domingo, 15 de janeiro de 2012

Por onde anda a fada da confiança?


Julgo que foi Paul Krugman que popularizou esta da “fada da confiança”. A economia deixou de ser um domínio quase-científico da racionalidade e da objetividade, passou a ser um conto de fadas. É exemplo típico da economia-ideologia, para mais articulado com a economia-moral.
Diz a fada: “os mercados precisam de confiança, senão fecham a torneira do crédito”. As agências de “rating” são o termómetro dessa confiança. Para os fanáticos do neoliberalismo e do pensamento dominante, não interessa que os critérios de confiança sejam os de quem decide, neste caso as agências, muito menos os académicos até Nobel, mas os seus próprios critérios dogmáticos. Como dizia a mãe do recruta no juramento de bandeira (podia ser a Sra. Merkel), “só o meu filho é que marchava com o passo certo”. Para o pensamento dominante, a confiança dos mercados vem exclusivamente do cumprimento escrupuloso da política de austeridade imposta pelos credores máximos, UE, BCE, FMI. Porque os mercados nunca ouviram falar em crescimento, em sustentabilidade da dívida, em ter-se recursos suficientes para evitar a insolvabilidade...
Porque é que as agências não confiam em algumas dívidas soberanas? Porque esses países são mal comportados, trapaceiros em contas, vivendo acima das suas possibilidades, não vendo os exemplos prussianos, dizem os economistas de serviço. Portugueses e não só, até de bom nível intelectual e capacidade crítica, embarcam neste discurso. Não veem que a crise se fez com as nossas dívidas só porque houve créditos equivalentes de outros. Ninguém se empobrece sem que alguém se enriqueça! Não veem - e a propaganda hegemónica não lhes permite que vejam -  que a crise não é localizada, na periferia, é sistémica.
Quem melhor para lhes fazer ver do que gente de fora, hoje amaldiçoada mas afinal criaturas do sistema financeiro que nos rege? Porque é que a S&P baixou a dívida francesa para baixo do mítico AAA?
We also believe that the agreement [the latest euro rescue plan] is predicated on only a partial recognition of the source of the crisis: that the current financial turmoil stems primarily from fiscal profligacy at the periphery of the eurozone. In our view, however, the financial problems facing the eurozone are as much a consequence of rising external imbalances and divergences in competitiveness between the EMU’s core and the so-called “periphery”. As such, we believe that a reform process based on a pillar of fiscal austerity alone risks becoming self-defeating, as domestic demand falls in line with consumers’ rising concerns about job security and disposable incomes, eroding national tax revenues.
Traduzindo:
Também julgamos que o acordo [o plano EU de dezembro] se baseia apenas numa visão parcial da origem da crise: que a atual tempestade financeira radica primariamente na devassidão orçamental da periferia da eurozona. Porém, a nosso ver, os problemas financeiros com que a eurozona se defronta são principalmente a consequência dos crescentes desequilíbrios das balanças comerciais e das divergências de competitividade entre o núcleo da união monetária europeia e a chamada “periferia”. Assim, cremos que um processo de reforma baseado apenas na austeridade orçamental arrisca-se a ser auto-derrotado, porque a procura doméstica [agregada] cai em paralelo com as dúvidas crescentes dos consumidores acerca da segurança no emprego e dos seus rendimentos disponíveis, com desgaste das receitas fiscais do estado.
Qual foi a resposta do sistema do euro, pela boca da Sra Merkel? “Estão a pressionar, temos de fortalecer o euro, avançar rapidamente para a disciplina orçamental”. Leia-se: mais austeridade, mais economia moral, mais penalização dos pecadores periféricos. Ela acredita na fada da confiança. Mas os critérios de confiança são os da sua débil estrutura mental, primarismo político de educação na RDA, ignorância da economia política, não os de quem de facto dita as regras.
Lembram-se do anúncio do coelho Duracell, que batia contra a parede e continuava a patinar, a patinar?

NOTA - Com o impacto desta história no coração do euro, nem se fala de que a dívida portuguesa foi mais uma vez desgraduada. Afinal, para a nossa crise, o que é que isto conta? O que conta é ir ao centro da nossa crise (nossa, como disse, é maneira de dizer).

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