Estou a ouvir notícias. Desde manhã, são os eurobonds. Trocando por miúdos, trata-se de títulos de dívida pelos quais são solidariamente responsáveis todos os países do euro, em vez das dívidas nacionais. Claro que isto tem de ter regras, nenhum país pode ter a liberdade de emitir eurobonds à sua discrição, penalizando os parceiros. O importante é que, garantidos estes títulos por toda a zona euro, o seu juro é baixo e não especulativo, como acontece com a dívida dos países periféricos.
Há três meses, era coisa de que só falavam os economistas não europeus, perigosos comunistas americanos, como Stiglitz ou Krugman, premiados com o Nobel por outros perigosos esquerdistas, os administradores do banco da Suécia. Depois, alguns economistas do BCE e da UE começaram a piar pianinho, não fossem perder o emprego. Ontem foi a Itália a exigi-los, com as calças já a cheirar a queimado. A sargenta Merkel, exemplo do maior espírito quadrado de respeito pelos mais irracionais preconceitos de economia política comunitária (ela vem da ex-RDA!) continua a opor-se mas já o principal especialista económico do seu partido vem tornear a irredutibilidade. Ela ainda vai à vida por simples inflexibilidade, a pior coisa que há na política.
É claro que isto tem muito a ver com coisa que fica esquecida pelo "big brother" da desinformação económica: no segundo trimestre deste ano, a economia alemã teve o resultado magnífico de um crescimento de 0,1%!
Simplesmente, tudo é lento, empastelado, incompetente, entregue a uma "classe" política europeia medíocre. Ouvi há pouco uma coisa espantosa dita por um porta voz da comissão: "a Europa ainda não está preparada para os eurobonds". A política europeia não é proativa, aguarda por coisa misteriosa que é o momento de se estar preparado.
Entretanto, o governo português mais o seu companheiro PS da troika interna não dizem uma palavra, não piam na discussão europeia, continuam com os antolhos postos na obrigação de cumprir o acordo de resgate. Nunca sequer isto dos eurobonds exigiram, nem a baixa dos juros de castigo cobrados pelo FEEF e pelo BCE (superiores aos do FMI), e de que afinal vão beneficiar só por causa da luta dos gregos, com a cedência relativa dos AAA em 21 de Julho. Se dissermos não aos poderosos eles vergam, porque têm muito mais a perder com uma crise do euro do que nós. Se dissermos que vamos reestruturar a dívida, vêm logo conversar sobre como fazer isso sem convulsão na zona euro. Simplesmente, os nossos políticos não os têm no sítio, sofrem todos de criptorquidia atrófica.
O pior que está a acontecer-nos é termos enfiado a carapuça de beneficiados desonestos, abusadores, irresponsáveis, devedores, que devemos agradecer aos nossos benfeitores AAA (alemães, holandeses, austríacos, finlandeses - por sinal aqueles países onde cada vez mais cresce eleitoralmente o neofascismo de extrema direita nacionalista e xenófoba, ao contrário de nós). E toda uma máquina nossa mediática, de economistas de serviço, nos mete isto na cabeça, sem nos fazer perceber que esses AAA só são ricos à nossa custa, e é para isto que serviu o euro. Não me digam que estou a fazer propaganda sem irem primeiro ler alguma coisa do muito que hoje se escreve sobre isto, para quem quer mais do que se sentar no sofá a ver a TV. Googlem!
Estou a escrever a muitas pessoas que votaram na troika interna, porque acharam que não havia alternativa, que não podemos ser caloteiros. Com isto, procederam como gente honesta, mas sem perceberem que a honestidade nas contas familiares não tem nada a ver com a economia política. Não estão a ver o que está a mudar em relação aos dogmas económicos da zona euro desde 21 de Julho? Não estão a ver como foram enganados nas últimas eleições? E como não vão poder emendar tão cedo o seu voto, ao menos que gritem e que saiam à rua quando vier o momento, e não tarda.
Eu não peço a estes eleitores que mudem radicalmente de posição, até porque sei que não veem uma alternativa que os convença. Mas ao menos que comecem a pensar que é necessário qualquer coisa nova que não pode ser a dos tais 80% que têm razão. E que comecem a ouvir, mesmo com ceticismo, e a não achar que são esquerdistas malucos os que, como eu sessentão e considerado cidadão e profissional respeitável, e todos aqueles que desde há muito têm vindo a dizer o que agora até o sistema vem dizer, como o governo italiano a clamar por eurobonds.
E, quando já ia publicar isto, ouço que Sarkozy e Merkel propõem um mecanismo reforçado de governo económico europeu. Por um lado, é a confissão evidente do falhanço do euro baseado no mercado “inteligente”, da não necessidade de governo económico, de orçamento comum, de política fiscal europeia, do dogma derivado da criação do euro à imagem e semelhança do marco. Talvez ainda mais importante como sinal do sismo que a ideologia económica europeia está a sofrer, propõem uma taxa Tobin sobre as transações financeiras. Estão malucos ou desnorteados, estes governantes, dizem-se e desdizem-se.
Mas fico receoso com a proposta de esse governo económico europeu ser entregue a personagem tão cinzenta, tão simbólica da burocracia de Bruxelas que é van Rompuy. Mais, que isto esteja ligado, vê-se logo o dedinho prussiano, à exigência de constitucionalização das regras de Maastricht por todos os estados membros. Mas tenhamos calma. O que se vê é o sistema europeu a abrir brechas por todos os lados. É natural que haja coisas contraditórias. Mas “ça ira!”
Meu caro João, só uma diferença de tonalidade nos separa em matéria de opinião sobre este tema. Temo que a politica Merkel de arrastar os pés leve as coisas ainda mais para o terreno perigoso do nacionalismo. Recuaremos décadas. Et là, rien ne va plus...
ResponderEliminarQuanto a isto do nacionalismo alemão, não há tonalidade que nos separe. Mas diria em boa e velha terminologia: não é nacionalismo, é imperialismo.
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