quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Notas soltas

1. “Que se lixem as eleições!”, lembram-se? “La donna e mobile”. Como as coisas se prestam agora a manipulação da informação pelos mandantes europeus e seus mandados nacionais, vai de pensar outra vez em eleições. Veja-se o que escreve hoje o Diário Económico: “(…) seguir o caminho de Dublin é uma vontade pessoal de Passos Coelho. O primeiro-ministro pensa que a opinião pública não tem clara a diferença entre cautela e segundo resgate, pelo que só a saída limpa permitirá passar a ideia de que os esforços [JVC: leia-se sacrifícios] dos portugueses valeram a pena”.

Quer dizer: o governo arrisca tudo o que é imprevisível e potencialmente lesivo num financiamento exclusivamente entregue aos mercados (taxas de juro, procura, “ratings”) só para aldrabar os eleitores. Podendo mesmo considerar, como também escreve o DE, que o plano cautelar lhe pode dificultar medidas demagógicas e eleiçoeiras, como descidas de impostos.

Mas lembre-se que o PS tem andado a afirmar que se o governo não conseguir uma “saída limpa”, será uma derrota do governo. O peixe ainda vai morrer pela boca, se Passos Coelho “conseguir” mesmo essa saída.

2. O Bloco de Esquerda está em desagregação? É o coro por que afinam ultimamente muitos jornalistas, opinadores e comentaristas. O panorama da nossa “opinion making” é confrangedor. Se, à partida, como o nome indica, é coisa com portas abertas a desinformação, pior ainda é quando é ela própria desinformada e incompetente.

Nada me liga ao BE, mas tudo me liga ao rigor e a análises fundamentadas. Afinal, o que se diz é que o BE desceu nas últimas legislativas, sem se ter em conta que o anormal foi a grande subida anterior. Que os últimos resultados autárquicos foram decepcionantes, quando o BE não tem grande força e capacidade de atracção a nível local. Que as sondagens o mostram a cair, quando não é o que eu vejo (ou melhor, infelizmente tem havido uma ligeira queda das esquerdas, não especificamente do BE). Finalmente, que o BE se está a partir por dentro, como é “provado” pelo caso Ana Drago. A quem é que interessa esta campanha?

Pode interessar à direita, obviamente. Pode interessar ao PS, para valorizar alguma ala menos à esquerda no BE. Mas não me parece fantasista nem mal intencionado pensar que também interessa a todos os que se estão a posicionar como concorrentes de um BE eventualmente aproximado do PS. E também aos que podem recear que, apesar de cerca de 20% de votos de uma frente coerente de PCP-BE – provavelmente a agregar ainda mais eleitores assim motivados, senão mesmo novas forças a aparecerem – não chegarem para governarem, abrem perspectivas para novas relações políticas. Isto sem nos preocuparmos, para já, com a separação de candidaturas em Maio. Nem tudo, ou até muito pouco, se decide nestas europeias.

3. A “melancolia da democracia” é uma expressão que, com amigos de há já vinte anos, usávamos para descrever o que, infelizmente, hoje se revela muito mais acentuadamente neste tempo de crise – sacrifícios de trabalhadores e reformados, desemprego e emigração forçada. Parece reinar o desânimo e a apatia. Não só cá. Como aconteceu com o esbatimento do movimento 12 de Março, depois com o Que se Lixe a Troika, também se foram os acampados de Madrid, os manifestantes da praça Sintagma, até, mais longe, os ocupantes de Wall Street.

Será fastidioso tentar aqui analisar o que se tem passado nestas últimas décadas e que tem conduzido a esta apatia, resignação e automutilação da cidadania, fazendo o jogo da globalização do pensamento único, socialmente e ideologicamente dominado pelo ultra/neoliberalismo. O pântano partidário ganha relevo como espelho de um grau importante de apoio mental acrítico a “verdades indiscutíveis”, como o fim das ideologias, o capitalismo como ordem natural das coisas, a redução da democracia ao estrito cumprimento de regras cada vez mais desprovidas de sentido real, até a intocabilidade da banca.

Parece-me necessário reconhecer que, em parte, também há um factor causal relacionado com o bem estar e nível de vida do pós-guerra, com uma maior osmose social, novos padrões de consumo e novas aspirações individuais/sociais, em boa parte se traduzindo em crescente avanço da mentalidade e atitude egoístas. Faz agora 50 anos que Marcuse tratou dessa alienação do “homem unidimensional”.

Não é nada fácil o combate à hegemonia e muito menos quando se aceitam as mesmas armas ou o terreno preferido do adversário, como aceitam os europeias sonhadores. O combate, não excluindo obviamente o combate ideológico, é essencialmente político e ainda muito com os instrumentos convencionais, organizados. Os novos movimentos, mais ou menos espontâneos, ou as iniciativas segmentares, são promissoras, mas como factores de desgaste mais ou menos lento da lógica da ordem dominante. Nesta fase, e sem com isto estar a defender uma perspectiva vanguardista, os partidos da esquerda consequente têm de enquadrar as lutas, fornecer alternativas. Não podem apenas seguir modas de partidos esponja “abertos à procura”. Não são apenas procuradores da plebe, não são seus representantes passivos. Representação activa é uma relação dialéctica em que cada pólo interage com o outro.

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