sexta-feira, 19 de julho de 2013

Notas soltas

1. Bolsa das apostas

A grande aposta agora é saber qual vai ser a decisão do PS. Os balcões de apostas ainda não fecharam. Por mim, vou apostar sem hesitação na cedência do PS em relação a aspectos essenciais do seu plano de combate à crise, embora eu não saiba bem o que caracteriza o grau de essencialidade das medidas propostas pelo PS (veja-se um “post” anterior).

Repito que é só aposta porque, no momento em que escrevo, nada é certo sobre o resultado das negociações entre os três partidos. No entanto, mesmo que só como palpite, há bons indícios do que se está a passar. A simples demora do processo, com desconvocação dos órgãos partidários, indica que se está perante negociações propriamente ditas e não de um “show off”. 

Estão a medir-se cedências mútuas, pesar influências internas e externas. Julgo que estão enganados os que ainda tinham ilusões e acreditaram que o PS estaria a fazer ronha e que só queria mostrar respeitabilidade, mas que acabaria por não subscrever nenhum acordo. Já passou demasiado tempo para ser isso.

Se assim fosse, o PS deveria ter colocado logo condições. Claro que eu não esperaria que fossem as posições que defendo, mas mesmo as que o PS vem apregoando – menos austeridade, renegociação [JVC · não reestruturação!], promoção do emprego – seriam suficientemente distintas das do governo, mesmo que só superficialmente, para justificar na altura certa a rotura das conversações (o que é diferente de negociações). Fá-lo-ia dizendo claramente quais os pontos de discordância irredutível e demonstrando a razão dessa irredutibilidade.

Penso que o PS vai sair muito ferido desta armadilha tecida por Cavaco e em que o PS caiu infantilmente (como seria de esperar da infantilidade política de parte da sua direcção, aparelhística). Creio mesmo que não é abusivo pensar-se que o PS possa estar no princípio do seu fim. Até a mais curto prazo, o suicídio político de Seguro. Já se deve estar a preparar no Rato a noite das facas longas.

Já tenho falado na pasokização do PS (diminuição brusca da expressão eleitoral em virtude do compromisso com a troika) e cada vez mais estou convencido dela, o que até me leva a menorizar efeitos eleitorais próximos de uma unidade de esquerda. Vamos assistir a nova bipolarização eleitoral, agora já não entre direita (PSD e CDS)e centro (PS), mas entre direita e esquerda (PCP e BE), esta reforçada com parte importante do eleitorado que o PS vai perder com a sua pasokização. Há mais eleições do que as próximas e as eleições não são a única forma de luta política.

2. Danças e contradanças

O jogo de convites cruzados a que se assistiu nestes últimos dias facilitou interpretações deturpadoras que não ajudam à intenção messiânica de alguns de conseguirem a unidade de esquerda. Disse-se, por exemplo, que o convite do BE ao PS tinha sido uma novidade, principalmente por não ser condicionado. Ora é o próprio BE, em comunicado, que declara que “regista positivamente que, entretanto, a direção do PCP tenha proposto ao Bloco de Esquerda a realização de uma reunião.” 

É certo que o PCP não estendeu o convite ao PS, mas também parece óbvio que o convite do BE ao PS, como se viu depois, resultou numa conversa de surdos e com recusa do PS ao prosseguimento das reuniões, como não podia deixar de ser quando o PS estava a ser convidado para negociar com Deus e estava simultaneamente a negociar com o diabo. 

Mais, a agenda do BE para as reuniões era “a construção de um governo de esquerda que termine a austeridade e o memorando, que consiga a reestruturação da dívida, mobilizando os recursos bancários,  financeiros e fiscais necessários, e que recupere o rendimento perdido pelas pessoas”, impensável para o PS. E não é isto um convite com condições, ao contrário do que dizem os entusiastas do “gesto Semedo”?  Em que é que esta proposta enviesada difere, essencialmente, na mais lógica e transparente recusa do PCP em convidar o PS para negociações à esquerda?

O que faz correr esse grupo de escuteiros com missão de fazer a unidade da esquerda, mesmo que sejam só eles a pensarem que é possível essa unidade? Serão mesmo angélicos ou “uma vez ambicioso sempre ambicioso”? São perguntas politicamente pouco correctas, nesta época de todas as unidades, mas “amicus Plato, sed magis amica veritas” (sou amigo de Platão, mas mais amigo da verdade).

