oriundos de cidadãos residentes e emigrantes. A não ser que alguém prefira pagar 20 por cento a um grande banco que 5 por cento a um cidadão anónimo.

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