“Nós não somos a Grécia”. Num aspeto, é verdade. Os governos gregos, incluindo o atual governo tecnocrático, acossados pela movimentação popular e com eleições em mira, não têm sido propriamente fanáticos das imposições da “troika”. O governo português, quase que patologicamente, baba-se de gozo, estampado na expressão de Gaspar, por ir mais longe, muito mais, do que as imposições externas. Parece servirem-se do pretexto da “troika” para porem em prática um “imperativo histórico”, um delírio ideológico fanático, só satisfeito quando o mundo for na realidade aquilo que as suas cabeças formatadas concebem.
Fora esta diferença, é difícil encontrar algum economista estrangeiro reputado, algum analista sério, que não lembre que somos mesmo a Grécia, com um ano de desfasamento: os mesmos fatores de crise, a mesma política de austeridade imposta pelos mesmos poderes europeus, a mesma causa principal de falta de confiança dos mercados - o não crescimento económico e a espiral de recessão-dívida.
Mas hoje não vou escrever sobre economia, de que sou amador, antes de política e das lições que podemos tirar da Grécia. Comecemos pelos movimentos sociais e pela rua. Posso estar mal informado, mas não li sinais de grande relevância das novas movimentações. Manifestações de tipo ocupação da Puerta del Sol ou de Wall Street, se existem, parecem ficar obscurecidas pela movimentação social tradicional, nomeadamente a das greves e manifestações convocadas pelos sindicatos.
Parece-me que não andamos longe disto. Não diminuo a importância potencial dos novos movimentos (sectoriais, temáticos, flexíveis, não hierárquicos, etc.) mas creio que o seu desenvolvimento até eficácia real vai ser a ritmo mais lento do que é imposto pela aceleração desta crise económica, financeira e, claro, também política. Descontando o 12 de março, com sucesso conjuntural, basta a comparação da pequena manifestação de 15 de outubro com o Terreiro do Paço praticamente cheio, sábado, para se ter obrigatoriamente em conta que, em tempos de crise, o povo não vai em coisas menos testadas.
Diferente é o voto. Aquela centena ou duas de milhares de pessoas que se manifestaram sábado claro que votam de forma variada. Muitos, certamente, sempre votaram PS e dificilmente verão uma alternativa. Até sei de quem lá esteve e que foi o ano passado no engano do voto PSD. De quem votou assim massacrado pelo lavar de cérebro de que homem honesto não é caloteiro e entrega a camisa para pagar a dívida, mas que hoje já começa a ter dúvidas porque não ser caloteiro está a ameaçar ser deixar os filhos à fome.
Toda esta gente está espartilhada por um quadro partidário que lhes oferece a obediência, a humilhação, o sacrifício, e, por outro lado, a incapacidade de proposta de uma alternativa que não seja apenas retórica de agit-prop, sem credibilidade para muita e muita gente que não passa de repente para uma postura radical.
Aparentemente, esta é outra situação de semelhança, com a Grécia, em relação ao quadro partidário e às suas posições em relação ao plano de resgate. Dois partidos de direita (Nova Democracia e, mais à direita, o LAOS) e o partido socialista (PASOK) aceitam no essencial as imposições da “troika”, embora sem fanatismo e não concebem qualquer alternativa. O Partido Comunista KKE e o Syriza (análogo do BE português) assumem-se como resistência mas não apresentam propostas alternativas de saída da crise. Não conhecemos tudo isto?
A diferença essencial é recente, data de junho de 2010. A ala dita menos radical do Syriza separou-se e constituiu um novo partido, a Esquerda Democrática. Muito provavelmente por ter conseguido cativar muito eleitorado na margem esquerda do PASOK, as sondagens dão-lhe 18%, em segundo lugar, atrás da direita da Nova Democracia, com 31%. Passa à frente dos outros dois partidos de esquerda, cada um com cerca de 12% de intenções de voto, e esvazia o PASOK, maioritário até há dois anos e que agora se reduz a 8%. Contando com o LAOS, a direita tem 39% e a esquerda 42%. O fiel da balança será o PASOK, mas não é garantido que, mesmo contando com ele, o próximo novo parlamento grego continue a ter a política de submissão à ultra-austeridade.
Tenho para mim que é necessária uma visão estratégica que vá no sentido de uma rotura muito profunda, de novo paradigma político, de nova democracia e de reformulação do conceito de representatividade e do seu valor estruturante da democracia que conhecemos, de proposta de uma nova ordem económica mundial, logo europeia, logo portuguesa. Que a movimentação social e política cada vez mais se vai orientar para a tomada do poder, mesmo que de forma contra as regras, como forma imprescindível de conseguir esse renascimento da democracia.
Todavia, há o plano tático, ditado pelo calendário do ano e às vezes até do mês ou do dia. Neste sentido, creio ser urgente uma ação eficaz e rápida para constituição de um novo partido de esquerda. Há muita gente generosamente envolvida em múltiplas iniciativas pontuais, interessantes e úteis, mas que não vão ao centro do problema: como fazer mudar, a curto prazo, o voto de muitos dos tais 80% do “arco” troikiano?