3. De como a questão importante dos quatro fundadores do BE vale mais do que a unidade

Rui Tavares, numa das suas crónicas habituais no Público (só para assinantes), invoca um argumento que creio ser novidade, em relação a esse mito da unidade: “ninguém está mais escaldado do que o comum eleitor de esquerda neste país, a quem várias vezes iludiram e desiludiram sucessivamente.” Não faço a mínima ideia do que quer dizer. Quais foram, quando, como, as ilusões de unidade em que os partidos fizeram cair os eleitores? E, se houve alguma iniciativa, qual dos partidos a desfez e desiludiu os eleitores de esquerda?

Na mesma crónica, considera o PS como o pivot da nossa II República. Se percebo o termo, entenda-se, em definição partidária, o centro, o partido que permite a oscilação do sistema para ambos os sentidos, conforme se coliga. Mas, segundo Rui Tavares, o PS deve escolher se quer manter a sua autonomia e margem de manobra enquanto partido central do sistema (veja-se como qualquer solução terá de passar por ele) ou se aceita amarrar-se a um acordo que o ancorará sem apelo nem agravo a um bloco de direita. Estou a perceber bem? Ou autonomia ou ligação à direita? Então e a ligação à esquerda?

Gato escondido com o rabo de fora. Começa a não haver pachorra...

4. Continuando com escuteiros

Numa crónica do Expresso, com o título de “O desafio de Semedo”, Daniel Oliveira exemplifica bem a atitude de que falei acima. Vai mesmo mais longe, quando deixa margem para dúvida sobre as consequências que poderia ter tido a negociação entre o BE e o PS: “o PS acaba, nesta crise política, por se ver confrontado, ainda antes de ir a votos e chegar ao poder, com as grandes escolhas que terá de fazer. As programáticas e as de alianças. Estando assim obrigado a mostrar o jogo. O seu discurso contra a austeridade é sincero ou faz apenas o jogo do costume, opondo-se agora àquilo que depois fará?”

Que significa o ponto de interrogação final? Será que Daniel Oliveira, político experiente, ainda admite que o discurso do PS contra a austeridade é sincero? Dou-lhe o benefício da dúvida. Mas é coerente? Não acredito que Daniel Oliveira o possa admitir. E se for conscientemente incoerente pode ser sincero? Como escreve Daniel Oliveira mais adiante, “O PS nunca quis ‘rasgar o memorando’. Mas dizia querer renegociá-lo. Seria em torno da profundidade e do rumo dessa renegociação e de uma significativa reestruturação da dívida que o diálogo se teria de fazer.”

Escreve também Daniel Oliveira que “até ontem [JVC: data do convite do BE], o PS tinha um álibi: a impossibilidade de entendimentos à esquerda atirava-o para os braços do PSD e do CDS.” Quem é que hoje, salvo os próprios simpatizantes do PS, diz tal coisa? Mesmo que a falta de entendimento não pudesse em nada ser imputada ao PS, tal argumento acaba por ser ofensivo para o PS, visto como um boneco sem pernas próprias e sem vertebração, que só anda a ser atirado de um lado para o outro, como o "pelele" de Goya (na imagem). 

Sejamos claros, mesmo que politicamente incorrecto nestes tempos de apelos a todas as unidades: o PS não está próximo da direita por outra “coisíssima nenhuma” que não seja a degenerescência ideológica e a cobardia política que alastrou desde a guerra fria por toda a social-democracia europeia. Falaremos disto um dia destes.

5. O rol de razões de Cavaco

Tudo o que é jornal ou blogue tem apresentado inúmeras justificações ou intenções quanto às propostas de aliança tripartidária de Cavaco Silva. Por exemplo, 
  • alargar, com o PS, a base social de apoio ao governo da direita; 
  • reforçar os poderes presidenciais e preparar, em segunda fase, um governo presidencial; 
  • comprometer o PS e reduzir a sua expressão eleitoral; 
  • facilitar uma atitude mais benévola da troika em relação a um programa cautelar ou até um segundo resgate; 
  • permitir uma atitude ambígua de nim a eleições antecipadas, que Cavaco sentiria como desejo dos eleitores, não sendo acusado de provocar mais instabilidade convocando eleições; 
  • reforçar o comprometimento dos três partidos com o memorando inicial, validando com isso a ideia de um consenso nacional e internacional em relação a políticas de austeridade, numa lição em que Portugal é um bom aluno, estudioso e disciplinado; 
  • diminuir a força do governo e da coligação, recusando com esta alternativa a proposta de remodelação; 
  • até mesmo vingar-se de Portas director do Independente, já que a vingança serve-se fria; 
  • criar uma imagem de estabilidade política que acalme os especuladores, faça baixar os juros e alivie o “pós-troika”;
  • etc.
E porque não, mais simplesmente, porque assim o querem a troika e a Sra Merkel?

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