sábado, 15 de outubro de 2011

Porque ficaram em casa?

100.000 em Lisboa, segundo a organização? É errado e contraproducente inflacionar a dimensão de manifestações e comícios. Descredibiliza o valor intrínseco do acontecimento, é tiro no pé em termos de propaganda. Sempre disse isto na minha vida político-partidária de há muitos anos, mas tendo dissabores com essa posição. Eram tempos em que se enchia o Terreiro do Paço com meio milhão de pessoas (cheguei a ler um milhão), quando a coisa é de simples aritmética: 4 pessoas por m2 (e é bem apertado), 170 m de lado da praça, contas redondas 115.000 pessoas atulhadas. Muito longe de um milhão.
A manifestação da “geração à rasca”, de 12 de março, foi dita como de 300.000 pessoas. Mesmo que tenha ocupado toda a zona central de toda a Av. da Liberdade, e com uma média de 1-1,5 pessoas por m2 (o que é muito para uma manifestação, teria de ser compacta), são 1500 m x 40 m x 1,5, logo 90.000 pessoas.
Isto para diminuir um pouco, em termos comparativos, a minha tristeza e preocupação com a manifestação de hoje em Lisboa. Inegavelmente, foi fraca e é preciso perceber-se porquê. Desta vez estive lá e pude contar, com algum jeito que tenho, quer pelo método da contagem centena a centena, o que é fácil, quer pelo método da conversão do tempo de passagem em número de manifestantes (5 pessoas por segundo). Descontando as pessoas que estavam no passeio e que provavelmente se foram integrando na manifestação, não se chegou a 10.000 manifestantes. Praticamente um décimo da manifestação de 12 de março. É pouco e faz pensar.
Coisa evidente era o perfil largamente maioritário dos manifestantes, coerente com o que se conhece dos grupos que a convocaram: muitos jovens, com a aparência quase estandartizada de símbolos (vestuário, adornos, piercings, rastas) de uma postura de protesto (claro que não estou a criticar). É hoje uma grande camada social de excluídos, sabemos que em muitos casos de nível cultural e académico alto - o que permite pensar que também de bom nível social e económico (claro que com isto não estou a negar a sua justeza de luta, estou só a tentar uma análise com atitude de objetividade).
Não vi notoriamente aquilo que saltaria logo à vista como o ar típico do manifestante de há dias, da CGTP. Sei que me podem acusar de estar a fazer uma apreciação impressionista, mas creio que, com a devida margem de desconto, é válida. À primeira vista, isto é muito estranho. 

A “geração à rasca” ou os “indignados” provavelmente não são um conjunto muito elástico, em termos de reação aos fatores de momento. Saíram à rua os do 12 de março, estiveram no Rossio, voltaram hoje a sair, talvez um pouco mais, mas com motivações já sedimentadas. Não são, diretamente, os mais afetados pela brutalidade das medidas austeritárias, quase de sadismo político ou de autismo de economistas fanaticamente ortodoxos, que foram agora anunciadas. Por isto, esperava que a manifestação engrossasse enormemente com aqueles que, se ainda não sabiam, acabaram de saber agora o que vão sofrer. Afinal, ficaram em casa.
Os novos movimentos jovens têm alguma responsabilidade num certo divórcio com todo o grande movimento social convencional. É natural, ainda são inexperientes, embora a falta de consciência dessa inexperiência e até todo um "patronizing" hipocritamente disfarçado de embevecimento por parte de gurus e de jornalistas os possa levar - espero que não - a alguma arrogância. Estou a ser senilmente sobranceiro? Admito.

A sua linguagem e postura é muitas vezes quase iniciática ou grupal e alguns dos seus “slogans” são duvidosos para muita gente, mesmo que os fundamentos da revolta sejam aceites por essa muita gente. Por exemplo, hoje, a manifestação ia cheia de cartazes a apelar a uma democracia direta que ninguém discute a sério e que se sabe, na teoria e na prática, que tem muito a discutir (a começar pela diferença para uma democracia participativa). De cartazes pouco sensatos do tipo “temos fome, vamos comer os ricos”. Pior, por toda a parte a rejeição absoluta e generalizada dos partidos. E outras manifestas palavras de ordem populistas, com os riscos que a história nos ensina.
Assim, é de admirar que militantes ou simpatizantes de partidos de esquerda não se tenham sentido atraídos por esta manifestação? Ou que até, para a desvalorizar, algum partido tenha passado palavra para não ir lá o seu pessoal? A atitude anti-partidos de muitos dos novos grupos de ativismo político (daí a movimentos ainda vai alguma distância) é infantil e sectária. Até posso citar um caso próximo de mim. Como podem ver ao lado, destaco, com muito interesse, um grupo político de que me sinto próximo, o Convergência e Alternativa. Não foi tido como promotor desta manifestação, pela simples razão de, numa declaração sem grande importância, um dos seus ativistas - sem a responsabilidade de porta-voz ou dirigente, coisa que este grupo não tem - não ter rejeitado (repare-se na diferença, não foi afirmar, foi não negar) que um dia o grupo pudesse pôr a hipótese de conversão em partido.
Outra possibilidade a justificar a falta de adesão à manifestação é a da anestesia, do martelo pilão da  indoutrinação e desinformação sobre a crise, a causar tal perplexidade que as pessoas ainda não caíram em si, “ainda não são gregos”. Afinal, 80% votaram há meses na troika interna, convencidos da inevitabilidade da política de austeridade demencialmente levada ao limite. As pessoas estão atordoadas, mas vão acordar. A menos que vingue o atávico fatalismo português.
E essa do martelo pilão é coisa que tirei de um artigo de hoje de Pacheco Pereira. Quem diria! Amanhã ou depois falarei sobre isso. 
Nota - Afinal, embora provavelmente sem a concordância dos promotores, a manifestação não foi completamente apartidária. Lá iam, bem identificados com faixa e cartazes, uma dúzia de MRPPs, com destaque para o revolucionário do iate, Garcia Pereira, a quem a televisão brindou com mimo especial.

P. S. (17.10.2011) - Lembrei-me agora. O grande sucesso de 12 de março e a saída à rua de outros tantos ou mais de gerações mais velhas do que os "à rasca", ao contrário de ontem, não terá tido muito a ver com a época do ódio a Sócrates? Passos Coelho ainda não teve tempo para despertar essa reação e até tem a seu favor um estilo diferente, mas que se cuide.

3 comentários:

  1. Caro companheiro,
    Também no Porto a manif teve menos gente que há 7 meses, por incrível que pareça!
    Achei curiosa a sua reflexão mas há um dado que me parece pertinente e que não faz parte do seu argumentário: em Março, havia toda uma dinâmica para a queda do Governo de então, para a qual concorreram os partidos ditos de esquerda!
    E é, também, muito provável que muitos activistas do PSD - parte interessada nessa queda - tenham engrossado as fileiras!...
    Um abraço amigo.

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  2. Tem razão. Só hoje me lembrei disso e já tinha escrito um P. S.sobre esse provável fator.

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  3. De acordo, JVC, embora tb subscreva o comentário anterior sobre o nº de participantes.
    V.

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