O que é este curto prazo? Segundo o calendário eleitoral, parece termos tempo, haverá eleições em 2015. Mas alguém garante que, com o aprofundar da crise e com grande resistência social, não haja eleições antecipadas, por exemplo no próximo ano?
Não sou eu que vou aqui propor o que deve ser o programa de tal partido, coisa para os seus fundadores - espero que eu também possa ser, a tempo. Mas creio que não é abusivo dizer o que considero o fundamento e justificação do meu desejo de ver criado um novo partido. Para já, essencialmente, algumas coisas que cumpram o tal objetivo essencial de oferecer uma alternativa a muitos eleitores que não confiam na “esquerda radical”:
– Um partido que combine o respeito pelos valores e ideais tradicionais da esquerda com uma compreensão, traduzida na ação, das grandes mudanças sociais das cinco últimas décadas, na estrutura social, no trabalho, nas aspirações individuais.
– Um partido que ganhe uma imagem de credibilidade junto de eleitorado que até pode não se rever na esquerda partidária atual mas que é sensível à pedagogia política séria, à honestidade inteletual, ao rigor das análises e à informação correta.
– Um partido que defenda um projeto progressista de união europeia mas que não fique refém desse projeto como quadro principal das lutas nacionais, muito menos de solução em prazo útil da crise do euro.
– “Last but not the least”, um partido que esteja aberto, publicamente, à consideração e estudo, a curto prazo, de todas as hipóteses alternativas à política ordoliberal traduzida na austeridade que nos é imposta, nomeadamente a reestruturação da dívida e/ou a saída do euro.
Nota - Os dados da sondagem grega foram transcritos do Arrastão
qualquer sentimento de urgência parece-me negativo por três ordens de razão: a) confunde-se com a urgência da Troika/governo; b) confunde-se com o voto útil; c) atrai oportunistas. Mas sobretudo porque não está sequer iniciado - tanto quanto saiba - o movimento de construção de um novo espaço político para ocupar o vazio. O que dá bem a ideia das dificuldades.
ResponderEliminarO que verdadeiramente faz falta ...é tomar o poder. Sem partilha. Se o tal partido novo tiver a tomada do poder por objectivo, ok, será bem-vindo. Se não for para isso não faz cá falta nenhuma. É que isto vai cair e se a malta continuar a brincar à democracia acabará por perder pelos dois lados. Portanto, o que faz falta é aprontar a tomada do poder. Tudo o resto é música celestial...
ResponderEliminarCaro João
ResponderEliminarÉ mesmo preciso dar início a reuniões com pessoas interessadas na criação desse novo partido da esquerda. Na newsletter de Março, a Convergência e Alternativa vai tornar pública a decisão de se transformar numa associação política (novo manifesto, estatutos, órgãos sociais) para que a sua intervenção seja mais eficaz na promoção dessa nova força política. Entenda-se, é apenas um contributo sem pretensões de dirigismo.
Um abraço.
Anónimo, provavelmente não me expliquei bem. O que, a meu ver, mais deve distinguir este novo partido de esquerda é ter o objetivo do poder, não a postura tradicional de mera resistência do PCP e do BE. É claro que não basta apenas a frente de luta partidária, mas ajuda muito.
ResponderEliminarNuma mensagem paralela que escrevi a amigos políticos, dizia também que entendia dever ser característica de um novo partido: "Sem prejuízo da convergência na ação, não prejudique a sua própria imagem e afirmação junto dos eleitores por preocupações irrealistas de unidade, nomeadamente com o PS tal como ele é hoje".
Creio que não estamos em grande desacordo.
Descontente com o actual leque partidário, resolvi procurar no Google: "Novo Partido precisa-se".
ResponderEliminarE aqui estou. Estava esperançado de que novas ideias surgissem, baseadas no de que melhor tem uma sociedade. No respeito por quem trabalha e por quem arrisca, e por que não dizê-lo por quem trabalha e simultaneamente arrisca. Um partido de pessoas honestas dedicadas à causa publica mais do que a interesses pessoais ou de grupos. Um partido que ajude quem quer criar riqueza para o Pais, sejam eles "trabalhadores" ou "capitalistas". Mas pondo cada um no seu lugar. Infelizmente o que eu vejo é chavões: A "esquerda" a "direita". Começa mal o partido que quiser dividir as pessoas entre esquerda e direita. O PS, o PSD e mesmo o CDS, são todos iguazinhos. Estão todos com o focinho na mesma gamela. Ora alimentam-se uns, ora os outros. É à vez. Vira o disco e toca o mesmo. Como alternativa temos o partido das salas de chuto, do casamento gay e de outras causas, que dependendo do ponto de vista de cada um são mais ou menos nobres, mas que não apresenta qualquer projecto economico. Só folclore. E depois temos o ortodoxissimo PCP, o partido que tem (e terá) o mesmo chavão de sempre, o da luta de classes, sendo que a dos operários e camponeses é a mais nobre e tem uma superioridade moral sobre as restantes. Um partido novo precisa-se realmente. Mas acima de tudo é preciso um partido de gente honesta. Que ajude quem precisa e ao mesmo tempo que dê meios a quem quer investir e pagar impostos em Portugal.