quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Feios, porcos e maus

Há quem queira reduzir os motins ingleses a simples caso de polícia. E há quem os veja num enquadramento político e social, como entendo que se justifica, mas com perspetivas muito diferentes, algumas para mim inaceitáveis. 
Antes da análise, os factos, parece-me que indesmentíveis, porque as filmagens não enganam. São toda uma mistura de gente que vai de crianças a professores primários e a mães de família, todos unidos no simples roubo, não o “roubo” politicamente significativo (assalto a banco, à LUAR). Não representam comunidades étnicas, que até se estão a organizar para proteger dos vândalos as suas propriedades, lojas e negócios, antes me parecem ser maioritariamente, pelo que vejo na TV, brancos ingleses. Não atacam os símbolos políticos, quartéis, tribunais, esquadras de polícia, os serviços sociais que não lhes dão o que querem (e não dão a esses? ou não dão é a outros?). Ao contrário de movimentos de protesto político e social à norte-africana ou à grega, não têm nenhuma palavra de ordem política. Ao contrário de Jean Valgean, não roubam pão, de que não precisam, roubam televisores, computadores, telemóveis topo de gama, roupa de marca. 

Afinal, é o que muitos pais sabem quando os seus filhos foram assaltados, à porta da escola, por jovens marginais que só queriam roubar-lhes era os ténis de marca e o telemóvel. São desempregados em revolta social legítima, estão a fazer protesto político, desejam uma sociedade mais justa? Tolice, são apenas marginais sociopatas. Claro que com isto estou a culpar a sociedade que permite isto, também as famílias desestruturadas que os criam, também a escola que não consegue fixá-los, mas não estou é a fazer deles a juventude revolucionária. Seria uma ofensa aos "geração à rasca", aos 15-M, afinal também à memória da minha juventude.

Estes selvagens londrinos cultivam a violência pela violência, “tout court”. Como é que não nos lembramos da Laranja mecânica ou dos hooligans (afinal, isto é muito inglês, “low class”, na mais snobemente estratificada sociedade do mundo, com uma classe baixa, provavelmente a mais ordinária classe baixa europeia. Deixo claro, estou a falar de nativos, não de imigrantes, falo do que o Algarve conhece como desordeiros bêbedos das docas de Liverpool, mas que deliram ler os tabloides com fofocas sobre a família real.
O que não posso admitir é que uma certa esquerda nossa de hoje venha falar disto como um problema de classes, treslendo o velho génio renano. Literalmente, o bloguista refere o carácter de classe do protesto” (!). Quando um drogado lhe fura um pneu porque não recebeu o euro devido ao seu trabalho digno de “arrumador”, o bloguista vai-lhe dar um abraço de solidariedade de classe? 
Claro que o que se está a passar na Inglaterra é um problema óbvio de disfunção social, de psico-sociopatia, mas pensar em termos de luta de classes é coisa que horrorizaria Marx se ouvisse dizer que esta canalha era classe revolucionária. Marx ensinou o que era o lumpen-proletariat, o que estamos a ver agora em Inglaterra. E ensinou como ele até serve abjetamente, no momento da verdade, os interesses da classe dominante (como Hitler bem o usou nas suas primordiais e esquecidas SA de meros bandidos rufiões). E já se estão a ver nas ruas inglesas os neonazis, agora como vigilantes, à sua maneira bem especial.
Independentemente de se concordar com que estes desmandos sociais ingleses devem fazer pensar na sociopatia que todos os nossos países vivem, uns mais outros menos, o que é inaceitável é ter alguma atitude de consideração para com os feios, porcos e maus (curiosamente, ainda ontem vi o filme do Ettore Scola, num canal de cabo - terá sido propositadamente?). A mim, horrorizam-me, sejam ou não vítimas, porque são mesmo feios, porcos e maus. Serem vítimas do sistema - e são, sem dúvida - não lhes justifica a porcaria, porque as vítimas merecedoras são as que lutam ou pelo menos se comportam como qualquer pessoa de esquerda deseja que se comporte o “homem bom” (ia dizer utopicamente o “homem novo”). O verdadeiro revolucionário não pode ter qualquer condescendência com o lumpen, porque senão degrada-se ao seu nível. E não me venham com essa de não haver revoluções asséticas. Mistificação. Eu leio Marx, não Bakunin.
Diz-se que o blogue em que li esta monstruosidade é conotado, não sei se corretamente, com o PCP. Eu não consigo saber o que é hoje a referência ideológica do PCP, nessa linha estranha que foi abusivamente feita de marxismo-leninismo-estalinismo-khrutchovismo-brejnevismo-cunhalismo. Eu fico-me por Marx, que dispensa a etiqueta de marxismo e acho que fico muito bem e com grande proveito intelectual e de influência para a ação. Pena é que muitos atuais comunistas nunca tenham lido o grande mestre a não ser pela falsificação das sebentas de agitprop ou da cartilha de Politzer. 

Com gente de “esquerda” destas, digo “que me protejam dos meus amigos, porque com os meus inimigos posso eu bem”. Enormidades como essa simpatia e defesa dos motins fazem mais mal à esquerda, junto das pessoas minimamente sensatas e sensíveis à necessidade de uma mudança social, candidatos a virem ao nosso lado, do que os ataques da direita.

P. S., 12.8.2011- Um prezado amigo criticou-me por aparentemente eu não enquadrar suficientemente estes acontecimentos no contexto social de um capitalismo  a abrir brechas e a agravar as diferenças sociais e económicas. É verdade que não discorri muito sobre isto - coisa para mim óbvia - porque o meu objetivo primeiro, em resposta à tal apreciação de "carácter de classe dos motins", era tentar mostrar que as típicas ações de lumpen, para os clássicos, sempre foram condenáveis, mesmo percebendo-se que eram, em última instância, de vítimas de toda uma sociedade e, neste caso, com o evidente componente de resultado expetável do consumismo e dos padrões sociais de ostentação. Mas não me parece justo criticarem-me esse tal esquecimento do quadro social. Leia-se melhor o segundo período do primeiro parágrafo.

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