terça-feira, 4 de março de 2014

Os novos cursos profissionais

Vou hoje centrar-me num tema político em que julgo ter reputação, o da política da educação superior. Vou discutir a decisão recente do Governo de criar um novo tipo de cursos sem concessão de grau, os Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTSP). Serão cursos de formação profissional, reconhecidos como de nível 5 do quadro europeu de aprendizagem (e do quadro português), com duração de dois anos (120 créditos) e leccionados exclusivamente em estabelecimentos de ensino politécnico.

Segundo o comunicado oficial, os CTSP vêm “colmatar uma necessidade dos estudantes», de terem uma formação de nível superior, mas mais curta que a licenciatura, que permita a formação de técnicos superiores, «muito necessários ao País hoje em dia”. Não é verdade. Já existem, há vários anos e por todo o país, os Cursos de Especialização Tecnológica (CET). Tanto uns como outros têm orientação profissional, são de nível 5 de qualificação, exigem o 12º ano. A principal diferença é que os CET são cursos de 60 créditos (um ano), podendo ir até 90. Assim, em termos de duração, os CET distinguem-se claramente das licenciaturas (3 anos), enquanto que os novos CTSP ficam a um passo da licenciatura. Vai ser uma grande confusão, com competição interna, com extinção de CET úteis e criação de CTSP duvidosos. Por isto, o Conselho coordenador dons institutos politécnicos já declarou que os institutos se recusam a leccionar os novos cursos.

Outra diferença explica muita coisa e mostra que pouco vale o tão propalado rigor e domínio técnico de Crato, afinal limitado a um superficial discurso demagógico de crítica a um pretenso “eduquês”. É que os CET, não sendo reconhecidos como de nível superior pela União Europeia, não beneficiam de financiamento, o que deixa de acontecer com os novos CTSP, já com 20 milhões de euros anuais.

Ao contrário das licenciaturas, em que a questão do mercado de trabalho é complexa, não me parece haver dúvidas no caso de cursos de formação profissional, que não podem formar para o desemprego. E aqui põem-se graves problemas com os CTSP, como posso exemplificar com o caso da escola que dirijo. Não temos ainda CET mas íamos propor quatro: aquariotecnia e terrariotecnia, tratadores de animais de laboratório, auxiliares de laboratório, operadores informáticos de dados estatísticos. Todos cursos para que se previa procura e perspectivas de emprego, de acordo com informação recolhida no trabalho. Com a extinção dos CET e sua substituição por cursos de dois anos, nenhuma dessas propostas faz sentido. Não vamos obrigar um jovem a gastar dois anos a aprender a esterilizar material de laboratório e saber pesar e preparar soluções, nem outro a saber introduzir correctamente dados em Excel, organizá-los e fazer análises rudimentares.

Também receio a desvirtuação das intenções de formação profissional. É verdade que a lei dos CTSP vai impor um limite máximo de 30% de créditos de natureza académico-científica, mas tudo se consegue fazer em área tão vaga e ambígua como a definição dessa natureza. Não se esqueça que os politécnicos fizeram uma “deriva académica” e, opostamente, as universidades uma “deriva profissionalizante” em áreas científicas tradicionais.

As universidades, que agora já podem criar escolas politécnicas integradas e que necessitam cada mais de alunos, podem sempre aproveitar este novo factor de oferta/procura. Em vez da dúvida que famílias possam ter em relação a um compromisso inicial com uma licenciatura, podem agora ir em dois passos, primeiro um CTSP a dar uma qualificação e, se possível, prosseguimento para uma licenciatura.

Como nota final, o que já ouvi sobre os CTSP, que corresponderiam ao modelo já longamente consagrado cos cursos dos “colleges” americanos, que conferem certificados ou diplomas, mas não graus académicos. De facto, em comum só têm ser cursos de dois anos a que se tem acesso com o ensino secundário completo. Tudo o mais é diferente. Em primeiro lugar, as licenciaturas nos EUA (BA, BSc) são de quatro anos, mais claramente separadas dos cursos de “college”. Em muitos casos, o curso do “college” é uma fase preliminar ao ingresso na universidade. Em segundo lugar, os cursos dos “colleges” têm muita procura porque as universidades são muito caras e os “colleges” são públicos e comunitários, ao passo que cá as propinas de CET/CTSP e licenciaturas não são consideravelmente diferentes. Depois, o mercado de trabalho americano é muito diferente, muito mais terciarizado,valorizando muito mais as competências básicas prolongadas com especialização em exercício. Mais, a oferta de cursos cobre praticamente todas as actividades, estando assimilado pelo mercado que um nível secundário de emprego exige um curso de “college”, senão vai-se para empregos indiferenciados.

Esta última é que é a semelhança connosco, a de os jovens terem alta probabilidade de só encontrarem emprego indiferenciado. Mas não é por não terem um CTSP. Que o digam os caixas de supermercado que não têm CTSP; têm é licenciatura e, um dia destes, doutoramento. Depois do último concurso de bolsas da FCT, não me admiraria.

Indirectamente, este problema chama à discussão o processo de Bolonha, o seu paradigma e o sistema de graus. Faz sentido que uma licenciatura exija três anos e um curso intermédio profissional dois, apenas um ano menos do que a licenciatura? Fica para a próxima.

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